Centenário de nascimento de Miguel Torga
A clarividência de Miguel Torga.
António Zumaia
Com as palavras impressas deste homem, direccionei a minha juventude e muito da minha maneira de ser e de escrever, a sua rebeldia perante as leis dos homens, a sua bondade como profissional da saúde, que exercia em Coimbra; A denúncia dos crimes cometidos pelas tropas Espanholas e Portuguesas foi para toda a juventude do meu tempo, um exemplo de verticalidade e coragem ante um situacionismo intolerante, que reinava nesse tempo.
Ler Miguel Torga era pois não só mergulhar num Português maravilhosamente escrito, impregnado do sentir bucólico e de ensinamentos de vida, mas também sentir a voz rude do Serrano a dizer grandes verdades de tal forma, que sentiu o ferrete da prisão da Polícia Política do nosso País.
Um dia pelos meus 17 anos de vida perguntei a meu padrinho, senhor de uma Biblioteca bem recheada de Autores Portugueses e Estrangeiros, porque não tinha livros de Miguel Torga? Resposta enfatuada e cuidadosa: - Esse autor é um revolucionário e escreve muito simples.
Enquanto estive em África nunca deixei de o ler e estudar, rendi-me de certo modo à opinião do meu Padrinho.
Na verdade era este homem vertical e honesto um exemplo a seguir, não por ser revolucionário, mas por lutar pela verdade, por tentar repor a dignidade do ser humano, chegando a divinizar o homem como o maior criador sobre a terra. Era pois um humanista acérrimo e defensor sobre tudo dos Direitos do Homem, a sua escrita sempre foi rica em exemplos e directrizes a seguir.
Escreve muito simples… Sempre se afastou dos Autores consagrados e que faziam parte das tertúlias desse tempo, como que com medo de se contaminar, com a forma enfatuada de escrita considerada erudita e de bom-tom.
A sua juventude passada no Alto Douro nas duras Serranias, depois a sua ida para o Brasil, onde foi apanhador de café na fazenda do tio, enriqueceu este homem na simplicidade e deu à sua escrita um cunho popular invejável, que cedo lhe granjeou a admiração de quem teve a dita de ler um dos seus livros.
Ler Miguel Torga era pois saber como agia o povo nas mais díspares situações, com histórias cujo enredo prendia o leitor até ao fim do livro, num doce amplexo de cumplicidade entre o autor e o leitor.
A sua obra foi eclética e vasta, desde a poesia vigorosa e de uma filosofia criativa que nos faz pensar, à ficção plena de ensinamentos em que exemplifica a cultura do simples, ao teatro onde revive a vida difícil de um povo.
" Hinos aos deuses, não.
Os homens é que merecem
Que se lhes cante a virtude.
Bichos que lavram no chão,
Actuam como parecem,
Sem um disfarce que os mude."
Miguel Torga
É Miguel Torga para mim o filósofo do simples, o poeta da verdade e um grande Português, que paladino dos pobres, porque ele foi pobre, guindou-se bem acima dos escritores da sua época.
Ele disse:
“ Todo o semeador semeia contra o presente.”
“ A velhice é isto: ou se chora sem motivo, ou os olhos ficam secos de lucidez.”
“ Mais um ano, mais um palmo a separar-me dos outros, já que a vida não passa de um progressivo distanciamento de tudo e de todos, que a morte remata.”
Palavras simples, mas que reflectem o poderoso conhecimento da vida. É este o nosso Escritor Miguel Torga que perfaz cem anos que nasceu em São Martinho da Anta, no dia 12 de Agosto de 1907, com o nome de Adolfo Correia Rocha.
Com uma vasta e valiosa obra literária. Premiado e reconhecido em Portugal e Estrangeiro e do qual mostramos o nosso Orgulho.
Miguel Torga
És filho dilecto de Portugal,
és saudade na tua poesia.
Foste da verdade breve sinal,
desta gente que tanto te queria.
Levaste em ti a alma deste povo,
do Brasil regressou, um homem novo.
Curaste o corpo e também a alma,
deste povo que em ti acreditou.
Sofreste na lira, ganhaste a palma;
O Grande, da verdade não gostou,
forte e duro o pobre ditador,
nunca pensou, que tu eras amor.
Amor ao povo e a Portugal,
impresso nas palavras que escreveu,
mostrou-nos que o homem é igual.
Foi reconhecido e o mereceu…
Foste grande entre os grandes, a escrever;
Sobre o povo… de tão simples viver.
A minha sentida homenagem a este grande Português, que tive a honra de ser contemporâneo e que tanto me deu com seus escritos sobre a vida e a verdade.
Poeta de fina estirpe e verso fácil a descrever a vida na sua mais bela vertente.
António Zumaia
Sines – Portugal
23 de julho 2007