A deusa loura

Ela nem bem loura era. Seus cabelos tendiam mais para o platinado. Talvez por essa razão ela tivesse, desde os tempos de universidade, despertado nele tantas fantasias. Ela a via como uma vênus, tipo June Harlow dos tempos passados, com a sedução de Mae West ou numa roupa metálica da psicodélica Barbarella da geração sixties. Afinal, ela embalara seus devaneios oníricos de bem e de mal, de sombras e luzes, do romântico ao grotesco. Quando ele fazia a barba, lá vinha ela, na pele da Afrodite da propaganda das antigas lâminas Platinum Plus: “Experimente minha suavidade e deixe-me, se for capaz...”. A vida deu voltas. Lá no fundo de sua caixa de memórias, qual um baú de Pandora, ele, vez-que-outra revolvia recordações e de lá saía a deusa loura. Uma vez, ela concordou em saírem. “É hoje, pensou ele”. Ficou só no desejo... Ela impôs as gélidas regras: prazeres ? somente os da mesa! O mais que ele conseguiu para seu espírito sequioso, foi um bem comportado beijo de despedida. Nessas circunstâncias a pessoa resgata mecanismos de defesa. Ele a queria, tinha fixação nela, não conseguia esquecê-la. A deusa loura não o quis. Ou, se quis, não demonstrou eficazmente esse querer. Com isso, ele criou defesas, que produziram esquecimentos, que geraram bloqueios às suas fantasias. Cada um passou a viver, a seu modo, suas vidas, como se o outro não existisse. Sempre surgia a questão: foi amor? desejo? paixão? fuga? Essas questões só obtêm respostas claras depois que se bota o preto no branco. Como para eles não houve o vetor tempo, a equação nunca foi decifrada. Há dias eles se encontraram de novo. Estavam os dois sozinhos em cantos diversos de um salão de festas. Aos poucos se aproximaram, sorriram e começaram a conversar. O vinho, a música e as conversas os levaram a remontar um quadro empoeirado que parecia esquecido no sótão das memórias de cada um. A conversa se transformou em colóquio, e o colóquio abriu espaço a confidências e expectativas. Um novo incêndio se tornou manifesto. Seria de fato paixão ou apenas a emoção do vinho que fazia suas cabeças rodarem? Na hora estratégica eles saem da festa. Com a ficção pervadindo o romance, ele propõe saírem e darem um final qualquer àquela emoção mal resolvida. Ela, retornando à prudência, afirma: “Hoje não! Vou caminhar uma quadras, até onde está meu carro, e colocar as idéias em dia...”. Ele ficou ali, parado na calçada, sonhando com a loura do “Platinum Plus”.

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 26/10/2005
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