Os deuses também erram
Análise do conteúdo jornalística da revista eletrônica Canal da imprensa
Circula entre as redações a idéia de que enquanto o médico pensa que é deus, o jornalista tem certeza. Prepotência ou não, a profissão possui encantos como nenhuma outra. No entanto, ser jornalista não significa ser perfeito. Fato que faz os deuses bem menos deuses. Assim surge a necessidade de averiguar o que alguns veículos de comunicação andam dizendo por aí, já que os deuses também erram.
Idealizado por um professor e concebido por uma equipe de alunos, a revista eletrônica Canal da Imprensa existe desde 2002. Desenvolvido com o intuito de explorar a prática profissional dos alunos de Comunicação Social do Centro Universitário Adventista de São Paulo, o site foi elaborado e é desenvolvido com objetivo de analisar a mídia. Dentro dos trabalhos publicados são encontrados artigos, reportagens, crônicas, críticas literárias e cinematográficas.
O projeto laboratório está sob a observação constante dos professores e profissionais na área do Jornalismo. Atualmente, os articulistas e autores dos textos são supervisionados pelo professor Allan Novaes e por seu assistente, o aluno de terceiro ano de Jornalismo, Tales Tomaz. Uma das peculiaridades da revista é o espaço dedicado ao ombudsman, Wendel Lima, que dentro da periodicidade quinzenal, tempo que a revista é atualizada, faz críticas e sugestões das edições anteriores.
Segundo o próprio site (www.canaldaimprensa.com.br) os objetivos são claros. Eles podem ser enumerados da seguinte forma: 1) criticar o conteúdo e produção jornalística da mídia no Brasil e no exterior; 2) apontar investidas abusivas ou desrespeitosas da mídia sobre a opinião pública e a manutenção da cidadania; 3) analisar tendências dos meios de comunicação em sua função informativa, comercial e ideológica, sem esquivar-se de identificar suas causas e até antecipar possíveis efeitos sobre a sociedade.
Depois do trabalho atento dos alunos, os textos seguem para o editor. Assim que revisados e diagramados, a página é liberada para o público direcionado: os profissionais da mídia.
A edição
A edição número 70 do Canal de Imprensa, intitulada Jornalismo Cidadão foi analisada como demonstrativo da qualidade dos textos publicados pelo site. Por essa análise, constam-se alguns pecados mais comuns entre trabalhos dos colaboradores da edição.
A primeira exegese feita da edição Jornalismo Cidadão foi publicada pelo ombudsman no dia 12 de abril de 2007. Segundo o crítico, a página divulgada destacou-se pela qualidade da reportagem, leva mérito às fontes ouvidas como o ombudsman Marcelo Beraba e o presidente da Fenaj e do sindicato dos jornalistas de São Paulo, ambos ressaltando a visão da classe e atuação profissional do jornalista. Ainda na reportagem, outro ponto relevante do espaço foram as fotos em boa qualidade, legendas e suspensório.
É visível que um periódico, como a revista Canal da Imprensa, surjam deficiências gramaticais, ortográficas e de concordância, não pela falta de preparo dos discentes, mas por suas limitações em formação.
Buscando um aperfeiçoamento da revista ¬– sem isenção de críticas negativas –, a análise realizada da septuagésima edição do Canal da Imprensa foi considerada, dentre as demais, como sugestiva à pesquisa.
O conteúdo de capa da edição não é extenso, assim como as demais. Os links limitam-se aos títulos e seus respectivos autores. A cabeça da página sempre aborda o tema da reportagem principal, sugerindo ao leitor um “leia mais”. Na capa podem ser percebidos erros de pontuação, como a falta de vírgula ao separar um advérbio deslocado. Apesar de os erros diagramação não serem aqui considerados, há uma evidente falta de cuidados em relação à paginação.
Mas os erros na capa não se limitam à acentuação gráfica. Repetição de palavras, uso da ordem direta, ausência de itálico em palavras estrangeiras, e problemas de concordância verbal apontam displicência na revisão.
Deuses?
Salvo os artigos “O jornal do futuro vem do oriente?”, “Enlatado não!”, “Jornalismo de baixo para cima” e a reportagem “Jornalismo cidadão: o repórter é você”, que mostraram coesão textual e boa estrutura gramatical, o conteúdo da revista apresenta-se extremamente redundante e prosaico. Há casos em que os artigos perdem o caráter informativo-opinativo. Ou seja, não opinam, nem tampouco informam.
Não é difícil identificar o uso de frases muito longas e em voz passiva. No artigo “Ciudadanos hablantes, pero...”, por exemplo, o articulista escreve, entre outras, a seguinte frase: “A promessa do jornal é de”. A construção não está errada, mas poderia ser feita de uma forma mais simples, como “O jornal promete”. Outros casos são facilmente percebidos. Veja: “O rápido crescimento do jornal-cidadão e da aceitação de seu conteúdo talvez se deva..” ou “Seu paladar comunicativo tem foi adaptado”.
Às vezes parece que há ladrões na redação. Palavras são roubadas e conclusões também. Textos começam, mas não terminam. Falam muito e dizem pouco, ou nada. O artigo “Verdades de um povo” conclui: “não foram os próprios americanos os responsáveis o pelo início de tudo?”. Uma ótima conclusão, não acha?
Misteriosamente, parênteses se fecham sem nunca terem sido abertos. Os “s” desaparecem do texto como um passe mágica. Há também a fuga das vírgulas e o massacre da concordância verbal e nominal. Alguns articulistas deveriam aprender que o verbo dar, por exemplo, não exige preposição. Que a palavra notícia é uma paroxítona terminada em ditongo aberto, e por isso, é acentuada. E que “pessoas”, sujeito no plural, solicita verbo no plural.
Os problemas de hifenização também assustam. O prefixo “não” requer hífen em todos os casos, assim como, o prefixo bem. No entanto, alguns artigos insistem em apresentar as palavras “bem-sucedida” e “não-revolucionária” sem o uso do hífen. Outros artigos, porém, cometem o equívoco de colocar o sinal em casos desnecessários, como “jornal cidadão”.
Outro ponto a considerar são os títulos. Alguns merecem louvor como “Eu, você, eles, nós, repórter?”, “Verdades de um povo” e “Jornalismo de baixo para cima”, pois se mostram muito pertinentes a pauta e texto. Outros, contudo, não se pode dizer o mesmo. É o caso de “A força vem do interior” que trata do assunto apenas nas três últimas linhas.
Mas os casos mais graves são os de pontuação. Definitivamente, a revista eletrônica Canal da imprensa assassinou a vírgula. Às vezes, ela aparece em lugares onde não deveria estar. Às vezes, ela simplesmente não aparece. Dessa forma, os apostos ficam soltos nas frases, as orações explicativas sem nexo e os advérbios completamente perdidos. O ponto final também sumiu. Há frases que parecem que não vão terminar nunca mais. Em parágrafos de cinco linhas, o ponto final aparece só no final. Talvez para fazer jus ao nome.
A revista também oferece aos leitores um espaço literário. A seção “O que aconteceria se...” é criativa – diga-se de passagem, bem criativa. No entanto, não apresenta a métrica e fluência de um texto do gênero. Ali, a imaginação abre brechas para a contradição. E por falar em contradição, é importante analisar a linha editorial do veículo. A opinião se respeita, mas a falta de informação, não. Um erro crasso é a informação de que a Coréia foi o país que mais se desenvolveu depois da Segunda Guerra Mundial. Como sabemos foi o Japão.
No texto “Monopólio e precaução”, há uma séria discrepância entre pauta e texto. Algo que é nítido, simplesmente, pelo texto não dizer nada. O que se pode perceber é uma análise frustrada do conteúdo televisivo em relação ao tema da edição. Outra carência é a pouca discussão em relação às atitudes éticas que o assunto proposto sugere.
Assopra
Aderindo a filosofia do adágio popular que aconselha a bater para depois assoprar, esta análise identifica muitas características positivas na 70ª edição do Canal da imprensa. O primeiro elogio vai para a escolha da pauta. Não apenas por ser controversa, mas por ser atual. Depois, uma salva de palmas para os artigos “Jornalismo de baixo para cima” e “Enlatado, não!”. O primeiro pela clareza e objetividade. O segundo pela criatividade. A reportagem também apresenta alta qualidade jornalística, devido a polarização das opiniões. A escolha dos entrevistados e o trato com a informação também merecem honras. O título é bom. As fotos e as legendas também. O único pecado foi a falta de investigação jornalística em relação às implicações que o jornalismo cidadão impõe aos jornais tradicionais.
A entrevista também merece congratulações. Tanto pelo entrevistado escolhido como pela perguntas elaboradas. Pena que a resenha do livro não pode receber os mesmos elogios. Falhou pela falta de profundidade e percepção jornalística. Depois dessa análise, conclui-se que nem tudo é perfeito. E que até a crítica merece crítica.