2016 - O ano que resiste chegar ao fim.
Distante no tempo quase meio século, 1968 entrou para a história como um ano marcado por manifestações contra governos autoritários vigentes à época. Os protestos estudantis nas ruas de Paris em maio daquele ano, o início dos combates na Guerra do Vietnã, além de outros importantes acontecimentos como o assassinato de Martin Luther King, líder na luta pela igualdade civil nos EUA foram apenas alguns fatos do conturbado e inesquecível 1968. No Brasil foi igualmente um ano singular marcado por inúmeros movimentos contra a ditadura militar. A passeata dos cem mil foi uma entre tantas manifestações que culminaram na decretação do famigerado AI-5, ato que escancarou de vez o autoritarismo instalado por um golpe quatro anos antes. Por este e outros motivos, 1968 ficou conhecido como " O ano que não terminou ", na obra do jornalista, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras, Zuenir Ventura.
No presente é quase unanimidade que 2016 está sendo um ano intenso, difícil, e trágico, infinito para alguns. Um ano que parece resistir chegar ao seu final. O mantra “ acaba 2016 ” virou piadas na internet e redes sociais.
Então, o que faz de 2016 um ano diferente?
No mundo, o quinto ano da Guerra civil na Síria resultou na destruição de importantes cidades históricas, a exemplo de Alepo, principal cidade do país. O vale tudo para recuperar regiões antes ocupadas pelo grupo terrorista Estado islâmico acentuou o drama da população civil. Não menos dramática, a situação dos imigrantes e refugiados que voltaram a buscar rotas em embarcações precárias através do Mar Mediterrâneo, em consequência, fechamento de fronteiras, deportação e milhares de mortos, incluindo crianças. Uma tragédia exibida diariamente nos telejornais, acompanhada de escancaradas violações aos direitos humanos pelo governo de Bashar al-Assad, apoiado pelo também insano dirigente russo, Vladimir Putin.
A intolerância e a violência continuaram produzindo vítimas ao longo do ano. O massacre de 49 pessoas na boate gay Pulse, em Orlando, nos EUA, por Omar Mateen, um frequentador do local, chocou o mundo. E o que dizer dos ataques terroristas no aeroporto internacional e no metrô de Bruxelas, na Bélgica; o sangrento atentado em Nice no dia que os franceses comemoravam a queda da bastilha, ou o recente atentado em Berlim?
A eleição nos EUA e a vitória de Donald Trump também não deixará 2016 esquecido na gaveta do tempo. Trumpicídio, Trumpocalipse foram definições encontradas pelos principais jornais europeus para definir a vitória do imprevisível e polêmico magnata norte americano à presidência dos EUA. Com um discurso fascista protecionista e xenófobo, o arrogante apresentador de TV seduziu uma parcela significativa do eleitorado ianque e passará a residir na Casa Branca nos próximos anos.
E por aqui, na terra brasilis, porque os brasileiros desejam tanto que 2016 chegue logo ao final? Que lembranças teremos daqui alguns anos ou décadas?
Mesmo considerado um povo de memória curta, definitivamente, os brasileiros não esquecerão 2016 na vala comum da história como um ano qualquer, desses que nunca mais será lembrado, e há motivos de sobra para que isso não aconteça. Palavras, siglas e expressões, como: impeachmeant, fora temer, operação lava jato, caixa dois, delação premiada, STF, MPF, PT, PMDB, PSDB, coxinhas, petralhas, reforma, recessão e desemprego, ajudam a compor o mosaico do ano, ainda em curso. Some-se a esta tempestade de palavras e crises, a conturbada relação entre os poderes da república e o abismo existente entre os políticos e a sociedade.
As crises política, econômica e institucional acompanhadas de muitas manifestações nas redes sociais, ruas e praças dividiram o país e resultaram no impedimento da presidente Dilma Roussef, ou, no “ golpe parlamentar com matizes de legalidade constitucional ”, na avaliação do maestro e professor da UNB, Jorge Antunes. Registre-se ainda, o afastamento e prisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, além de outros importantes políticos e empresários; o encolhimento do Partido dos trabalhadores numa eleição marcada pela vitória de candidatos conservadores que se apresentaram como “não políticos”, e na quase retirada da presidência do Senado Federal, do senador coronel, Renan Calheiros.
A questionada legitimidade do vice-presidente, cujo entorno gravitam ministros delatados e denunciados pela operação lava jato não trouxe a credibilidade que uma parcela da sociedade e o mercado esperavam. Alguns meses depois do governo Temer declarar “ Ordem e progresso ” e aprovar medidas impopulares, ditas necessárias, a sociedade assiste o aprofundamento da crise política e econômica. A divulgação das últimas delações coloca também o atual mandatário no “ olho do furacão ” e aumenta a incerteza quanto ao seu futuro. Se tudo isso já não bastasse, as graves crises financeiras de importantes estados da federação atingiram o seu ponto mais crítico, resultando em atrasos e parcelamento de salários do funcionalismo, greves e redução de serviços essenciais à população.
Todos os acidentes e tragédias talvez sejam resumidos numa só palavra: Chapecoense. O trágico acidente aéreo com a delegação da simpática equipe de futebol de Chapecó - SC ainda comove o Brasil e o mundo esportivo, e jamais será esquecida, assim como o seu grito de guerra: “vamos, vamos, vamos chape”
Ao final, deixemos o pessimismo, as tragédias e a desesperança em 2016, e fiquemos com dom Paulo Evaristo Arns, que nos deixou órfãos da sua generosidade e sabedoria: “Toda crise é momento de mudanças qualitativas e as grandes esperanças moram em horizontes distantes e ainda desconhecidos”, então como 2017 está logo ali, FELIZ ANO NOVO a todos do Recanto.