O amor e a paixão
Em tempos de cólera é sempre bom ter amor no coração, para poder falar nele. Amor não é um sentimento que se possa teorizar: acho ridículo ver pessoas dizendo, façam assim, façam assado, deixem isto ou excluam aquilo para amar. Na verdade, como poderei ensinar a dirigir um automóvel, se eu próprio não sei fazê-lo. Assim é com o amar. Tem gente que dá “aulas de amor”, que conhece o amor de Deus, da família, dos amigos, mas ignora o “amor a dois”, nunca viveu o agápe, a phylia e o éros que queimam entre um homem e uma mulher, e mesmo assim acha que tem receitas para aquele sentimento profundo que afoga a solidão e espanta o egoísmo. Sim, porque as pessoas andam cada vez mais egoístas, mais fechadas em si, só buscando seu prazer e sua realização, como se isto fosse possível ser atingido sozinho. Volta-e-meia se escuta por aí “ah, eu preciso me apaixonar!”, ou “adoro beijos...”, como se estas coisas fossem um artigo de consumo que se compra em qualquer esquina, ou segmentos isolados que possam ser desfrutados fora de um contexto maior. Ë bom amar, ser amado, apaixonar-se... sim, é bom! Nem é bom, é ótimo! Mas tem gente que gosta de amar o amor, viver aquela magia da paixão, que dá a emoção rica em adrenalina, a insegurança e o medo de perder, a sensação agradável de estar com alguém, a ponto de corar o rosto, morder os lábios e ter acelerados os batimentos cardíacos. Há quem aprecie o enlevo da emoção mas não está suficientemente maduro para assumir os riscos do sentimento. Um rosário de sensações agradáveis pode apontar para um grande amor, assim como também é capaz de ser um sintoma de paixão, e esta, sabemos, por causa de sua raiz pathos, implica em sofrimento. Todo o apaixonado sofre. Aquele que ama cresce. A paixão (posto que é chama), dá e passa; o amor (que é eterno) jamais acaba. Quando alguém diz: “O nosso amor acabou!”, pode-se ter certeza que nunca foi amor. Por causa disto, muito amam o amor, adoram o “estar apaixonado”, gostam das sensações (a maioria sensíveis) e da experiência de estarem apaixonados. Isto é ótimo, mas se não tiver um amor de verdade por detrás acaba. Amam o amor mas não amam o(a) outro(a). Há quem queira sentir o fogo do amor mas não quer assumir as responsabilidades que dele dimanam. A paixão dá um sentido diferente (e temporário) à vida das pessoas. Viver uma paixão é gostoso, mas cansa, dá e passa; não é possível estar apaixonado o tempo todo. A paixão é pueril; o amor é maduro. Muita gente desconhece essa diferença, e dá com os burros n’água. Foi São Paulo, plagiando um antigo poema grego que afirmou que “o amor não passa, jamais”. Infelizmente, hoje em dia, os jovens dado à liberdade que cerca suas relações, não distinguem pouco entre “ficar”, estar apaixonado e amar. Se alguém aceita um conselho, de alguém casado (com a mesma mulher) há mais de quarenta anos, aí vai: não te apaixones pelo amor; apaixona-te por quem te ame, te ajude, te espere, e compreenda e perdoe tuas loucuras. Ama alguém que sonhe contigo, que declame teu nome, que só pense em ti, em teu rosto, teus olhos, teu espírito; ama alguém por quem sejas capaz de morrer, e não apenas quem pensa em teu corpo ou em teus bens. Apaixona-te por alguém que esteja apaixonado por ti, que te enlouqueça de prazer, para que os dois transformem a paixão num amor perene. Ama alguém que te apoie, que te dê forças e esteja contigo na hora amarga, alguém que sofra contigo, que enxugue tuas lágrimas, que te peça perdão e que saiba te perdoar, e volte para teu lado depois de brigas ou desencontros, e por quem sejas capaz de fazer o mesmo. Não é bom a gente gostar ou se apaixonar pelo amor; tudo aquilo que se gosta, “gasta”; a paixão dói; vale mais amar... amar a pessoa.