A menina e o gato

Com os dias menos quentes, comecei, a partir de meados de março, meus exercícios físicos, seja caminhando ou pedalando. Dá gosto, sair, lá pelas 8 da manhã a caminhar, vendo pessoas, escutando os pássaros, sentindo o perfume da natureza e ouvindo uma boa música no “walk-man”. Caminhar é bom. Cooper, que anteriormente aconselhara a corrida, voltou atrás, afirmando que o melhor mesmo é uma boa caminhada, pois oxigena o sangue, ativa a circulação e não oferece riscos ao coração. Além disso, a corrida, por seus trancos bruscos, prejudica a coluna dos mais idosos. Caminhar é bom, repito, porque desenferruja, alegra o espírito e a vista. Não acredito que caminhar emagreça. Se fosse assim, não haveria carteiro gordo. Pois caminhando a gente trava contato com pessoas e circunstâncias. É o jornaleiro que nos dá bom dia, é a senhora da fruteira que comenta o estado do tempo, a outra vizinha que deita um charme, os amigos que saúdam nossa passagem, e assim vai. É impressionante o número de pessoas, desde crianças até idosos que têm o hábito da caminhada matinal. Além disto, depois vem o bom café, o suco de laranja e o banho esperto. Pois numa manhã dessas conheci uma menina. Protegida por uma grade, ela brincava no alpendre de sua casa, dando boas risadas com as travessuras de um gracioso gatinho preto. A menina devia ter uns três ou quatro anos. Cabelo tipo tijelinha, meio claro, olhos vivos e uma incrível vitalidade. Estrategicamente, estava vestida com uma roupa adequada às brincadeiras, pois para acompanhar o bichano, ela rolava no chão. Se é coisa que me atrai é risada de criança. O riso de uma criança é como a síntese do amor e da harmonia do universo. Coisa triste é ver apagarem o sorriso de uma criança. Isso só os adultos sabem fazer... Lembro Ana pequenina, dando suas célebres gaitadas. Ricardo sorria, mas não era muito de dar gargalhadas. Ana, até hoje, dá umas risadas sonoras que se escuta em todo o quarteirão. Pois a garotinha ria das brincadeiras do gatinho, atraindo não só minha atenção mas também a dos que passavam. Diariamente eu cruzava por ali e invariavelmente lá estava menina brincando com o pequeno animal. Uma vez, recordo, ela atou o felino com uma fita vermelha. Cheguei a pensar: “É preciso cuidar o gato, pois esta rua é muito movimentada...” Ontem passei por ali e não enxerguei, nem a menina nem o gato. Não me contive: bati e perguntei. A senhora que atendeu foi solícita. “Ah! Infelizmente o gatinho saiu pela grade, foi atropelado por um automóvel e morreu!” E a menina? perguntei aflito. “A menina, disse a mãe, desde aquele dia está triste, calada e, pior, deixou de sorrir”.

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 26/10/2005
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