FLUXO DE PENSAMENTO.
Ao romper da aurora, quando os primeiros raios do sol despontar no horizonte, irradiando sua luz e espantando a escuridão. Quando finalmente raiar esse novo dia, tão esperado novo dia, tão desejado novo dia, tudo então será diferente.
Novas possibilidades para esse novo dia, e nesse novo dia que se inicia há uma quase certeza de que tudo dará certo, uma quase certeza de que a vida tomou seu curso, que finalmente tudo entrou nos eixos novamente. Ou talvez não, ou talvez seja tudo ilusão de meus pensamentos, uma paranóia de minha mente ficcionista. O dia já se faz alto e repleto de inúmeras e incontáveis novidades, tantas que me perco, para o bem e para o mal, tudo muda o tempo todo, tudo está em constante transformação, o universo está em constante transformação, buscando sempre o equilíbrio nas coisas existentes, tanto as coisas de baixo como as coisas de cima, e nós, seres humanos, estamos inseridos neste contexto de equilíbrio.
Do alto da ladeira um amontoado de gente, o que seria aquilo naquela hora da manhã, pensei em silêncio. Eu estava sozinho, debruçado na janela, debruçado na solidão de um dia que havia começado bem, no meu ponto de vista. Ao observar melhor o amontoado de gente logo percebi que se tratava de um velório, mas de quem? Passei então a refletir na morte, o fim de um ciclo da vida, o início de outra. Afinal, o que é morrer? E o que é a morte. Fico pensando nessas coisas, quando me deparo com um cortejo fúnebre, fico observando as pessoas que ali estão, suas lágrimas rolando a face, as palavras entrecortadas, pedidos de perdão, e tantas outras coisas. O tempo não volta atrás, houve um tempo para se pedir perdão, e para se perdoar também, geralmente só damos conta dessas coisas quando nos deparamos próximos da morte, quem morreu não pode voltar, não há arrependimento, na cova ou na outra vida começa tudo novamente. Mas para quem fica o curso continua, as vezes triste, às vezes solitário, as vezes feliz. Somente às vezes, nada é completo.
A vida é complexa demais, viver é complexo demais. Não há em nosso curto espaço de vida garantias de nada, tudo aquilo que nós fazemos parece não ser nada. O que buscamos nesta vida? Qual é o sentido real de se viver? As perguntas se amontoam sem terem uma resposta convincente. O cortejo fúnebre seguiu seu curso, mesmo ao longe era possível ver o caixão, madeira nobre enterrada a sete palmos de terra. Uma vida inteira debaixo de sete palmos de terra, memórias debaixo de sete palmos de terra. As muitas lágrimas regam a terra fofa recém colocada, e lá embaixo, no seio virgem da mãe natureza, aquilo que veio do pó, ao pó retornará. Mas é a alma? E o espírito, onde repousam? Ao olhar religioso talvez diríamos, céu ou inferno. Mas a verdade é, que do outro lado, da outra vida, ninguém conhece, nunca ninguém voltou para nos contar como é do outro lado, nossa base de pensamento a respeito da questão está fundamentada naquilo que as religiões baseando-se nas páginas da bíblia apregoam. Como religiosos é o que cremos, embora nunca tenhamos visto nada, a isso é chamado de fé.
Ainda debruçado na janela da minha solidão, escondo-me dos meus próprios pensamentos imperfeitos. Escondo-me de tudo e de todos ao meu redor, não quero a presença de ninguém, prefiro a doce presença da solidão que me corrói por dentro e por fora, nada mais é como antes, tudo muda e tudo mudou. Somos parte dessa natureza em constante movimento de mudança, nós mesmos vivemos essa constante mudança, as vezes não as percebemos, às vezes não as notamos, mas as mudanças moldam o nosso próprio futuro a partir de nosso presente. Somente quando estivermos lá na frente, somente aí que percebemos a mudança, então poderá haver arrependimentos e angústias, poderá haver tristeza da parte de quem mudou, mas o tempo, esse tão precioso tempo não nos poupa, o tempo não dispõe de misericórdia com ninguém. Debruçado na janela da minha solidão observo todos os meus pensamentos, que mais se parecem com um amontoado de papéis jogados ao vento. Os meus pensamentos são todos assim, um amontoado de papéis voando em todas as direções possíveis.
A tarde veio roubar o dia, a tarde se esgueirou sorrateiramente nas entrelinhas do próprio tempo, então, de súbito roubou do dia a sua preciosa luz, que aos poucos vai se tornando pura escuridão, a mais completa escuridão, não há nada que possamos fazer a respeito, temos que aceitar o ciclo inevitável da natureza. O declínio do dia em um fim de tarde, é sem a menor sombra de dúvidas um dos maiores espetáculos da terra. Essa é outra verdade universal que infelizmente ficou despercebida por muitos, e durante muitos anos, entretanto, ainda existem aqueles que buscam a verdade e a beleza nas coisas mais simples da vida. O pôr do sol, acontecendo todos os dias, os milhões de brasileiros espalhados pela vasta extensão de nosso território. Desses milhões poderíamos salvar apenas alguns, que, assim como eu ficam observando as pequenezas da vida e descobrindo em cada uma delas todas tesouros imperdíveis. A tarde avança rápido como um cavaleiro ao romper as linhas inimigas, a tarde avança no objetivo concreto de se tornar a mais escura noite.
Debruçado na janela solidão, eu vi o dia passar como uma sombra, passou tão rápido que nem o notou, e junto a esse dia passou também todas as minhas expectativas de um dia extraordinário. Nada foi como eu pensei que seria, nada aconteceu como eu planejei, mais um dia se foi como os demais que o antecederam. Pessoas apressadas passando de um lado e de outro, veículos apressados correndo de um lado para outro, nuvens apressadas passeando nas alturas celestiais. O dia se tornou preguiçoso, o dia ficou monótono, e não há nada que eu possa fazer para mudar essa tão cruel realidade, o dia se foi, escondeu-se por detrás das colinas, deu lugar a escuridão da noite. Enquanto eu, de contínuo fico a observar, sempre debruçado na janela da minha solidão. Rabisco em tortas linhas os meus pensamentos imperfeitos, desenho com palavras esse dia tão desinteressante, não há muito o que fazer. As palavras e as ideias eternizar esse momento, mas não mudaram o curso desse dia e dos demais que estarão por vir. A única certeza que temos é não ter certeza de nada.