OS FIOS DO BIGODE
Raramente assisto televisão. Entretanto, às vezes mesmo sem desejar terminamos por assistir algo, por acaso. Desta forma, uma coisa banal chamou minha atenção. Enquanto meu marido trocava os canais, deparei-me com uma reportagem, tarde da noite, sobre os valores dos cortes de cabelo em outro estado.
Os locais considerados populares, bem limpos, espaçosos, porém simples, cobravam pelo corte masculino o valor de três reais.
No decorrer do programa, o apresentador, de forma descontraída abordou um jovem que se sentara para cortar o cabelo com um dos profissionais do local. Convidou-o para cortar não só o cabelo, mas também o bigode, ao que ele respondeu de forma negativa. Frente à negativa ele ofereceu vinte reais para que ele o fizesse. Ele, de forma educada rejeitou reafirmando seu propósito: Apenas cortar o cabelo.
Não contente com a resposta e testando o jovem, aumentou a oferta, que foi mais uma vez rejeitada. E assim se sucedeu várias vezes até atingir o valor de trezentos e cinqüenta reais, que ele colocou na mão do jovem. Poderia até ser considerado o fato de não ser um bigode daquele estilo mexicano, mas um pequeno, que logo estaria crescido novamente, influindo para que a oferta fosse aceita. Mas ele se manteve firme. Só cortaria o cabelo.
Fiquei imaginando o que representaria aquela importância comparada com o salário daquele jovem, considerando-se que ele estava utilizando um serviço a preço popular o que deve ser um indicativo de que ganha o que a maioria da população, um salário pequeno.
Confesso que a postura daquele moço me sensibilizou, ao contrário daquela adotada pelo apresentador, que ao agir daquela maneira estava tentando mostrar que tudo tem um preço (ou todos), que por uma quantia em dinheiro as pessoas se desviam de seus propósitos.
É este tipo de mensagem, mesmo que não expressa claramente, que confunde àqueles cujos princípios ainda não estão bem enraizados, que ainda não tem uma conduta firme, de modo que não se tornem vulneráveis e nem alvos fáceis para serem usados por pessoas manipuladoras.
Admirei a sua conduta. Ela mostrou que temos que ter fé nas pessoas, na sua boa índole, na sua decência, no seu caráter e mais uma vez repito que isto nada tem a ver com classe social, com dinheiro, mas com valores, com ética, com princípios, com educação.
É importante saber o que desejamos realmente, quais objetivos definimos para serem atingidos a curto, médio e longo prazo, o que desejamos para nossas vidas, como fincaremos nossas raízes, se com profundidade, não se deixando vergar à primeira intempérie ou de forma superficial, incapaz de resistir ao menor empurrão (ou tentação).
seguindo por caminhos diferentes daqueles originalmente traçados, por falta de segurança, auto-estima ou por um simples ímpeto de levar vantagem pessoal (tão comum nos dias de hoje).
Se todos os mensaleiros, sanguessugas e outros espécimes de parasitas que gravitam em torno do poder tivessem conduta semelhante à do rapaz em questão, o panorama político hoje seria diferente.
A reforma da constituição, a alteração na previdência social e os conseqüentes descontos dos funcionários públicos, a redução das aposentadorias futuras dos servidores, a disparidade entre os ativos e inativos não teriam acontecido, se ao invés de sucumbir à tentação aqueles políticos tivessem reafirmado seus propósitos de campanha (mas acontece que eles são só de campanha, na prática é outra história, outra conversa) mostrando que fidelidade, honestidade, coerência e justiça não tem preço que os compre.
Ao contrário, exemplos de dignidade nos são dados com freqüência por pessoas simples, pelo cidadão comum, para quem a palavra vale tanto quanto um fio de bigode e compromisso assumido (consigo mesmo e com os outros) não são negociáveis de acordo com o valor da oferta.