O REALISMO NA ARTE AMAPAENSE
A arte amapaense passa, atualmente por um período de transição no que diz respeito à forma e conteúdo das artes visuais. Por muito tempo, vigora em nossa arte um estilo acadêmico ultrapassado e que vem privando os novos artistas de produzirem uma arte contemporânea. Podemos dizer que, o movimento realista nas artes plásticas começa a chegar no Amapá após cento e cinqüenta e três anos de atraso, através do trabalho do Grupo Urucum. Poderá ser tênue a argumentação para tal afirmativa, mas espero despertar neste texto pontos relevantes para uma nova conceituação estilística da arte amapaense e quem sabe, modestamente, contribuir para que surja um novo “ismo” na arte, bem no meio do mundo.
O movimento realista surgiu na França entre 1850 e 1880, e se estendeu pela Europa e pelos demais continentes. O mesmo representou o repudio ao artificialismo da arte neoclássica e da arte romântica. Os artistas realistas retratavam a realidade física do mundo por meio da objetividade científica e crua, abordando temas da vida cotidiana e paisagens impregnadas por um teor critico, socioeconômico e também político, colocando em questão a nobreza de temas da arte oficial.
Há duas coisas preponderantes no surgimento do movimento realista. A Segunda revolução industrial, que propiciou um ambiente oportuno, pois culminou com a forte individualização da burguesia industrial, e o advento da fotografia, que colocou em questão o caráter único da obra de arte.
Gustave Courbet é considerado o maior representante deste período, tendo lançado em 1855, o Manifesto Realista, para ele a pintura consiste na representação das coisas reais. Tinha o realismo como princípios fundamentais à convicção da objetividade do mundo exterior e a possibilidade de representa-lo plasticamente; valorização da sensibilidade subjetiva e a sinceridade. “A beleza não está no característico, mas na verdade” , afirma Courbet*. Em 1850, foi apresentado o primeiro quadro de tema proletário, Casseurs de Pierre (quebradores de pedra). Que causou forte reação na critica e no publico. Courbet retratava a vida, os problemas e costumes das classes média e baixa, ou seja, pintava o homem em sua função social, seja qual fosse ela, tendo isso como um assunto digno de ser representado.
A fealdade e a banalidade do mundo são retratadas sem falsas idealizações, sempre em defesa de uma teoria política, courbet era socialista, ou em favor dos interesses da melhoria social.
No Brasil a pintura realista não teve a mesma ressonância que na Europa. Courbet e Millet não tiveram seguidores por aqui. Neste período o Barroco brasileiro já se extinguira frente à arte acadêmica, vinda com a missão francesa em 1816, além do mais, o Brasil passava por uma afirmação de sua independência nos planos político e econômico como também no plano cultural em plena transição do segundo reinado para a república. Havia ainda grandes discrepâncias socioeconômicas entre o nosso país e a Europa. Almeida Júnior, Belmiro de Almeida, Facchinetti, Georg Grimm, Gustavo Dall'Ara e Antonio Rocco, são alguns dos artistas brasileiros que mais se destacaram na pintura realista brasileira.
Pensei na dificuldade de regionalizar este tema a priori, mas as mesmas, desapareceram assim que os primeiros dados pesquisados foram analisados. Detectei que há pessoas fazendo arte que se assemelham aos padrões realista do século XIX, no Amapá, claro que guardando devidas proporções nesta comparação. Por inúmeras dificuldades, a maior delas, a divulgação pelos meios de comunicação, é difícil chegar ao publico esses trabalhos, mesmo porque, existe um mitier instalado e oficializado (fruto da Escola de Arte Candido Portinari), onde é fortíssimo o estilo acadêmico, acarretando portanto, em mais uma barreira para que as obras que são produzidas dentro de uma tendência, digamos, neo-realista, possam se firmar no cenário artístico amapaense. Nossos artistas bebem em todas as fontes de vanguardas artísticas passadas e acabam por optar pela pintura acadêmica (paisagismo), para mim, comercial! Vale salientar que, quando perguntados sobre seu “estilo” de pintura, a maioria dos pintores amapaenses, dizem solenemente, sou “Expressionista Abstrato”.
Mas falar de arte e, sobre arte no Amapá, é complicado. Fatores como: o isolamento geográfico, econômico, cultural e, a falta de consolidação do nosso combalido, mais existente, circuito de arte (do qual o SESC-AP é o mais atuante), nos respalda a afirmação. A falta de incentivo governamental e da própria sociedade é outro agravante. O Artista e mestre em artes visuais, Arthur Leandro, diz que, no Amapá, todos os incentivos giram em torno da preservação histórica e cultural, assim como das culturas imateriais (marabaixo, festas religiosas e etc.)**. Portanto, esta mais que na hora de se romper com o passado, é chegado à hora de trilhar outros caminhos.
As obras de artes no Amapá não devem mais ser confundidas com o artesanato ou souvenires. Assim como na época do realismo, o clima é propicio para este rompimento. Estamos passando por um período de mudanças na área econômica, política e social, e todos esses acontecimentos não são identificáveis na maioria das obras artísticas produzidas na atualidade. Parece que nossos artistas ficaram presos na ênfase romântica e suas obras fogem a realidade atual. No futuro, em suas obras, parecerá que eles não viveram essa época.
Há alguns anos o Estado do Amapá (mas precisamente a capital) já presencia uma produção artística de aspectos realistas nas artes plásticas. Não é o realismo de Courbet, Honoré e Millet, mais algo em torno do Novo Realismo, movimento surgido na década de 60, criado por Pierre Restany que tem como Tônica a apropriação do real ligado a um fenômeno quantitativo de expressão através da assemblage (colagem, instalações, décor, happenings e etc.), e a tendência descolagista (dilacerar grandes cartazes de rua e aplicar seus resíduos na criação de quadros).
Essas tendências estão sendo desenvolvidas pelos artistas que compõem o Grupo Urucum, possuidor de uma galeria, toda ela construída com material reciclável, e que serve de espaço para exposições não só do grupo, mas também de outros artistas. Detecta-se nas inúmeras obras realizadas pelos artistas do grupo, uma temática semelhante a dos realistas do século XIX e uma técnica muito próxima dos neo-realistas do século XX. O trabalho deste grupo e inovador em todos os aspectos da arte no estado. A abrangência dos trabalhos do Urucum visa, segundo o grupo, “divulgar a vanguarda da arte e da cultura amapaense”.
Não há muito em que diferir a atuação dos artistas do Urucum na realidade da arte amapaense em relação aos artistas realistas do século XIX. Dentro do contexto social a obra de ambos visa levar ao publico uma arte real com temas reais que irá despertar a consciência dos homens para a realidade que os circunda, no nosso caso o meio ambiente. Cabe aqui afirmar também que, o Urucum têm em relação a seus membros, uma tendência esquerdista no campo político.
O realismo do século XIX na França ocupava-se em retratar cenas do cotidiano das classes inferiores, como protesto ou critica social. No Amapá desconhecia-se até então, artistas que retratassem tais cenas e conteúdos em suas obras no estado. Mas o trabalho executado pelo Urucum e, o qual, penso ser semelhante ao estilo do Novo Realismo (para eles é arte conceitual), devido à utilização da técnica de assemblage, utilizada largamente pelo grupo. O Urucum faz uma associação de materiais reciclados para dar textura, forma e cor em suas pinturas, trazendo a tona na sua temática, questões sociais, não mais retratando cenas do cotidiano e as desigualdades sociais e sim o próprio resultado desse descontrole social vigente na atualidade nacional e local, onde uma parcela numerosa sobrevive das sobras das classes superiores, fazendo da reciclagem a sua existência.
Estou fundamentando esta argumentação baseada nas características do grupo, que produz uma arte num sentido de valor mais ideológico que mercadológico. Tudo é representativo (o que existe ou acontece) e significante para o grupo como material de produção, temas que independem de origem social, política ou ética.
* Enciclopédia Mirador Internacional vol. 17. São Paulo: Britannica, 1987.
** Revista Marketing Cultural On line / Março de 2003.