Amor, liberdade e segurança
Segundo Bauman, “para ser feliz há dois valores essenciais que são absolutamente indispensáveis [...] um é segurança e o outro é liberdade. Você não consegue ser feliz e ter uma vida digna na ausência de um deles. Segurança sem liberdade é escravidão. Liberdade sem segurança é um completo caos. Você precisa dos dois. [...] Cada vez que você tem mais segurança, você entrega um pouco da sua liberdade. Cada vez que você tem mais liberdade, você entrega parte da segurança. Então, você ganha algo e você perde algo".
O sociólogo conhecido pelo termo “modernidade líquida”, autor de diversas obras sobre a fluidez da pós-modernidade, critica nossos tempos de total liberdade, na qual os laços são frouxos, abertos, além da reprodução das práticas de consumo nas relações pessoais, reificando humanos. No entanto, na minha interpretação, vejo Bauman como um saudosista, de certo modo conservador, tanto nos costumes quanto nas questões de Estado e economia. Ele defende o Estado de bem-estar social pós-guerra, diante das suas experiência europeias, desconsiderando outros países e cenários periféricos numa visão eurocêntrica.
É claro que gosto muito do autor e mantenho minha admiração, especialmente nas críticas ao neoliberalismo e consumismo e também na cidadania, mas num aprofundamento não posso deixar de divergir, já que numa sociedade patriarcal nunca houve igualdade de gêneros nem exclusividade imposta ao homem. Bauman critica a fluidez, mas é essa liberdade que reflete uma evolução no sentido de as pessoas não se submeterem a relações opressivas e expandir a capacidade de amar e construir novas formas mais abertas, como o poliamor. A questão é viver isso sem reificar. Bauman condena a liberdade, é um nostálgico dos laços perenes e exclusivistas.
Uma leitura do filme Her (2013, S. Jonze), numa perspectiva baumaniana, atinge “o paradigma de que são apenas as relações carnais que estão perdendo a força. Ao se apaixonar por um sistema operacional, Theodore parece suprir todas as suas necessidades dentro de um relacionamento. A forma virtual de se relacionar é a maneira que o protagonista tem de encontrar aquilo que realmente procura e idealiza, pois o sistema operacional se adapta cada vez mais às suas satisfações, tornando-se uma complementação do usuário.”[1]
Nessa visão crítica da superficialidade virtual, Bauman acerta em cheio, mas a verdade é que o filme não reflete a realidade, é uma hipérbole. Hoje ainda há pessoas por trás das máquinas, celulares e aplicativos: mensagens trocadas geram encontro entre pessoas reais. Desse modo, a internet e outras tecnologias não acabam com as relações.
Aqui proponho um diálogo entre colocações de Bauman e da psicanalista Regina Navarro Lins. Enquanto o sociólogo se fecha no passado, Navarro Lins já enxerga mudanças positivas e um futuro com outras configurações afetivas e familiares. Segundo a psicanalista “poliamor é a tradução livre para a língua portuguesa da palavra polyamory (Polyamory é uma palavra híbrida: poly é grego, e significa muitos , e amor vem do latim), que descreve relações interpessoais amorosas que recusam a monogamia como princípio ou necessidade. Por outras palavras, o poliamor como opção ou modo de vida defende a possibilidade prática e sustentável de se estar envolvido de modo responsável em relações íntimas, profundas e eventualmente duradouras com várias/os parceiras/os simultaneamente.”[2]
Regina Navarro Lins compreende a liberdade e a abraça; Z. Bauman vê com desconfiança, dando maior ênfase à defesa da segurança. Só tempo vai mostrar como a sociedade vai desenvolver o modo de se relacionar, mas desde já se veem novas modalidades de relacionamentos mais complexos. Na dança da vida, entre a liberdade e a segurança, as pessoas vão descobrir como querem amar.
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[1] obvious: http://lounge.obviousmag.org/encha_a_xicara/2014/07/o-amor-liquido-por-tras-do-filme-her.html#ixzz4SoffCxuz
[2] blogosfera.uol.com.br/2016/08/06/da-monogamia-ao-poliamor/