Riograndenses e gaúchos
Não é só fora do Rio Grande que as pessoas confundem os dois verbetes. Agora, na “Semana Farroupilha” de 2005 pude constar que muita gente confunde riograndense com gaúcho. Essa digressão que vou levantar aqui não é pacífica, e sobre ela podem infletir narizes torcidos de alguns “nativistas” ou antropólogos locais. O caso é que nem todo riograndense é gaúcho, e vice-versa. Mas vamos lá... Para começo de conversa, riograndense pode ser alguém originário, tanto do Rio Grande do Sul como do Rio Grande do Norte. Assim como nem todo o riograndense do sul é gaúcho, e nem todo o gaúcho é nascido aqui, entre o mar, o Chui, e as barrancas do Uruguai e do Pelotas. E explico. Gaúcho, gau-chê, do guarani ou gáucho, do platino (existem várias versões) seria, tanto o habitante da zona rural (pampas) do Brasil, Uruguai, Argentina e uma parte do Paraguai, que se dedica à criação de gado, como também “homem a cavalo”, bom cavaleiro. Assim, gaúcho é aquele que trata da lida do campo, um ajudante da pecuária, um vaqueiro. Deste modo, o verbete gaúcho – diferentemente do termo riograndense – aponta mais para um costume do que um adjetivo pátrio. O gaúcho tem costumes próprios, que facilmente o identificam nos lugares onde vive. A bombacha, uma calça larga, modelito europeu, apropriada para a montaria, usada com botas. Depois vem (para quem pode) a bota de couro. O peão pobre usava a bota-de-garrão, apropriada para firmar as esporas. Também de acordo com as posses, usavam o tirador, uma espécie de avental, indicado para proteger a roupa na hora da vaquejada. Alguns usavam para segurar a bombacha, à guisa de cinto, a faixa, e sobre ela a guaiaca, um rude cinturão, onde levavam a faca, o relógio e alguns “pilas”. A espora, chamada de “chilena”, servia para disciplinar o cavalo. O toque clássico do gaúcho era o chapéu e o lenço no pescoço. O primeiro, de feltro preto, desabado na frente, do tipo “de beijar santo em parede” servia tanto para as lidas (sol)como para as domingueiras (elegância). O lenço fazia o fecho da vestimenta. Ele podia, conforme a circunstância ou o momento político, ser vermelho (maragato), verde (republicano), branco (chimango) ou preto (luto). O lenço defendia do sol, da poeira e também compunha a elegância do “trajo”. Aos costumes da indumentária gaúcha, soma-se a culinária. Primeiro, o churrasco, que longe de uma iguaria, hoje cobiçada e cara (R$ 25 a 30, nas churrascarias), era um “quebra galho”. O gáucho levava um pedaço de carne, sala, juntava alguma lenha no caminho e estava feita a comida. As sobras da carne, ele oreava ao sol, e fazia o “carreteiro”. Igualmente o chimarrão, hoje um hobby, era uma bebida (esquentava no frio e refrescava no valor), feita na hora, às vezes medicinal, ou para as poucas “horas vagas”. Na verdade, sendo um costume, encontramos gaúchos desde a Patagônia, passando pela Argentina central, Uruguai, parte do Paraguai até a Colômbia. No Brasil, observa-se esse costume, em uma faixa centro-oeste do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, oeste paulista, até o sul do Mato Grosso do Sul. Ao contrário do alguns pensam ou afirmam, tem gente no Rio Grande que é riograndense, mas por não adotar os costumes, não é gaúcho. Muito porto-alegrense, pelotense, riograndino, por exemplo, não é gaúcho na acepção da palavra. É riograndense mas não é gaúcho. E dou um exemplo: eu próprio, nascido na Capital, tomei chimarrão aos trinta anos, em Jaguari, e vesti bombacha aos quarenta e tantos, em Cruz Alta. Além do chimarrão, do churrasco e do arroz com mistura (o “carreteiro”), observa-se na personalidade do gaúcho aquele toque indomável, de quem é gaúcho por berço e brasileiro por opção.