MARCELO CAETANO: UM EXEMPLO DE PATRIOTISMO

Marcelo José das Neves Alves Caetano, foi, sem sombra de dúvida, um dos grandes portugueses que afluíram ao Brasil em decorrência de problemas políticos que afligiram o nosso país no século passado. Ilustre mestre da ciência do Direito, matéria que lecionava com enorme brilho na conceituada Universidade de Coimbra, acabou por receber o honroso convite para vir a ocupar a Presidência do Conselho de Ministros, em substituição ao Prof. António de Oliveira Salazar, depois deste a ter ocupado por quase quatro décadas. Era uma tarefa árdua e difícil para o grande mestre de Direito e reconhecidamente uma das maiores capacidades a nível mundial em Direito Administrativo. A sua primeira reação foi de não aceitar o cargo, diante da certeza dos problemas que teria que enfrentar, tendo a obrigação de procurar harmonizar as diversas tendências que se apresentavam entre os seguidores do governo anterior, enfrentar o sério problema que era a guerra do ultramar e, ainda, fazer impor as idéias que sempre defendeu e que, por terem caráter liberalizante, certamente encontrariam grande resistência para a sua implantação.

Durante a sua permanência no Brasil, foi imediatamente convidado a dirigir o Gabinete de Direito Internacional da Universidade Gama Filho, onde proferiu importantes lições e engrandeceu com a sua presença o ensino do direito no Brasil. Independentemente de conotações político-partidárias a figura e a conduta do Prof. Marcelo Caetano só me fizeram tomar consciência, nessa ocasião em que o conheci, da magnitude dos valores que Portugal possui, pois sempre se conduziu com uma sobriedade exemplar, nunca deixando de se interessar pelo aprimoramento técnico daqueles que afluíam à Universidade Gama Filho.

Naquela época eu era um jovem emigrado no Rio de Janeiro desde os sete anos de idade, apaixonado pela minha pátria e interessado em tudo o que se relacionasse com Portugal e com a Comunidade Luso-Brasileira. O meu primeiro contacto com ele ocorreu por ocasião da homenagem que o hospital da Obra Portuguesa de Assistência, no qual eu era um dos diretores, resolveu prestar-lhe uma justa homenagem, outorgando-lhe o título de sócio honorário. Quis o destino que, por ocasião de uma viagem que empreendi a Portugal, um tio da minha mulher, Sr. Manuel Calçada, que me revelou ser grande amigo e admirador do Prof. Marcelo Caetano, me pedisse que eu trouxesse para entregar ao ilustre mestre, dois pequenos Queijos da Serra, pois ele era um grande apreciador da tradicional iguaria e, desde que tinha vindo para o Brasil não tinha tido oportunidade de voltar a saboreá-la. Isto acabou por me permitir um contacto mais próximo com o professor, tendo-o visitado em sua residência no bairro do Flamengo, oportunidade na qual pude ouvir de sua boca, a intenção de nunca mais pretender voltar a Portugal, pois estava visivelmente magoado com a atitude que os portugueses tiveram para com ele.

Se estivesse vivo, o Prof. Marcelo Caetano teria completado em 16 de agosto de 2007, 101 anos. Trazia com ele uma grande mágoa com os políticos e o povo português, que não o compreenderam e o expulsaram do país. Ele se dizia um professor de direito que foi procurado na Universidade para cumprir uma obrigação como cidadão e aceitar governar Portugal. Não era a sua vontade, mas atendendo que as partes envolvidas com a sucessão de Salazar, impunham-lhe a aceitação, pois seria o único nome respeitado por todas as tendências políticas envolvidas, acabou por ceder ao compromisso com a Pátria.

Em outubro de 1980, num domingo, estava eu a almoçar na casa dos meus sogros quando ouvi pela televisão a notícia da morte do caro mestre, vitimado por um ataque cardíaco. Na notícia, relatada em caráter extraordinário pelo plantão jornalístico da emissora, anunciavam que o seu corpo iria ser transladado para o Cemitério São João Baptista, onde seria enterrado. Imediatamente entrei em contacto com companheiros da diretoria do Real Gabinete Português de Leitura, entre os quais, o prezado amigo, Adolfo Santos, iniciando-se ali uma batalha para conseguir fazer remover o seu corpo para ser velado no salão da biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura. Após quebrarmos algumas lanças e eliminarmos as oposições à pretensão, conseguimos levar o grande mestre e ilustre português para o local pretendido, sendo velado durante toda a noite de domingo para segunda-feira, havendo uma imensa fila de portugueses, luso-brasileiros e curiosos que fizeram questão de prestar a sua última homenagem ao Prof. Marcelo Caetano. Na segunda-feira, procedeu-se ao enterro, sendo o corpo, coberto pela Bandeira Nacional, transportado em um carro aberto do Corpo de Bombeiros seguido por uma procissão de automóveis estimada em 300 viaturas. O enterro ocorreu no Mausoléu dos Imortais, cedido em carácter excepcional pela Academia Brasileira de Letras, sendo saudado pelos grandes acadêmicos Austregésilo de Athayde e Pedro Calmon. Fiquei imensamente feliz comigo mesmo por ter contribuído para que esse grande português recebesse um enterro condigno do qual ele era merecedor, procurando tentar reparar um pouco da injustiça que os governantes de Portugal cometeram com a sua figura.

Posteriormente, em 16 de agosto de 1981, quando ele completaria, se estivesse vivo, 75 anos de nascimento, foi inaugurado um Mausoléu próprio, mandado construir por subscrição pública, realizada pela comunidade portuguesa do Rio de Janeiro, que teve à frente o Sr. Rogério Pinto Gaspar, sendo os seus restos mortais transladados para lá nessa oportunidade, tendo o mesmo afirmado que “a fidalguia deste gesto simboliza o respeito dos portugueses e brasileiros que, saudosos, guardam na memória a figura ilustre desse grande português, que amou tanto a sua pátria e o próprio Brasil, onde quis permanecer mesmo depois da morte”. No Mausoléu está gravado, em bronze, um pensamento do professor, que é: “Mentiria se dissesse que não tenho saudades desse solo e da boa gente que de longe me tem acarinhado”.

O professor Marcelo Caetano, revelou um patriotismo notável ao aceitar a difícil incumbência que lhe outorgaram, pois, após ser empossado, começaram os questionamentos, uns achando que ele precisava ser mais liberal, outros entendendo que ele estava traindo a política salazarista ao conceder liberdades e direitos até então inexistentes. Sofreu muito e quando da revolução de 25 de Abril, acabou por ser cassado e expulso do território nacional e ele perguntava: " - Mas o que é que eu fiz de tão mal a Portugal para ser tratado assim? - Somente aceitei a indicação para ser um elemento conciliador entre as diversas correntes que ameaçavam se degladiar. - O reconhecimento desse meu sacrifício por Portugal está sendo a minha deportação! Não consigo entender o que me fizeram. Nunca mais volto a pôr os pés em Portugal! A minha terra agora é o Brasil. É aqui que vou terminar os meus dias, procurando dignificar a minha condição de português, de professor e de defensor do direito e da justiça".

Marcelo Caetano, inscreveu seu nome na história como um exemplo de dedicação, de patriotismo e um dos grandes nomes mundiais do Direito Administrativo. Portugal deve reconhecer a importância da sua figura, como mestre e como cidadão!

EDUARDO NEVES MOREIRA

Ex-Deputado na Assembléia da República

Ex-Presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas

Presidente do Elos Clube do Rio de Janeiro

Eduardo Neves Moreira
Enviado por Eduardo Neves Moreira em 26/08/2007
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