A Guerra Fria Acabou tem 26 anos, mas não parece

Trata-se de uma discussão que demanda muitas fontes e aprofundamentos, mas é possível pontuar os problemas que se enfrenta quando tentamos manter viva forma de análise com prazo de validade vencida no fim de dezembro de 1991 - com a dissolução da antiga URSS.

Quando leio pessoas jovens escrevendo FFAA, uma forma de plural de siglas não usual no nosso idioma, Forças Armadas... Quando as vejo tratar qualquer um que considere socialista como inimigos e terroristas, falam abertamente em matá-los, destruí-los... Quando vejo os mesmos defendendo torturas, suspensão de direitos e censura como forma de neutralizar estas pessoas... Penso como a retórica pode fazer mesmos os jovens a ler a realidade atual com pensamentos tão antiquados.

Estes jovens copiaram os jargões de seus avós que viveram na ditadura e dialogam com eles em termos ideológicos mais do que a minha geração dialogou. Eu não tinha mais que 20 anos de idade no fim da década de 90.

Evidentemente, que mesmo este resgate ideológico anti comunista teve que se remodelar. Uma teoria da conspiração muito em voga hoje é esta roupagem moderna de uma ideia obsoleta: a teoria do globalismo.

Haveria uma conspiração em curso, de cunho liberal, de internacionalizar as preocupações mundiais e ações políticas. Esta globalização seria lida como liberal e pro mercado, porem segundo os teóricos, ela seria um plano russo, chinês ou árabe para enfraquecer o ethos ocidental e os tornar facilmente dominados pelo oriente. (vide Olavo de Carvalho).

Tanto o liberal quanto o comunista seriam usados sem saber, "idiotas úteis", para colocar este plano em curso. Ao minar os valores ocidentais, ao relativizar as culturas e diferenças entre as nações ocidentais, ao minar a base cristã deste ocidente, eles seriam mais facilmente dominados por que quem quer que seja: russo ou islâmicos.

Estes teóricos, que chamo de críticos à globalização, são um pouco mais sofisticados em suas análises do que aquilo que temos visto por aí saindo da boca de muitos direitistas. Mas no fundo este discurso esta integrado: comunistas e liberais sendo usados por potências estrangeiras para destruir o Ocidente como civilização.

Os direitistas mais limitados intelectualmente não entendem a outra parte da teoria, porém seus ataques aos comunistas seriam úteis ao propósito de combater os globalistas.

Então neste texto, direciono a crítica a versão vulgar desta crítica aos globalistas. Enquanto a versão mais ampla vou ponderar em outro texto dada a complexidade das questões que levanta.

1) É possível interpretar a geopolítica internacional como uma luta ideológica entre comunismo e capitalismo?

R.: Se tomarmos como exemplo as ações de países e blocos econômicos, suas estratégias e posicionamentos, não há um movimento no sentido de resgatar ou refundar sociedades com base na propriedade coletiva dos meios de produção, extinção das classes sociais, proibição de lucro privado e etc.

A China é oficialmente comunista, porém as práticas econômicas e mudanças internas que a levaram a ser a potência que é hoje, não se baseia nos princípios comunistas. As parcerias privadas, principalmente com multinacionais, a permissão do lucros, desigualdades salariais e exploração de sua mão de obra são um dos principais motores de sua economia.

A China tem imposto sua forma de organização econômica e política aos países com os quais mantém relações comerciais? Não como vemos os EUA fazendo em relação ao Iraque e Afeganistão onde tentam empurrar a guela abaixo a democracia.

As ações militares da Rússia na Síria e na Ucrânia não foram no sentido de obrigar estes países a adotar o comunismo, mesmo porque nem a Rússia o adota. A sociedade russa é desigual, há propriedade privada dos meios de produção, lucro privado e exploração de mão de obra. Os russos não são comunistas, pelo menos não os que se encontram no governo.

2) Comunismo significa intervenção na economia e na vida privada dos cidadãos?

A questão é, intervenção para que? É possível intervir na economia e na vida dos cidadãos sendo capitalista. Por exemplo, no Regime Militar no Brasil, onde investimentos estatais na indústria de base e militar, o controle político da vida dos cidadãos ocorreu e nem por isto dizemos que foram comunistas. Aliás receberam amplo apoio político e econômico americano.

Quantos países não interferem por uma série de leis na vida dos seus cidadãos? Países de leis islâmicas como o Irã, fazem disto uma rotina, mas não para impor o comunismo, mas para impor uma visão especifica da religião segundo a visão dos Aiatolás.

Adotar uma moeda, tornar parte de um sistema financeiro, redirecionar recursos tributários em educação e infraestrutura tudo isto é intervenção do Estado. Sociedades auto-organizadas ou mesmo Estado Mínimo são utópicas no ocidente e ainda existentes em tribos indígenas.

Como falar em Estado Mínimo entre os americanos, quando volumosos recursos são destinados a guerras, protecionismo alfandegário e através de subsídios, fora a constante legislação a favor do sistema financeiro mesmo em prejuízo das pessoas comuns? Lobistas constantemente visitando e apoiando congressistas a favor do sionismo, da indústria de armas, da indústria farmacêutica, dos produtores agrícolas, etc.

3) Basta ser contra a miséria e a pobreza pra ser um comunista?

R.: O comunismo acredita que a miséria e a pobreza são produtos inerentes ao capitalismo, sem a destruição do capitalismo a miséria e a pobreza persistiriam mesmo com reformas sociais.

Seriam as encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo Anno documentos católicos comunistas? Seria Pio XI um comunista que se fez Papa?

4) Comunismo e Socialismo são as mesmas coisas?

O comunismo é a forma como denominamos o socialismo preconizado por Marx. Que é muito diferente do socialismo preconizado pelos anarquistas, reformistas e etc.

Estes sistemas não inauguram no mundo a preocupação com a pobreza e desigualdades sociais. Não são os únicos preocupados, por exemplo o FMI tem se mostrado preocupado com o aumento da pobreza pelo mundo, seria o Fundo Monetário Internacional comunista?

As amplas ações da igreja católica pelo mundo combatendo a pobreza e protegendo vítimas de guerras e outras violências não significam que estão seguindo a doutrina marxista ao invés das de Cristo.

A via marxista ortodoxa é a tomada do Estado, fundação de uma ditadura do proletariado com o intuito de levar a uma sociedade coletivista, sem propriedade privada dos meios de produção e sem lucros privados. O Estado só poderia ser abolido quando a revolução não estivesse mais ameaçada tanto interna quanto externamente.

A via anarquista preconiza a a destruição imediata do Estado na sua versão mais radical ou destruição processual e institucional no Estado através de práticas de auto organização coletiva.

E há os que acreditam que através do Estado os conflitos gerados pela desigualdade possam ser amenizados através de programas sociais e de redistribuição de renda. Classifico neste tipo a social democracia, tal como se vê na Suécia e outros países europeus.

5) Luta por Hegemonia Cultural

A luta por hegemonia cultura é endêmica em países verdadeiramente democratas. Tanto grupos conservadores, liberais e socialistas querem através de leis e normas institucionalizarem seus valores e visões de sociedade.

Não faria sentido uma democracia que não comportasse diferenças e possibilidades de um grupo ou outro chegar legitimamente ao poder e não puderem colocar em prática suas concepções.

É evidente, a não ser que se recorra a golpes e violência, que a ideologia de um certo grupo precisa ser aceita como de interesse comum para que seja acatada.

Uma democracia que é incompetente na produção de consenso da origem a guerra de facções políticas e consequente recorrência a guerras civis e golpes de estado.

Ainda que a Direita tivesse plena representatividade na nossa política, ela não governaria democraticamente sem buscar hegemonia, aqui entendida como predomínio ideológico sobre uma sociedade.

O que Gramsci criticou o modelo revolucionário russo como aplicável ao ocidente. Ele entendeu que a ausência de uma sociedade civil organizada na Rússia facilitou o modelo de tomada do Estado e revolução como consequência. Sociedades extremamente dependentes do Estado para se organizarem seriam mais fáceis de se controlar pelo controle do Estado do que aquelas mais independentes.

> A questão aqui pode ser colocada como: esta sociedade civil, seus grupos, ordens e instituições, estaria então despolitizada e neutra em relação ao Estado? Seria o comunismo um aliciador ou concorrente às aspirações desta sociedade civil?

6) Seria o PT comunista do tipo gramsciano?

Segundo muitos defensores desta ideia, o Ministério da Educação teria atuado no intuito de doutrinar os alunos para o socialismo. Sendo os professores a linha de frente desta batalha ideológica.

Alguns defensores mais radicais apontam na LDB e no governo de Fernando Henrique Cardoso o começo desta doutrinação comunista nas escolas. O que facilitaria a aceitação pelos indivíduos hoje adultos das ideias socialistas.

Se houve tal doutrinação, quantos brasileiros vemos defendendo o comunismo, o fim da propriedade privada dos meios de produção ou se opondo ao capitalismo? O brasileiro é um povo que preza pela igualdade? É contra discriminações meritocracia e o lucro?

Por que as ações e resultados do governo petista na educação básica foram tão baixos? Quando comparamos com os avanços educacionais e na saúde em Cuba, não parece que falamos de um modelo com os mesmos objetivos.

Um país que mal da conta de ensinar seus alunos a lerem efetivamente, e não funcionalmente, conseguiu ensinar Luta de Classes, Mais Valia, Ditadura do Proletariado, Revolução aos seus alunos de forma a doutrina-los?

Como este brasileiro doutrinado vota? Qual o congresso que o espelha?

Tão pouco doutrinou e muito menos mexeu com os interesses econômicos. Não prejudicou bancos, não mexeu nos lucros das grandes empresas, não fez reforma tributária que reduzisse a carga sobre os mais pobres.