RESPONSABILIDADE MORAL.
Etimologicamente a palavra responsabilidade é um substantivo feminino que significa (i) obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros, (ii) caráter ou estado do que é responsável. Para o Direito é o dever jurídico resultante da violação de determinado direito, através de prática de um ato contrário ao ordenamento jurídico. Para a Filosofia é o que se relaciona com a ação (ou omissão) e suas consequências nas relações sociais, sejam elas particulares ou coletivas.
Vemos que a palavra responsabilidade nos remete às questões éticas de um modo geral. Como se caracteriza a responsabilidade? Quando uma pessoa pode ser considerada responsável por uma ação ou omissão? Esta responsabilidade pode ser pretérita, ou seja, pode retroagir no tempo para alcançar uma ação ou omissão cometida no passado? A falta de consciência sobre a moralidade significativa do agir (ou do não agir) é capaz de afastar a responsabilidade sobre o resultado advindo da ação ou omissão do agente? É possível imputar responsabilidade moral a um sujeito por atos de terceiros? Ante a ausência de previsão legal punitiva é possível imputar a responsabilidade moral?
Estas e outras questões nascem, por vezes, da discussão sobre a ética de nossos atos, sejam eles comissivos ou omissivos. E, por outras tantas vezes, respostas particulares não nos garantem assertividade sobre estas dúvidas. Tomemos por exemplo um acidente de trânsito em que o agente é testemunha e corre para salvar as vítimas deste infortúnio. O agente consegue salvar a vida de uma criança, mas, infelizmente, outra pessoa morre por falta de socorro em tempo hábil. Pergunta-se: O agente deve ser elogiado por ter salvado a vida da criança ou punido por omissão de socorro em relação à vítima fatal, uma vez que deixou de ligar para o serviço médico de urgência em tempo hábil de a vítima ser socorrida por profissionais devidamente capacitados para tal mister?
Não existem, neste exemplo, respostas previamente formatadas que nos possibilitem responder de modo assertivo quanto à questão da imputação da responsabilidade moral ao agente, pois há fatores intrínsecos a serem analisados antes de nos posicionarmos quanto à questão elencada.
Podemos dizer, então, que nossos atos estão sujeitos a reações que nos imputam a obrigação de responder por nossas ações ou omissões (ação negativa).
Vemos que a caracterização da responsabilidade exige uma maior elaboração de nosso raciocínio e as respostas podem se tornar mais complexas conforme a natureza das questões que nos são apresentadas.
Aristóteles (384-323 aEA) teceu um breve raciocínio sobre o conceito de responsabilidade moral alegando que, por vezes, é apropriado responder a um agente com louvor ou culpa com base em suas ações e/ou seus traços de caráter (ao que posiciono-me de modo contrário, pois, por certo, traços de caráter não possuem a segurança adequada para um julgamento assertivo). Posteriormente, o próprio Aristóteles acrescenta que apenas um certo tipo de agente se qualifica como podendo ser considerado um agente moral e, portanto, sujeito a atribuições de responsabilidade, isto é, apenas o sujeito com capacidade de decisão poderia ser moralmente responsabilizado. Mas o que vem a ser a capacidade de decisão? Para que o sujeito possa decidir é preciso que ele tenha consciência dos possíveis (e, só então, previsíveis) resultados de seus atos.
Assim, vemos que para Aristóteles a responsabilidade só nasce com a consciência do ato e a esta consciência está atrelada a dualidade de valores, ou seja, o sujeito precisa ser consciente dos valores de bem e mal, sem os quais não seria possível balizar a imputação da responsabilidade moral. Também é possível visualizar que há condições sobre as quais pode-se atribuir a responsabilidade a determinado sujeito.
E são justamente estas condições que nos proporcionam responder às indagações iniciais deste artigo.
A responsabilidade moral, portanto, em Aristóteles, se caracteriza com a consciência do ato como bom ou mal, o que possibilita ao sujeito agir de acordo com este juízo de valores, tomando, por fim, uma decisão (ação). Sem a consciência da dualidade bom/mal não há como o sujeito decidir de modo direcionado e, portando, intencional à prática de uma ação.
Há uma famosa série americana onde uma personagem comete suicídio e dias após 13 pessoas recebem fitas cassetes de áudio onde a personagem lhes imputa a responsabilidade por seu ato e só então as pessoas tomam consciência de que seu ato em particular causou mal à personagem e, a partir de então, começam a se questionar sobre sua responsabilidade moral quanto ao seu agir e ao trágico desfecho da personagem.
O que vemos, na mencionada série, é o nascimento de uma consciência presente que imputa uma responsabilidade moral por ato pretérito. E a resposta à terceira pergunta torna-se um dilema para os sujeitos que receberam as fitas de áudio, pois a consciência recentemente adquirida faz retroagir no tempo a responsabilidade moral de cada sujeito que, por sua vez, passa a ser também sujeito de julgamento moral dos demais personagens da saga, o que torna a responsabilidade moral atemporal. Encontramo-nos novamente diante de um exemplo para o qual não há respostas predeterminadas que sejam assertivas, uma vez que existem vários pares de variantes que tornam a questão um intervalo aberto.
Do mesmo modo se comporta a quarta interrogação, uma vez que diante da ausência de consciência (que só foi adquirida no futuro) tornar-se impossível a imputação da responsabilidade moral pretérita, porém, de modo antagônico, esta mesma consciência recentemente adquirida sujeita o personagem ao julgamento moral sobre si mesmo e o submete ao julgamento dos demais personagens.
A resposta para a quinta indagação segue na mesma linha e também se torna não linear, pois, mais uma vez, a resposta está sujeita à inexistência de afirmações assertivas de primeiro raciocínio, afinal, a personagem cometeu o fatídico ato por decisão própria, dirão uns; porém, sob a influência das ações de outrem, dirão outros. Ou seja, a personagem estava cônscia de seus atos ou se encontrava desprovida de razão por conta dos atos perpetrados pelos demais personagens?
Para não fugir à regra, a derradeira questão não é menos aberta que as demais. Noutra série televisiva, em um dos episódios, a história acontece na Alemanha onde um hacker, de poder de vídeos íntimos das vítimas, às provoca a cometerem suicídio. Porém, naquele país não há previsão legal de punição à provocação do “sui caedere”. Mais uma vez o dilema se faz presente, pois, de um lado, enquanto a conduta não está sujeita à responsabilidade penal, de outro, encontra-se retesada no intervalo não aberto da responsabilidade moral “a priori”. Aqui novamente a teoria Artistotélica sobre a responsabilidade moral nos dá um norte, mas não é capaz de, sozinha, abarcar todas as soluções possíveis (se é que há alguma). Não percamos de vista o fato de que para a Filosofia a responsabilidade moral é o que se relaciona com a ação (ou omissão) e suas consequências nas relações sociais. E se a própria sociedade (interessada que é nas consequências) não considerar determinado fato como suscetível de relevância de valor nas relações sociais, será possível o indivíduo estar sujeito à responsabilidade moral perante esta mesma sociedade? Assim, o indivíduo pode mostrar-se cônscio, isto é, decidir-se de acordo com a dualidade bem/mal e, portanto, direcionar-se inclusive para o mal, sem que lhe possa ser atribuída uma responsabilidade moral, uma vez que a própria coletividade em que está inserido nega dar relevância valorativa a este direcionamento, por considerá-lo sem relevância para as relações sociais. Eis que aqui se mostra o intervalo aberto da derradeira questão e, como nos demais casos, a elaboração de uma resposta exige-nos uma maior deliberação para que respostas assertivas possam ser construídas de modo responsável.