O Concilio de Niceia.
As divisões teológicas dentro do cristianismo remontam ao primeiro século. No Concílio de Jerusalém, em 49, surgiram duas correntes, uma sob a liderança do apóstolo Tiago, que pretendia impor os costumes e a tradição judaica aos gentios convertidos e outra liderada pelo apóstolo Paulo, que desejava uma abertura imediata da fé cristã ao mundo greco-romano, inclusive livre dos preceitos judaicos como a circuncisão. São Pedro, na condição de chefe e mediador, optou por uma abertura mais prudente.
Embora a pré-existência da alma fosse aceita tanto por gnósticos quanto por cristãos, a divindade de Cristo sempre foi objeto de dúvidas e discussões desde os primeiros tempos do cristianismo e ocasionava orientações teológicas também divergentes entre as principais igrejas.
A falta de um comando central fazia com que cada igreja fosse completamente autônoma e independente, inclusive com teologia e administração própria.
Sem ter que dar satisfação a ninguém, cada dirigente imprimia sua orientação de acordo com a sua formação o que tornava comuns os desentendimentos teológicos dentro das próprias igrejas.
Na época da longa perseguição aos cristãos, uma das manifestações religiosas mais importantes do império romano era o culto do Sol invencível, uma mescla de crenças italiotas, egípcias, babilônicas e judias que era praticada pelos camponeses habitantes dos pagos e, por isso, conhecidos como pagãos.
Com a liberdade de culto decretada pelo Édito de Milão em 313, pelo o imperador Constantino, cessa a perseguição e o numero de cristãos começa a crescer ocasionando constantes brigas entre pagãos e cristãos, que por serem habitantes das vilas eram chamados de vilões.
Apesar disso, e como os cristãos ainda eram poucos, as freqüentes escaramuças entre pagãos e vilões não ocasionavam maiores conseqüências. Mesmo assim, para manter a estabilidade social e contentar os dois lados o imperador por decisão pessoal em 321 tentou unificar as crenças.
Para isso, pegou os discos solares dos pagãos e colocou-os na cabeça das imagens. Mudou o sábado, tradicional dia sagrado dos judeus, para domingo ou dia do sol, e a data de nascimento de Jesus que era 06 de janeiro passou para 25 de dezembro dia de nascimento do deus Mitra do zoroastrismo, serenando assim os ânimos.
Mas a paz religiosa não duraria muito tempo, visto que além da já complicada situação com as frequentes contendas entre pagãos e vilões em Roma, em 324, um tumulto de grandes proporções abalou a estrutura da igreja de Alexandria considerada na época à capital cultural do mundo.
Esses fatos, forçaram Constantino a reassumir os supostos direitos divinos sobre as religiões e o cargo de chefe espiritual das igrejas, prerrogativa essa que desde o ano de 274, os imperadores romanos haviam abandonado.
A confusão se instalou originalmente no Egito, passou pela Turquia e logicamente chegou a Roma e aos ouvidos do imperador que embora não fosse cristão, mas disposto a manter unido os territórios conquistados, disse que a “fé deveria ser o cimento do império”.
Tudo começou quando o bispo de Alexandria condenou as pregações do padre Arius e anatematizou a sua doutrina que negava a divindade de Jesus. O padre Arius não se conformou com a sentença de seu superior e seguido por muitos outros religiosos inclusive apoiado pelo bispo Eusébio de Nicomédia, atual Izmit, na Turquia, armou um grande entrevero, conseguindo com isso dividir a igreja do Egito.
Como a coroa já estava cimentada com o altar, esses barracos religiosos também abalaram as estruturas do império e a instabilidade social e política se generalizou no governo.
As contendas entre pagãos e vilões, e principalmente as divergências teológicas que já dividiam a igreja de Alexandria fizeram com que o regente tivesse que agir rápido, como de fato agiu.
Assim, para evitar que as escaramuças religiosas pudessem dividir também o império, antes que elas tomassem proporções maiores, o imperador Constantino convocou um concílio das igrejas que foi realizado no ano de 325 na cidade de Nicéia com o objetivo de organizar as religiões e evitar futuras contendas religiosas.
Para esse evento foram convocados religiosos de todas as partes, muitos dos quais com formação teológica diferente por conta das doutrinas e das regiões de que eram representantes, como as igrejas de Alexandria e Antioquia que tinham orientações teológicas diferentes.
O Conclave foi realizado no Castelo de veraneio do imperador na cidade de Nicéia, atual Iznik na Turquia, no período de 20 de maio a 25 de julho do ano de 325. Os desdobramentos desse Concílio viriam trazer sérias conseqüências para o cristianismo e grandes transformações na igreja católica.
Por conta desse evento, estavam confortavelmente instalados no palácio imperial mais de 350 religiosos, teólogos, padres e bispos que com suas comitivas, secretariado e assessores, somavam mais de mil pessoas, com todas as despesas, inclusive as passagens, pagas pela coroa.
Apesar disso, é deveras estranho que o papa que seria o maior interessado nesse debate, não tenha sido consultado, e muito menos, comparecido ao conclave. O Concílio foi aberto e presidido pelo imperador Constantino que escolheu entre os prelados com direito a voto, àqueles que tinham tendências imperiais. Embora estivessem presentes 318 bispos, estes representavam apenas 18% de todo o clero existente no mundo.
Assim, foi num clima de disputas, discórdia e de submissão ao anfitrião que alguns bispos se reuniram para discutir a divindade de Jesus, as doutrinas, os rumos da igreja e da religião agora como sócia do império.
Uma vez iniciados os trabalhos o imperador se retirou e os debates começaram. Nos primeiros dias, o encontro foi relativamente tranqüilo. Mas assim que os discípulos de Arius começaram a expor sua doutrina o clima começou a esquentar e como Arius não era bispo e não podia se manifestar na tribuna, a sua defesa foi então feita pelo bispo Eusébio de Nicomédia, seu amigo e aliado que comungava da mesma tese.
Os seguidores do padre Arius, representavam a corrente filosófica e doutrinária chamada ariana, que não acreditava, inclusive negava a divindade de Cristo, alegando que Jesus embora tivesse origem divina, não era Deus e sim um ser humano normal, porque estava submisso, e sendo filho não poderia ter estatura do Pai. Além disso, Jesus sempre afirmou que qualquer um de nós poderia fazer o que ele fez e até fazer muito mais.
Do outro lado, estavam os nicênos liderados pelo bispo Alexandre de Alexandria, o mesmo que começou o qüiproquó, e pelo bispo Atanásio que defendiam a tese que postulava da divindade de Cristo e conhecida como doutrina nicena. Os nicenos alegavam que a trindade santíssima conferia a mesma divindade do pai ao filho, visto que se o pai é deus, o filho e o espírito santo também o são.
Os arianos por sua vez, insistiam, com certa razão, que a santíssima trindade, que os nicenos defendiam, era uma cópia da arcaica tríade que já existia no hinduísmo, que o espírito santo não era real e que a salvação vem pelo desempenho de cada um e não pela submissão ou aceitação dos dogmas da igreja.
Os debates se seguiram inflamados, mas com a maioria a seu favor o imperador impôs a sua vontade alegando que para manter a unidade da igreja e do império teriam que ter um Jesus divino, sob pena de quebra da autoridade do estado e da relação política. Diante de uma assembléia tendenciosa e sustentada pela força os arianos não puderam concluir a sua longa exposição.
O bispo Eusébio foi vaiado e teve o seu discurso rasgado e pisoteado ao afirmar que Jesus era apenas um homem. Com o tumulto generalizado, padre Arius teve sua tese rejeitada, seus documentos destruídos e todos os seus escritos foram condenados. Eusébio, os bispos, e os demais seguidores que não apoiaram a trindade imposta foram expulsos do Concílio, excomungados, exilados e perseguidos.
Por uma decisão pessoal, e para evitar futuras contendas religiosas, Constantino, entre outras medidas, oficializou o cristianismo como religião e liberou os cultos das outras crenças.
Para reabilitar o império perante a população e se redimir da culpa pela crucificação, Jesus deveria ser reconhecido e apresentado como totalmente deus. Assim, dos mais de oitenta evangelhos e escritos antigos consultados e estudados para comporem o Novo Testamento, foram escolhidos apenas quatro, os de Mateus, Marcos, Lucas e João.
Por esses mesmos motivos, foram considerados apócrifos, e descartados, os evangelhos de São Pedro, Tomé, Maria Madalena, Felipe, Tiago, um evangelho árabe e todos os demais que falavam da infância e da vida terrena de Jesus, principalmente no período dos 12 aos 30 anos, fato esse mantido em segredo até hoje pela igreja.
Além de confirmar a divindade de Jesus, o Conclave instituiu o dogma da santíssima trindade, os sacramentos, a oração do Credo católico que é também chamado credo niceno e condenou o legado de Sócrates e todas as demais doutrinas e filosofias consideradas heréticas.
Assim, foi nesse clima de total submissão ao poder temporal de um rei pagão, que os príncipes da igreja esconderam a verdade sobre os antigos escritos e promoveram os maiores cortes e enxertos na bíblia suprimindo os textos que falavam da vida terrena de Jesus, mudando a antiga interpretação de nova vida na carne, por ressurreição da carne, trocando as palavras espírito por diabo e ainda transformaram Maria Madalena em uma prostituta.
Uma vez encerrado o Concílio, Constantino, mandou fazer uma nova bíblia que omitia os evangelhos que faziam referência a Jesus Cristo como ser humano normal e ordenou a destruição de todos os outros escritos antigos que fossem contrários ao que havia sido estabelecido pelo Concílio.
Porém, o que Constantino não ficou sabendo, é que muitos desses escritos foram salvos da destruição e escondidos em cavernas pelos cristãos gnósticos, os quais, algum tempo atrás, foram encontrados nas grutas de Qunran, próximas ao Mar Morto, e em Nag Hammad, no Egito, que trouxeram á luz e veio comprovar a existência de muitos outros evangelhos além dos quatro citados na bíblia.
Com vistas a conveniências políticas, mais tarde, Constantino mandou matar, seu filho, um sobrinho, seu cunhado e uma esposa. Manteve seu título de sumo sacerdote da religião pagã Sol Invictus até a morte, quando não tendo mais forças para se defender, foi batizado na marra pelo seu arqui-inimigo, isso mesmo, o próprio bispo Eusébio, a quem havia cassado o título de bispo, expulsado do concílio e condenado ao exílio, que agora reabilitado volta para vingar-se.
A forma como foi convocado e conduzido nos leva a crer que esse Concílio foi mais político que teológico, visto que a fé passou a ser ditada pelas normas do governo e os escritos sagrados foram vilipendiados e adulterados para se adequarem aos interesses da igreja e do império.
Em 361 o paganismo ressurge no império e a cada novo imperador a fé católica dava uma reviravolta. Em 381, no Concilio de Constantinopla são reafirmadas as decisões de Nicéia