O QUE É UMA VIDA BEM-SUCEDIDA?
Sempre me causou estranheza quando esta pergunta era feita e a resposta vinha de bate-pronto: “- É ter dinheiro”; “- É ter um bom carro.”; “- É ter uma bela casa.”, etc, etc… Estas respostas me pareciam uma condenação à exclusão social, uma vez que, para mim, no conceito de vida bem-sucedida, nunca estiveram presentes estes imperativos constantes nas respostas.
Numa rápida busca pela internet digitei a expressão “vida bem-sucedida” e todas as imagens reportadas fazem referência ao mundo corporativo com alusões a sucesso, metas, conquistas, dinheiro, terno e gravata… Imagens típicas do atual estilo de vida, o consumismo – que refere-se a um modo de vida orientado por uma crescente propensão ao consumo de bens ou serviços, em geral supérfluos, em razão do seu significado simbólico (prazer, sucesso, felicidade), frequentemente atribuído pelos meios de comunicação de massa – como se a vida bem-sucedida só fosse possível de ser alcançada através deste padrão comportamental, do “querer tudo sem nada precisar”.
A moralidade como um gênero de compreensão foi tratada por Platão e Aristóteles. Estes filósofos objetivavam salientar o caráter das principais virtudes morais, tais como honra, justiça, ética e bondade. Mais tarde, estas virtudes morais passaram a ser sinônimo de vida feliz, isto é, aquele que guiasse sua existência com base nas virtudes morais seria um homem bom e portanto, teria uma vida feliz. Na concepção moral da vida boa, para os primeiros pensadores da vida bem-sucedida, não havia menção aos conceitos inerentes às respostas tão usualmente empregadas quando a pergunta é lançada. Uns poderão responder, enganosamente, que “- Na antiguidade todo mundo era pobre” ou “- A riqueza não era importante naquele tempo”. Na antiguidade havia tantos ricos como há nos dias atuais (proporcionalmente falando) e a riqueza era tão importante quanto hoje, pois já era razão de domínio. O aspecto diferencial é que a riqueza ou os bens materiais nunca fizeram parte do conceito de felicidade lapidado pelos antigos filósofos. E continuam excluídos, pois nunca, de fato, a riqueza pôde, filosoficamente falando, ser relacionada com o fato de a pessoa ser feliz. A felicidade está mais para qualidade de vida do que para riqueza propriamente dita. Lógico, portanto, que a pobreza também é fator limitante da felicidade, pois também o é da qualidade de vida. Muitos poderão questionar “- Mas, a ética Aristotélica está baseada na busca pela felicidade, mas a felicidade humana, real, tangível, alcançada ainda nesta vida, feita, portanto, de bens materiais, de riquezas que ajudam o homem a se desenvolver.” E a resposta é sim, a ética Aristotélica, conhecida também como ética do meio-termo, está fundada no “nada em excesso”, nem riqueza, nem total ausência dela. Portanto, Aristóteles nos mostra o primeiro caminho à busca da vida bem-sucedida: a qualidade de vida.
Com o fracasso do comunismo, o materialismo ganhou novo impulso e a era industrial consagrou “definitivamente” o capitalismo como “único” sistema econômico capaz de levar a humanidade ao pleno desenvolvimento. Assim, o materialismo passou a ser o definidor da qualidade de vida. E deriva daí as respostas supratranscritas, ou seja, o ter passou a ser o núcleo central da vida bem-sucedida. A ética, a moral, a justiça e a bondade foram excluídas do discurso da “nova ordem”. O que importa é ter dinheiro, ter um bom carro, ter uma bela casa. Porém, abandonou-se tudo que não seja material e nasce, então, o vazio de se ter de tudo. As pessoas passaram a priorizar o ter dinheiro e dinheiro conquistaram. Mas, perderam suas almas e suas essências. Conseguiram tudo e ficaram sem nada. As paredes dos consultórios de psiquiatras que o digam. O faturamento da indústria dos antidepressivos nos mostra com claridade onde o homem “conseguiu” chegar. A indústria dos antidepressivos é uma das mais prósperas no Brasil. Aqui, a venda da medicação subiu 48% nos últimos cinco anos, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com base em dados do IMS Health, instituto que faz auditoria do mercado farmacêutico. Em 2012, foram vendidas 42,33 milhões de caixas, o que significa que, em média, um em cada cinco brasileiros consumiu uma caixa por ano. E, após o sujeito conquistar o ter, vê-se diante do não ser e nasce, em sua alma, o que chamo de complexo de Nietzsche, pois o sujeito abandona a transcendência e adere ao ter aqui e agora, e a métrica da vida bem-sucedida passa, então, a ser a “vida invejável” – lida como ter, ter, mostrar, mostrar – ou seja, se a vida não for “invejável” passa a ser medíocre e pobre, e “não há dúvida de que a primeira resposta que se impõe às nossas eventuais interrogações sobre a vida boa encontra a lógica do devaneio: se não há mais transcendência, então por que, com efeito, não cultivar a performance pela performance, o sucesso pelo sucesso, a vida bem-sucedida em vez da boa, aqui e agora em vez de num futuro bastante hipotético do “além”? (Luc Ferry, 2004, p. 17). E o próprio Luc Ferry assevera: “Nada é pior que o fracasso, a não ser o êxito quando ele não nos satisfaz” (2004, p. 22), daí para o consultório do psiquiatra.
A definição do termo vida boa talvez seja uma questão de analisarmos nossos interesses de modo crítico, os interesses que deveríamos possuir, aqueles que realmente agregarão valor à nossa curta existência. Determinar o que seja uma vida bem-sucedida é uma questão de julgamento pessoal e, ao mesmo tempo, de conflito, pois o viver é casual, comissivo, retornável, degenerativo e, por fim, fatal.
Penso que a busca por uma vida bem-sucedida passa, necessariamente, pela busca de uma vida boa não só para mim, mas também para a sociedade a qual pertenço, pois uma vida boa pressupõe que as pessoas possam viver de acordo com as necessidades inerentes à dignidade humana – trabalho, renda, educação, etc… Portanto, nesta busca, só será possível a plena realização do objetivo final se, durante esta jornada, nos seja possível tornar a vida dos outros também melhor. Assim, a vida bem-sucedida é lançar os olhos sobre si mesmo e sobre os outros, é viver o singular pensando no plural, é ter e dividir, é conquistar e compartilhar.
Obs.: O presente texto também está disponível em www.menteconscia.blogspot.com.