O VELHO PALHAÇO
 

  Era uma vez um palhaço de idade bastante avançada, visão e audição comprometidas, pernas trêmulas e voz embargada de lutar contra o  tempo. Quando entrava no picadeiro para sua  apresentação, mal conseguia ficar de pé, mas era obrigado a trabalhar, pois o circo jamais lhe assegurou aposentadoria e ele tinha familia para sustentar. O velho palhaço jamais reclamou da  situação em que se encontrava, pois  amava seu trabalho e compreendia o estado falimentar em que se encontrava o circo: sufocado pela televisão, internet, cinema e trapalhadas políticas que dispensam picadeiros, sobrevivia exclusivamente das sessões nortunas  recheadas de erotismo. Apesar de compreender a posição adotada pelo circo quanto às  sessões eróticas, o velho palhaço não aceitava tal transformação e sentia-se um estranho no ninho. Reclamava  que um circo de verdade jamais deveria se prestar a tal serviço; afinal, a casa de espetáculos em que trabalhou toda sua vida estava voltada exclusivamente para as familias,  mais especificamente para as crianças.
  Certa noite, na apresentação de mais um espetáculo para um minguado público, o velho palhaço, como de costume, entra no picadeiro para matar o tempo, até que chegue o momento da sessão erótica voltada exclusivamente para os adultos. Esta era sua função no picadeiro:  encher linguiça, preencher lacunas, fazer o tempo passar até o  inicio da sessão pornográfica. Sob vaias causadas pelas repisadas piadas, arcaicas e infantis, ele trabalha ignorando o clima hostil contra si e,  antes de findar a sua participação, exausto e sob pressão, esquece o desfecho de uma das piadas, o que é o suficiente para ser expulso do circo sumariamente pela platéia e pelo patrão. Cansado, abatido e por demais  preocupado com o rumo do circo e seu emprego futuro, ele se  senta na calçada e começa a chorar copiosamente. Uma criança, vendo aquela inusitada cena, um palhaço chorando, começar a rir de maneira incontralável;  sua mãe, que o acompanha, já impaciente se volta para o piá e o repreende veementemente, quando descobre, pasmada, que o filho está rindo da maquiagem borrada pelas lágrimas do caduco palhaço. Notando o riso estampado no rosto do garoto, o velho palhaço se sente o  próprio pássaro de fogo e, renascido, sai gritando pelas ruas da cidade: "Enquanto houver uma criança,  o circo não morrerá e o palhaço, teimoso que é, surgirá das próprias cinzas".

 

Autor Benedito Morais de Carvalho (Benê)