HOMOFOBIA: LIBERDADE E REPRESSÃO

Recente discussão travada no Parlamento e em alguns setores da mídia diz respeito à aprovação da chamada 'Lei da Homofobia' conforme Projeto de Lei n.º 5003/2001 de autoria da deputada Iara Bernard.

O inciso I do art. 2º do referido projeto considera como ato de discriminação impor às pessoas, de qualquer orientação sexual, e em face desta, 'o constrangimento ou exposição ao ridículo'.

De fato, sob o pálio desta expressão, bastante ampla quanto á sua interpretação e subsunção jurídica ao caso concreto, cria-se uma séria e impositiva restrição a qualquer manifestação que diminua ou cause humilhação ou constrangimento áquelas pessoas que manifestem opção sexual diversa da heterosexualidade.

Neste sentido, até mesmo expressões de cunho humorístico, representações cinematográficas ou teatrais, produtos da criação literária, que exponhem ou caracterizem a homossexualidade de forma caricata, crítica ou depreciativa, poderão vir a ser incluídas como ofensivas aos termos legais.

No entanto, a discussão sobre o tema, enfocando a matéria sobre o binômio 'liberdade/repressão' vem surgindo, com mais ênfase, dos meios religiosos, notadamente da comunidade evangélica, que considera a restrição legal abusiva do direito de expressão e comunicação garantido pela Constituição Federal.

Exemplo desta resistência é o entendimento da Igreja Presbiteriana do Brasil que se manifestou contra a aprovação da lei por entender que ensinar e pregar contra a prática do homossexualismo - expressão que merece crítica, desde a despatologização da homossexualidade pelo Conselho Federal de Medicina em 1985 - não é homofobia e implica em uma interferência direta na liberdade e na missão das igrejas de falarem, pregarem e ensinarem sobre a conduta ética das pessoas.

No âmbito político, o Senador Marcelo Crivella, integrante da Igreja Universal do Reino de Deus, manifesta-se contra a lei, refletindo que é direito de cada um expressar livremente sua opinião sobre qualquer tema, o que implicaria em violência ao princípio democrático.

Embora mereça respeito a resistência dos setores religiosos, os argumentos aventados pelos defensores da não aprovação da lei em análise, não se sustentam, quer historicamente, quer juridicamente.

A liberdade de culto que é garantida pela Lei Maior já se constitui, para as organizações religiosas, em uma vitória expressiva no campo político da livre expressão e atividade. Em verdade, esta garantia sintetiza uma clara posição histórica que se aprofundou depois da queda do Antigo Regime, no final do século XVIII. Esta posição é justamente a que proclama a absoluta dissociabilidade entre a Religião e o Estado, que, inconfundíveis, apresentam esferas distintas de atuação.

Assim, não se poderia falar em separação da Igreja e do Estado caso a lei secular impussesse, sob qualquer título, uma determinada orientação religiosa aos seus cidadãos. No mesmo sentido, e em homenagem a esta distinção, que garante axiologicamente a liberdade de culto, não podem as entidades religiosas, de qualquer denominação, pretender interferir ou limitar a atuação legislativa do Estado no campo que lhe é próprio.

Esta questão é de vetusta antiguidade. Desde o Direito Romano clássico já haviam assentado os juristas romanos a necessária distinção entre três esferas da atuação do espírito humano. Deste modo, conheciam o 'jus' - direito humano que se impõe aos homens pela sanção e pela força do Estado; o 'mos' - que era o direito herdado dos costumes dos antepassados, impregnado de contéudo moral e expresso por regras não escritas; e o 'fas' que eram as prescrições religiosas, regras e comportamentos atinentes com as relações espirituais entre os homens e os deuses. (cf. MAGELA CANTALICE, Noções de Direito Romano, Editora e Distribuidora de Livros de Salvador Ltda, 2ª edição, 1980, pág. 23).

Por outro lado, sustentar que a lei implicaria em uma restrição de liberdade de expressão, é argumento que não se sustenta, por diversos motivos.

Caso fosse ponderável este argumento, ter-se-ia que, em tese, rever a disposição constitucional que assenta a prática de racismo como crime, inclusive inafiançavel. Sim, porque a idéia racista, de distinção entre as raças, conquanto possa parecer hedionda e descabida, não deixa de ser também uma opinião, uma forma de ver as relações humanas.

Cabe relembrar que o racismo, inclusive, já foi objeto de sustentação para estudos que, em sua época, mereceram atenção e influenciaram sobremaneira a consciência política de então, a exemplo das teses sustentadas por Arhur de Gobineau e seu seguidor, o inglês educada na Alemanha, Houston Steward Chamberlain, que em sua obra 'A Gênese do Século XIX' sustenta que as raças humanas são desiguais e que a raça branca é superior, sendo o grupo ariano o mais nobre.

E cabe a pergunta: pode o Estado moderno, democrático e humanista, permitir a divulgação de tais pensamentos, amparado apenas na idéia 'liberdade de expressão'?.

Por outro lado, a preocupação das entidades religiosas igualmente não encontra eco na realidade histórica. Depois de mais de dois mil anos de pregação cristã, qualquer que seja a orientação ou Igreja, onde se reputou a homossexualidade como 'pecado' e como 'contrária a lei de Deus', não parece ter havido qualquer interferência real no quadro da homossexualidade. Como aspecto natural, inerente á vivência humana, não se identifica qualquer efeito de uma sobre a outra, a exemplo do dogma do celibato clerical, que jamais impediu os padres de manterem relações com mulheres, muitas vezes constituindo vínculos familiares estáveis.

O maior problema não reside na Lei enquanto proposição legislativa. O que se deve ter em mente é a sua aplicação, se e quando vier a ser definitivamente aprovada e entrar em vigência.

Isto porque se de um lado não se reconhece às Igrejas e cultos o direito de sustentar, veicular ou defender posturas discriminatórias de qualquer natureza - e não podem mesmo fazê-lo, até em face do inciso II do art. 5º da CF/88 - a entrada em vigência desta Lei e a sua interpretação não podem servir de apoio para a instituição irresponsável de uma ditadura de minoria ou de apoio para a apresentação de questões e pleitos puramente especulativos e inconsequentes por parte dos seus beneficiários, no caso, os não heterosexuais.

Mas este, se for o caso, será um desafio para a Jurisprudência, que deverá, em matéria tão delicada, aprofundar-se em julgamentos que privilegiam a equidade, vista por Marco Túlio Cícero, como aquela 'régua flexível', que faz com que a rigidez original da norma adeque-se ás necessidades do tempo, da sociedade, do indíviduo e do caso concreto.

hartman hess
Enviado por hartman hess em 14/08/2007
Código do texto: T606796