A gente se acostuma com tudo - Rui Batista de Albuquerque Martins

Os homens eram considerados fiéis não porque o fossem, mas pela habilidade com que escondiam suas aventuras

Época da revolução militar. A conservadora sociedade do Brasil acabava de realizar a “Marcha da família com Deus pela liberdade”. Doou jóias, dinheiro e até alianças para ajudar o país. As pessoas beijavam as mãos dos sacerdotes e não falavam sobre sexo. Crianças não podiam ouvir conversas de adultos. Os homens eram considerados fiéis não porque o fossem, mas pela habilidade com que escondiam suas aventuras. No pequenino jornal onde eu trabalhava, um jovem cronista quebrava todos os paradigmas. Ousava em suas linhas, sob a batuta rígida do redator chefe Sérgio Coelho de Oliveira, a quem cabia a responsabilidade da Folha Popular. Um dia de 1966 esse cronista rebelde confessou, em artigo, que seu maior desejo era dormir com a atriz Sophia Loren. Foi um escândalo. A declaração explodiu como uma bomba. O clero, entidades, militares, muitos enfim manifestaram-se contra a ousadia do escritor. Mas a tiragem do jornal daquele dia esgotou nas bancas. Esgotou sim.

Newton Gomes, o cronista ousado, tornou-se fiscal da Receita Federal e escreveu livros sobre o assunto. Deixou o cargo bem remunerado e com garantia de estabilidade para ser consultor de empresas. Continuou fazendo sucesso. Manteve, porém, aceso o seu desejo de escrever crônicas livres, com as mãos tocando o teclado da velha máquina de escrever - e, mais tarde, do computador – apenas obedecendo ao ritual da sensibilidade.

Na Semana do Escritor, que foi encerrada domingo passado, Newton Gomes se propôs a escrever crônicas “ao vivo” no espaço da Fundec, que seriam encadernadas no último dia do evento. Com cabelos e bigode brancos, na fria noite de quinta-feira, ele estava atento ao seu notebook quando eu o interrompi: “Você ainda quer dormir com a Sophia Loren?”. Ele levantou-se, me abraçou e garantiu: “Ela ainda está linda! Eu a vi numa entrevista e ainda é inspiradora”. Daí, ele deu uma sonora gargalhada, o que me arremeteu ao passado. Apesar dos anos que se foram, estava ali o mesmo garoto bem humorado, criativo, ousado, dando lições sobre o verdadeiro sentido da liberdade.

Comentei com ele a qualidade do evento, iniciado e capitaneado por Douglas Lara. No prédio da Fundec, o Palácio Raphael Tobias de Aguiar, centenas de obras e dezenas de autores chamavam a atenção, inclusive um poeta do Além-Tejo. O público procurava conhecer os livros lembrando formigas se deliciando com açúcar. Comentei: “Isto é bom, porque estimula a leitura e, inclusive, muitos jovens estão presentes”. Newton Gomes concordou: “A gente se acostuma com tudo. Com o sanduíche do Mac Donald, com Coca-Cola. Então, o povo também pode acostumar-se a ler. Quem lê um bom livro nunca mais deixa de ler”. Oscar Fonseca Vieira, diretor do Objetivo concordou: “Quando eu era jovem, achava o Fusca horrível e não queria ter aquele carro sem definição, com frente e traseira iguais. Mas ele foi o primeiro carro que comprei, porque era o que o meu dinheiro podia pagar. Fiquei seis anos com ele e, na hora de vendê-lo, sofri muito. Eu aprendi a gostar dele”.

Sorocaba realiza, com a Semana do Escritor, um dos principais eventos literários do país. O evento cresce ano após ano. Nasceu do sonho do idealista Douglas Lara, um homem que foi executivo de multinacionais em vários países e, após sua aposentadoria, passou a se dedicar à literatura. Através da Internet mantém contato com centenas de escritores e, com sua ação, está contribuindo para o aprimoramento da cultura brasileira. Apoiando movimentos como a Semana do Escritor, garantiremos um futuro melhor às novas gerações (informação é poder). Portanto, vamos estimular a leitura, construindo uma geração mais sábia, comprometida, responsável. Que saboreie Big-Mac e tome Coca-Cola, mas, também, devore e se delicie com livros.

31/7/2007

Rui Batista de Albuquerque Martins

A gente se acostuma com tudo

Sorocaba realiza, com a Semana do Escritor, um dos principais eventos literários do país. O evento cresce ano após ano. Nasceu do sonho do idealista ...

http://www.bomdiasorocaba.com.br/index.asp?jbd=2&id=124&mat=86694

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 01/08/2007
Código do texto: T588300