Letras da Arábia - A Questão Armênia (genocídio?)
Até há pouco tempo, desculpem os mais cultos, jamais ouvira falar a respeito da Questão Armênia. A Armênia mesmo não passava, para mim, de uma vaga noção, era apenas uma das muitas repúblicas da União Soviética. Também, nunca pensara, nem que instantaneamente, nos armênios. Nada, apenas uma vaga noção, uma lembrança das aulas de geografia do antigo Ginásio de Pitangui, da excelente professora Nazaré Lemos.
No entanto, uma vez em Beirute, começo a ouvir falar dos refugiados armênios, em grande número no Líbano. Depois, passo por certa rua e vejo um templo da Igreja Armênia, uma das igrejas cristãs. Por outra, e ali está a sede de uma organização filantrópica armênia. Quem serão esses? A partir daí, começo a me interessar mais pelo assunto.
Alguns dias depois, conheço dois deles. Em carne e osso, aí estão os armênios, penso. À primeira vista, jovens como quaisquer outros, embora usem roupas mais sérias, vestindo-se elegante e impecavelmente. Além do mais, com o passar do tempo, revelam-se extremamente gentis e prestativos.
A conversa vem naturalmente. Primeiro, falam-me de sua civilização milenar, a primeira nação a abraçar oficialmente o Cristianismo, de sua língua e de seu alfabeto, do Monte Ararat, onde teria encalhado a Arca de Noé. Depois, falam-me do "Grande Genocídio".
- Genocídio? Que genocídio?
- O que sofremos em 1915.
Juro que de nada sabia, outra vez desculpem-me os mais cultos. Começam a contar-me, primeiro por alto, mais tarde detalhadamente, a respeito da perseguição que sofreram dos turcos muçulmanos, já nos estertores do Império Otomano, em plena I Grande Guerra. Vejo livros, folhetos, emprestam-me vários. Com o conhecimento mais profundo da situação, fico estarrecido.
Vocês sabiam que, em pleno Século XX, aproveitando-se da I Guerra Mundial e da impossibilidade – ou má vontade – de serem reprimidos pelas Grandes Potências, os turcos (não confundam turcos com sírios e libaneses) massacraram 1.500.000 armênios? Um milhão e quinhentos mil, mais ou menos, de gente como nós, de duas pernas, dois braços, nariz e boca, corpo e alma, gente que ria e chorava, gente exatamente como outra qualquer. Foram massacrados! Homens, mulheres, crianças, velhos, jovens, maduros...
As razões? Pode haver razão para uma mortandade? Pode haver razão, quando se trata de qualquer crime, qualquer guerra? Poder-se-ia alegar uma reminiscência das guerras "santas" da Idade Média – se é que guerra e santidade se combinam – um resquício da eterna luta entre cristãos e muçulmanos. Poder-se-ia alegar um milhão de coisas. Só que jamais se explicará, jamais se justificará. E jamais haverá uma forma de reparar tamanha crueldade.
E o crime contra os cristãos armênios em 1915 não é apenas um crime contra os armênios. Nem só contra os cristãos. É um crime contra toda a Humanidade, contra o Espírito Humano, contra a Razão, contra a Esperança naquele "Dia Azul" que nós, talvez ingênua e inocentemente, insistimos em chamar de IRMANDADE.
(Jeddah, Arábia Saudita, agosto/1975)