A mulher na vitrine

A nossa língua portuguesa é gozada.

Há algumas palavras dicionarizadas que a população usa a versão incorreta. Por exemplo, vitrina e cabina. Exceto alguns pedantes, a maioria usa vitrine e cabine. Quem escreve para o povo, prefere usar, por exemplo, vitrine; soa melhor.

Há dias atrás, como a instalação de uns alto-falantes novos em meu carro levasse umas duas horas, decidi passar esse tempo num shopping ali perto da oficina. Muita gente olhava as vitrines... Eu defino vitrine como uma lâmina de vidro de separa um cabeça oca (o consumidor compulsivo) de outro cabeça oca (o manequim de plástico).

É comum observar-se mulheres bem vestidas, do lado de dentro, sendo observadas por outras, nem tão bem vestidas, do lado de fora. O caso é que as mulheres, em sua maioria (a minha, felizmente, não gosta muito) adoram olhar vitrines. A vitrine é como que um mostruário de consumo e ilusões. Há até uma música, antiga, de um cara se apaixona pelo manequim inanimado da vitrine: “Moço, loucura não faça, não quebre a vidraça, ouvi de um senhor, mas não segui seu conselho, e quebrei o espelho sedento de amor”. Tem louco pra tudo...

Mas, dizia, eu, forçado por causa de uma espera compulsória, decidi caminhar num shopping. Não comprei nada; como era hora de meio-dia, tomei um chope com uma fatia de pizza, e me detive apenas em analisar alguns tipos curiosos que passavam por mim. A maioria dos consumidores dos shoppings são patricinhas, cocotas e coroas. Na vitrine de uma joalheria (os pedantes dizem joalharia), do lado de fora, havia uma mulher, olhando as jóias.

Até aí, nada demais. Era uma mulher de uns quarenta anos, pele clara, jeito de sofrida, roupas comuns e modos simples. Ela olhou uns cinco minutos para anéis, relógios, brincos e gargantilhas, cada um mais caro que os outros, ou “pela hora da morte” como diria minha mãe. Depois de olhar os artigos, ela deu um longo suspiro, meneou negativamente a cabeça, num gesto como que de desconformidade, baixou tristemente os olhos e afastou-se, caminhando lentamente. Eu fiquei ali, pensando.

Que idéia teria se passado em sua cabeça? “Isso é caro demais para uma professora!” ou “Eu nunca vou ganhar de meu marido uma jóia assim...” ou, quem sabe “Ah! se eu tivesse um caso com homem gentil, talvez ele me desse aquela gargantilha de pérolas!”. Ou, talvez pensasse no passado: “Se eu tivesse dito sim ao Fernandinho, quem sabe hoje pudesse estar usando aquele anel...”. Circunstâncias do cotidiano.

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 26/10/2005
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