O simbolismo do mal

Eu gosto de estudar. Meu currículo atesta isto. Entre tantos tipos, há os que estudam por amor (filo) ao estudo (sofia). Pois, na Terceira Idade, resolvi fazer um doutorado em Teologia Moral; ganhei uma bolsa. Eu não quis cair naqueles lugares-comuns do “é pecado não ir à missa?”, “como é o pecado original?”, etc. Decidi uma coisa menos light e mais concisa, tipo assim “Deus é bom! então por que existe o mal?”. A pesquisa, que vai render um livro, certamente, tem por base The Symbolism of evil, de Paul Ricoeur (Beacon Press, Boston).

Para o consagrado filósofo francês, os mais primários e espontâneos símbolos do mal são defilement (a malícia, corrupção), sin (pecado) e guilty (a culpa, ou a ausência dela). Meu trabalho vai se basear no mal sofrido por um inocente, como o Jó bíblico, que nada fez para merecê-lo. Como uma menina de quatro anos, em Porto Alegre, que sofreu violência sexual e depois foi enforcada, pendurada em uma árvore. É fácil explicar a atitude de quem produz o mal. Mas como explicar o sofrimento do inocente? A tese vai se basear nessas premissas. Deus é bom, sim! então, por que existe o mal? Para botar lenha nessa fogueira, temos as “questões de Epicuro”, um filósofo grego († 270 a.C.): “Ou Deus quer eliminar o mal e não pode; ou pode mas não quer; ou não pode e não quer”. O próprio filósofo, um pagão no nosso modo de pensar a religião, parece interpelar seu deus ou o conjunto de deidades que os gregos reverenciavam (e temiam): “Se quer mas não pode, é impotente; se pode mas não quer, é malvado: não nos ama; mas, se pode e quer abolir o mal, então por que existe o mal no mundo?”.

Neste terreno, há um ponderável confronto entre místicos, racionalistas e ateus, o que torna apaixonante a busca pela síntese, no meio de tantas teses. Nas fráguas da pesquisa, conforme o orientador, o doutorando não pode ater-se apenas à ocorrência do mal metafísico, intrínseco a este mundo, uma vez que a idéia de criação implica uma certeza de limitação.

Ao moralista (especialista em Teologia Moral) cabe identificar mal moral, ou seja o pecado, cuja fonte está na vontade má, que não tem uma causa eficiente, mas uma causa deficiente. O mal moral, mais que o físico e o metafísico é o que mais danos causa à sociedade humana. É preciso vê-lo no cotidiano, ao ler as notícias dos jornais. Pecado, não é apenas “pular a cerca”, bater no coleguinha ou jogar pedra em santo. O pecado faz parte da vida humana... Paul Ricoeur nos deixou, lamentavelmente, aos 92 anos, em maio de 2005. Casualmente eu estava em Paris nesse período...

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 25/10/2005
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