CONVITE PARA OS ESPÍRITOS FORTES E DESTEMIDOS

Aos Espíritos Fortes e Destemidos

O azul do céu.

Há tantos anos eu mal notei o azul deslumbrante do céu.

O homem tornou-se um relógio. O homem é um relógio. O homem precisa de um relógio pra chegar na hora certa do trabalho, pra almoçar na hora certa, pra pegar os filhos na hora certa, pra transar na hora certa, pra dormir na hora certa, pra acordar para o mesmo picadeiro humilhante da Existência do dia anterior, na hora certa.

É preciso se sentir útil.

É preciso ser útil.

É preciso ter carimbos e assinaturas na carteira de trabalho pra se comprovar que se é útil,

É preciso estar ocupado o dia quase todo pra ser tachado como um alguém útil.

O Trabalho e o Dinheiro tornaram-se os novos ídolos pagãos da humanidade.

Afinal, o dinheiro traz segurança, estabilidade, concretização de sonhos e desejos, traz amigos, traz poder e influência, torna tudo mais fácil de se conseguir, em suma, é um dos deuses mais queridos e procurados pelo homem contemporâneo.

O Trabalho e o Dinheiro lhe dá sensações de alegria, de se sentir útil, de ter suas qualidades reconhecidas e pagas, de se sentir um alguém reconhecível pelo crachá, de poder sanar suas tendências consumistas criadas pelo próprio sistema que você atua.

O que nos tornamos então? Escravos do trabalho pela divinização do Dinheiro. Ter é sinônimo de Ser. Do que será que o homem estará fugindo?

É preciso fugir do tédio, pois o Tédio mete medo, e causa receios pavorosos.

O Tédio revela a nudez grotesca da vida, mostra a inutilidade de se lutar, de amar, de querer, de viver, pois cedo ou tarde tudo será perdido e roubado de nós. Não há vencedores nesse Mundo. O Tédio causa o desprezo e a desvalorização por tudo o que se vê.

O Tédio nos faz sentir e perceber o quão descartáveis nós somos, e ele traz consigo o cheiro angustiante da Morte.

Trabalhar, ter um bom emprego, se divertir com os amigos, ir ao cinema, fazer sexo se possível toda noite, praia aos domingos, igreja aos sábados, churrascos nas tardes ensolaradas, maconha pra se dar umas boas risadas, limpar a casa, ajudar os filhos na lição da escola, assistir ao jornal e as novelas, restaurantes com os amigos, preencher ao máximo as lacunas do dia-a-dia, tudo pra fugir do Tédio, pra não pensá-lo, pra não admiti-lo, pra não senti-lo, pra se auto-enganar, e a gente vê o quanto o ser humano dá mais credibilidade ao que os outros pensam e acham dele do que ele pensa sobre si mesmo, daí tanto esforço empregado para se tornar um alguém que seja notado pelos outros.

Afinal, encarar o olhar desdenhoso do Tédio enche a alma humana de angústias, de vários tipos de angústias que o homem não quer admitir, não quer confessar, não quer ver, quer na verdade negar, transformando essas duras realidades em miragens enganosas que possam lhes dar momentos de paz, de alegria, de força, e de sentido.

Todas as variedades e atrativos forjados pelas indústrias do Entretenimento, as quais continuam enriquecendo cada vez mais na lucrativa meta de divertir e distrair o homem contemporâneo, fazendo com que se esqueça de si mesmo, e dos absurdos do mundo,

dos paradoxos não equacionados da Vida, e principalmente da Morte_ que se diverte com a carne de suas vítimas antes de lhes devorar completamente.

Todos os multifacetados brinquedos da Alienação disponíveis ao homem, todas as formas lucrativas em afundá-lo no alheamento de Si e da Existência.

Vinde ó Tédio,

Vinde a mim,

E abre as cortinas de minha alma

Para que eu possa ver tudo o que há e o que não há

em mim.

GILLIARD ALVES

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 26/08/2007
Código do texto: T624332
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