A Fortaleza Cultural
Apelles, célebre pintor grego da Antiguidade, dizia ser ele o verdadeiro prefeito de Atenas, já que a pintava conforme deveria ser. De tanto ver, pensar e imaginar o melhor, Apelles a pintou perfeita e a cidade foi se moldando às suas imagens.A Estética, portanto, a tudo resolvia, já que na Harmonia e na Beleza não havia lugar para a miséria, a pobreza, a ignorância, o egoísmo, a prostituição e a decadência.Eis aí a Fortaleza Cultural. Lugar de muito emprego, auto-estima e grandes valores culturais -, e onde até as belas praias eram ícones culturais. Aqui, num gesto ousado e de grande sabedorias, os gestores culturais passaram a ser eleitos, por votos credenciados. Tinham projetos extensivos e de qualidade superior, milhares de citações na web e souberam muito bem vencer a obsessiva concentração dos poucos monopólios culturais, públicos e privados que dominavam as artes e a cultura da cidade. Agora os artistas já não eram explorados e usados, como pretexto para propaganda, e notava-se que já à medida que se removia o lixo as artes e a cultura floresciam a olhos vistos. Nossos arquitetos agora construíam certo e nos lugares certos. Rebrilhava a glória do Centro Histórico, era um passeio cênico à Beira-Mar, arte a natureza lado a lado. Impensáveis jangadas singravam os mares e os ares e havia cajus que se comiam crus...tudo muito bem resolvido.Bela Fortaleza Cultural. A Estética opera milagres. Agora o Banco do Nordeste emprestava e até dava dinheiro para qualquer um que fosse capaz e que tivesse uma boa idéia cultural. Isto gerou empregos maravilhosos, uma socialização solidária e uma cidade feliz. Fora muito boa a idéia da Secretaria da Cultura, separada dos Desportos e do Turismo, com o animado gestor eleito e, melhor ainda, foi transformá-la na Estamos Juntos, uma espécie de Oscip, onde a Arte, já separada da Cultura, fluía livre e belamente.O Desporto tornou-se coisa de cavalheiros e o Turismo se beneficiou muitíssimo. O turista, agora um visitante, era um amigo possível, já que não eram excessivamente ricos como antes, e já não vendíamos nossas Casas de Farinha como se fossem rapaduras. Culturalmente estabelecidos, éramos atrações irresistíveis e todos queriam saber de nós, e assim conseguimos existir ao lado dos produtos chineses e americanos. Nosso Turismo Cultural foi aos sertões, avançou até Bárbara de Alencar, banhou-se com Iracema no Ipu e descobriu que o Ceará era uma terra riquíssima, e com muita água. Era o Ceará da Fortaleza dos lábios de mel.Uma Fortaleza ética, onde os embelezadores da cidade eram amados como já o eram agora nossos antigos heróis. Fora-se o preconceito. Nossas prostitutas, ex-mártires da Praça dos Mártires, eram agora pessoas respeitáveis, tradicionais até, como se desprendia das velhas fotos, já agora com outros trabalhos dignos, como guias turísticos, artísticos, culturais, solidários. Então os dois grandes defeitos do fortalezense, buzinar e chamar psiu sumiram. Há muito ninguém buzinava e já ninguém chamava ninguém por psiu. E assim sumiram os mendigos, filhos e pais, os profissionais dos pára-brisas, párias dos sinais, os puladores de cercas eletrificadas. Pois se antes não tínhamos Polícia e só segurança privada, agora não temos Polícia nem segurança individual, pois pra que ?A Estética cada dia era mais poderosa. Haviam sido descobertos os valores da Harmonia e da Beleza e os homens eram poderosos ao lado de suas mulheres, filhos, parentes e amigos, todos poderosos. Era o Poder geral, irrestrito. E esta constatação fez o ‘‘Diário do Nordeste’’ lançar e sustentar a Cruzada pela Fortaleza Cultural, um fórum-movimento-permanente à altura da Confederação do Equador e maior ainda que a Semana de 22, sob muitos aspectos.Foi linda também a nossa política de acervos, pois estávamos, nós e o País, carentes de museus, bibliotecas, salas de Internet. Quantas coleções públicas e privadas conseguimos em tão pouco tempo, pagando muito bem aos nossos artistas, e todos os artistas eram nossos. Livros como flores. Bens bem conectados.E assim, guardando nossa cultura no coração podíamos e amávamos nos sincretizar, mostrando o Ceará ao mundo. E ainda mais impressionante que a vontade cultural foi como ela se manifestou na realidade, pois foi como um encanto, e de repente a Cultura uniu-se à Estética, e deu face transformadora à Política, e foi inesquecível ver os nossos vereadores e deputados revelando suas sinceridades e obrando pelo bem geral.Era essa a graça da Estética, generosa como toda boa graça. O servir da Política e o dar da Arte, juntos.E pensar que tudo isto começou com uma simples, mas corajosa eleição...
Oscar Araripe é pintor, escritor e ex-jornalista do Correio da Manhã e do Jornal do Brasil.