Quando Fernão entrou na aeronave, os demais passageiros já estavam sentados e os comissários de voo, preparavam-se para a demonstração de uso dos equipamentos de segurança. Abriu o livro com avidez; aguçou a imaginação. Foi engolindo cada página como se nunca houvesse lido aquele livro antes. Queria ser diferente dos outros seres de sua espécie: não mataria por vingança, ao contrário, superaria suas próprias forças, quebraria as barreiras e limites individuais, dominaria o céu. Sentiu-se uma gaivota nas mãos de Richard Bach: ‘Não seria mais um ser qualquer à procura de ração.’ Queria fazer acrobacias que deixassem Vanini encantada, arrependida de tê-lo trocado por Hemor. Faria tudo sozinho sem pedir ajude a Simeão nem a Levi. Aperfeiçoaria sua técnica de voo, de modo que nenhum piloto voasse tão bem quanto ele. Poderia simular um acidente aéreo, destruir a Casa Rosada ou o Castelo Branco, para retirar sua amada dos braços do aviador.
Enquanto divagava, um comissário apresentou os equipamentos de segurança, e uma voz suave descreve o modo de usá-los. Sucessivas descargas elétricas dispararam flashs na janela, o ribombar tardio do trovão fez tremer a fuselagem. Fernão já não tinha certeza se se tratava apenas de um vácuo ou de queda livre. Rostos nervosamente amedrontados trocam olhares de espanto.
Lera Capelo Gaivota, com a intenção de aprender a superar seu próprio limite. Naquele momento, no entanto, sentia-se derrotado na luta contra o ciúme — este mau sentimento era seu grande obstáculo — Precisava estar aberto de corpo, e de mente, quando desembarcasse em Paris para conversar com Vanini.
O desejo pela coisa proibida tinha-se tornado o vulcão aceso com a tocha do diabo, que induziu Siquém a sequestrar Dina. E Páris a raptar Elena. Vulcão que também ardeu na alma de Hemor quando tomou Vanini para si. Fernão decolaria do porta-aviões Charles de Gaulle para pousar no coração da amada e nunca mais decolar. Queria superar os limites de suas forças; rasgar as páginas que registram a vida de um homem traído e não esconder de si mesmo o segredo que muitos já sabiam: sua mulher o trocou por um piloto que voava sem licença para voar. Pobre diabo este Capelo. Não tinha boas lembranças de Paris: as tardes frias tocavam folhas secas no outono de seu coração.
Tremeu.
Veio um impulso interior despertar nele o desejo de escrever. A caneta dançou como varinha de condão em mãos de fada. Com certeza, a vida, o amor, tudo que há na terra, no céu, no mar, está na poesia que o poeta pinta, com a tinta a escorrer numa folha de papel.
Levou o recorte do bilhete que a mulher deixara no criado. Seria uma forma de abordá-la: ‘Vim te devolver isto’. Abriu-o e releu em silêncio o poema que escrevera no verso do papel. Dobrou-o cuidadosamente e o guardou outra vez na carteira. Entregaria a Vanini, assim que desembarcasse em Paris. E reprisou a cena do abraço com a mãe no Aeroporto. As preocupações dela sobre um sonho que tivera com o filho, navegando um navio sem timoneiro a chocar-se com o paredão da encosta. Fernão tinha certeza de uma coisa: não voltaria sem ter uma conversa com a mulher, que antes fora sua esposa, e quando retornasse da França contaria tudo a Ravenala. Malgrado, não conseguisse nada com Vanini, não poderia perder a oportunidade de construir novo lar com outra pessoa. Pelo sim, pelo não, Ravenala sabia de sua viagem apenas para concluir o curso de aviador.
Nos momentos de aflição, as horas parecem escorrer mais lentamente e cada minuto torna-se uma eternidade. Fernão estava em um isolamento de quatro paredes aladas. Paredes de ferro que voava e parecia não sair do lugar. Sequer ouvia com clareza o ronco das turbinas, tal era sua compenetração na leitura de Bach. Tudo era um silêncio mortal, até que de repente, uma voz se fez ouvir em toda a aeronave: ‘Senhoras e senhores, estamos sobrevoando a costa Sul do Senegal. Temos nuvens pesadas em rota de colisão... Haverá alteração no plano de voo e atraso de trinta minutos na hora prevista para o pouso em Dakar. A temperatura externa é de quarenta e sete graus negativos. Boa noite e boa viagem!’
***
Adalberto Lima - Estrela que o vento soprou...
Imagem: Google
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Arco do cupido
Enquanto divagava, um comissário apresentou os equipamentos de segurança, e uma voz suave descreve o modo de usá-los. Sucessivas descargas elétricas dispararam flashs na janela, o ribombar tardio do trovão fez tremer a fuselagem. Fernão já não tinha certeza se se tratava apenas de um vácuo ou de queda livre. Rostos nervosamente amedrontados trocam olhares de espanto.
Lera Capelo Gaivota, com a intenção de aprender a superar seu próprio limite. Naquele momento, no entanto, sentia-se derrotado na luta contra o ciúme — este mau sentimento era seu grande obstáculo — Precisava estar aberto de corpo, e de mente, quando desembarcasse em Paris para conversar com Vanini.
O desejo pela coisa proibida tinha-se tornado o vulcão aceso com a tocha do diabo, que induziu Siquém a sequestrar Dina. E Páris a raptar Elena. Vulcão que também ardeu na alma de Hemor quando tomou Vanini para si. Fernão decolaria do porta-aviões Charles de Gaulle para pousar no coração da amada e nunca mais decolar. Queria superar os limites de suas forças; rasgar as páginas que registram a vida de um homem traído e não esconder de si mesmo o segredo que muitos já sabiam: sua mulher o trocou por um piloto que voava sem licença para voar. Pobre diabo este Capelo. Não tinha boas lembranças de Paris: as tardes frias tocavam folhas secas no outono de seu coração.
Tremeu.
Veio um impulso interior despertar nele o desejo de escrever. A caneta dançou como varinha de condão em mãos de fada. Com certeza, a vida, o amor, tudo que há na terra, no céu, no mar, está na poesia que o poeta pinta, com a tinta a escorrer numa folha de papel.
Levou o recorte do bilhete que a mulher deixara no criado. Seria uma forma de abordá-la: ‘Vim te devolver isto’. Abriu-o e releu em silêncio o poema que escrevera no verso do papel. Dobrou-o cuidadosamente e o guardou outra vez na carteira. Entregaria a Vanini, assim que desembarcasse em Paris. E reprisou a cena do abraço com a mãe no Aeroporto. As preocupações dela sobre um sonho que tivera com o filho, navegando um navio sem timoneiro a chocar-se com o paredão da encosta. Fernão tinha certeza de uma coisa: não voltaria sem ter uma conversa com a mulher, que antes fora sua esposa, e quando retornasse da França contaria tudo a Ravenala. Malgrado, não conseguisse nada com Vanini, não poderia perder a oportunidade de construir novo lar com outra pessoa. Pelo sim, pelo não, Ravenala sabia de sua viagem apenas para concluir o curso de aviador.
Nos momentos de aflição, as horas parecem escorrer mais lentamente e cada minuto torna-se uma eternidade. Fernão estava em um isolamento de quatro paredes aladas. Paredes de ferro que voava e parecia não sair do lugar. Sequer ouvia com clareza o ronco das turbinas, tal era sua compenetração na leitura de Bach. Tudo era um silêncio mortal, até que de repente, uma voz se fez ouvir em toda a aeronave: ‘Senhoras e senhores, estamos sobrevoando a costa Sul do Senegal. Temos nuvens pesadas em rota de colisão... Haverá alteração no plano de voo e atraso de trinta minutos na hora prevista para o pouso em Dakar. A temperatura externa é de quarenta e sete graus negativos. Boa noite e boa viagem!’
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Adalberto Lima - Estrela que o vento soprou...
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