A BATALHA DE SÃO JOÃO NEPOMUCENO

A BATALHA DE SÃO JOÃO NEPOMUCENO

Márcio Valle

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Leopoldina é uma cidade do interior de Minas Gerais, pequena, porém muito agradável de se viver nela, pois ainda guarda aquelas simplicidades interioranas do nosso Brasil.

As crianças aproveitam a infância brincando e estudando e os jovens têm na música e nos esportes seu lazer preferido.

Duas festas são tradicionais em Leopoldina e em datas bem próximas.!

Em maio as festividades referentes ao Mês Mariano, quando ocorrem as famosas coroações da Virgem Mãe, ocasião aproveitada pela diocese para realizar leilões e vendas de objetos, no sentido de arrecadar para as obras sociais.

As pessoas aproveitam para ficarem passeando ao redor da pracinha, em frente à igreja do Rosário, quando têm início muitos namoros...

Rapazes andando num sentindo e moças no sentido contrário.

No final do mês de junho, durante uma semana ocorrem às festividades da Exposição Agro-Pecuária, onde a população acorre em massa.

Como em todo o Brasil, Leopoldina também tem seu futebol que, antigamente era representado pelo Esporte Clube Ribeiro Junqueira, clube mantido pelos sócios e o comércio em geral e a Liga Esportiva do Colégio Leopoldinense, que como o nome já sugere era mantida pelo Colégio.

Jogar pelo E. C. Ribeiro Junqueira, era muito gratificante para todos os garotos, mas ser integrante da Liga do Colégio, era a glória!

As meninas olhavam para nós de maneira diferente e nos prestigiavam até para dançarmos! Éramos convidados por elas... Isto colocava em ebulição a meninada.

. Ano de 1 950 !

Começavam as atividades letivas no Colégio e o Prof. Manoel Botelho, responsável pela educação esportiva, como fazia todos os anos, dava início à formação do esquadrão juvenil da Liga do Colégio e entre os convidados para participar da equipe, estávamos: Eu, Adonai , João Marcio, Marcelo, e Sebastião.

Nessa ocasião, fazíamos parte do juvenil do Ribeiro Junqueira, comandado pelo Tatão, de saudosa memória, que usando de sua amizade conosco tentava nos dissuadir a aceitar o convite.

Mas, o convite da Liga era tentador... O prestígio entre as garotas era grande e suficiente para nos deixar embevecidos e sonhando com aquele possível sucesso ...

Recusar, quem o faria!

Em seguida a demoradas negociações, optamos, nós cinco, pela Liga, apesar de todo nosso carinho pelo Ribeiro Junqueira pois, afinal de contas, foi lá que iniciamos .

A saída de tanta gente, de uma só vez, deixou o Gabriel Kneipp, diretor de esportes do Ribeiro Junqueira, completamente aturdido.

Para mim, garoto de 15 anos, era um deslumbramento total fazer parte da Liga que era um sonho acalentado por todos os garotos !

Os horários, os treinamentos severos, os jogos, tudo rigorosamente como tínhamos sido informados!

Quando do início das atividades, uma surpresa nos estava reservada porque não havíamos sido trazidos para o juvenil e sim para fazermos parte do quadro reserva.

Os “cobrões”, Zé Antonio, Tote, Coutinho, Laércio, Raul, Nilo, Renato e tantos outros, que aprendemos a admirar do lado de fora do campo, receberam-nos como irmãos.

Eu, como substituto eventual das “feras” Zé Antonio e Coutinho, confesso, tremi na base! Enfrentar um time de craques era demais!

Todavia, o prof. Botelho, com sua perspicácia de psicólogo prático, vendo nossa timidez inicial, dizia-nos paternalmente:

Não tomem conhecimento dessa turma, eles não são de nada! Enfrentem-nos!

E nós, com esse incentivo, nos dispúnhamos a levar verdadeiros bailes, até vencermos aquela falsa fraqueza... Daí em diante era uma acirrada disputa, para gáudio da fiel torcida que não perdia os treinamentos.

Mas, éramos tão jovens que a idade permitia a nossa participação no juvenil.

Disputamos inúmeras partidas junto à turminha, com a alegria de meninos brincando, principalmente quando enfrentávamos o 7 de setembro, da fábrica de tecidos, um clube da chamada várzea e de excelentes jogadores..

-Festa em São João Nepomuceno!

São João Nepomuceno, é também uma pequena e simpática cidade do interior de Minas Gerais.

Sua pracinha, defronte a Igreja Matriz, era o ponto de reunião e onde se realizavam as festas. Sábados e domingos, à noite, as moças e rapazes ficavam desfilando, em sentidos contrários, quando lânguidos olhares se entrecruzavam e de onde muitos namoros saíram para casamento.

Suas ruas limpas e bem calçadas, e seu casario bem conservado, dão-lhe um toque muito aconchegante ...

No domingo haveria festa na cidade e foi feita uma programação, extensa e com muito divertimento, inclusive baile.

Como é comum no interior, desde aquela época, jogo de futebol obrigatoriamente faz parte do planejamento das festividades e os organizadores optaram por colocar frente a frente, os dois melhores juvenis da região.

O do Operário de São João, que nunca havia perdido em seu campo e o da Liga do Colégio que vinha mantendo uma invencibilidade de um ano, ou seja desde a sua formação no ano anterior

O convite foi feito e logo aceito pela direção do Colégio que providenciou a condução para a viagem.

Domingo pela manhã, bem cedo, saímos de ônibus com destino àquela cidade, enfrentando uma estrada de terra, com muita poeira e buracos. Asfalto...Era coisa de outro mundo e nós vivíamos no Brasilzão!

Depois de umas 4 horas de viagem, e muito sofrimento, chegamos e fomos”hospedados” no Clube Operário, que seria o nosso anfitrião.

À nossa chegada, as meninas da localidade vieram nos recepcionar, o que causou um tremendo mal estar entre os rapazes da cidade que se sentiram postos à margem, e que nos hostilizavam a todo instante, demonstrando o ciúme de que estavam tomados.

Como era de se esperar chegamos com fome e como o jogo seria realizado às 13 horas era impossível almoçarmos tendo de nos contentar com uma banana cada um, distribuída pelo Sebastião Rocha, na condição de chefe da delegação e técnico.

Após escalarmos um morro bem acentuado, e sob um sol de torrar os miolos, já que aquela região de Minas Gerais é muito quente, conhecemos o mais careca campo de futebol que já vi em minha vida.

O campo tinha no lugar da grama uns 30 cm de poeira solta, que se levantava penetrando no nariz, garganta, olhos e ouvidos provocando um mal estar insuportável.!

Tive como prêmio marcar um crioulinho de 16 anos, que era a estrela do time e merecedor do título pelo que jogava.

Tão logo começou o jogo, o crioulinho deu inicio à sessão de ameaças: Vou te quebrar as pernas, vou fazer e acontecer, dirigindo-se a mim, no sentido de me amedrontar.

E eu fazia ouvidos de mercador pois sabia que nada aconteceria.

O jogo corria normalmente, com ataques de ambos os lados, mas com defesas firmes.. .

Estávamos mexendo em vespeiro e não sabíamos. A ausência de golos , por parte deles, estava tornando a torcida impaciente e a todo instante ameaçava quebrar bambus em nossas costas, bater na saída e coisas desse quilate.

Terminado o primeiro tempo e com uma sede terrível, fomos para o vestiário que se encontrava fechado.

Dirigimo-nos, então a um tanque e, surpresa maior, nada de água na torneira.

Todavia, com toda fidalguia, nos serviram um suco que era composto de cachaça com anilina! Mas, em seguida, forneceram-nos laranjas.

E as ameaças cada vez mais fortes...

Sebastião Rocha pediu-nos que diminuíssemos o ritmo, para que pudessem empatar, já que éramos superiores na contagem! Mas, garotos como éramos, e em represália ao que estávamos passando, só pensávamos em ganhar.

Resultado final 3 x 0 para nós.

Era evidente que nunca cumpririam com as ameaças, mas ao procurar onde jantar, fomos informados de que se quiséssemos comer o fizéssemos por nossa conta.

Sebastião Rocha providenciou, então, o melhor jantar da minha vida: macarrão com feijão! E como sobremesa o manjar dos deuses: banana nanica...

Recusamos o convite para participarmos da festa e, na saída, nosso ônibus foi apedrejado, como era comum no interior, sem maiores conseqüências muito embora no perímetro urbano tivemos de nos deitar no assoalho do carro, para evitarmos sermos atingidos pelas pedras.

Só nos sentimos seguros quando vimos , ao longe, desaparecerem as luzes da cidade.

Futebol no interior, naquela época, era luta no campo e fora dele. Mas era muito gostoso!!!

Ao meu querido e sempre presente amigo,Márcio meus agradecimentos pelo texto magnífico

Beijos sonoros