Mesa em Preto e Branco (Influência Africana e Portuguesa na Mesa Brasileira)

INTRODUÇÃO

A base da cultura do povo brasileiro, ainda em formação, encontra-se na interatividade do encontro de suas matrizes: o nativo indígena; o colonizador português; e o escravo africano. Encontro promovido pela implantação do império português, realizado com base no desenvolvimento de sua tecnologia marítima.

Assim, o mesmo aconteceu com a culinária brasileira. Para isso, basta entendermos que no início da colonização, o português teve que adaptar-se às condições aqui encontradas, além do que entregou sua cozinha às mulheres índias.

A influência indígena foi objeto do artigo “Influência Indígena na Culinária Brasileira”, que fez parte do trabalho realizado em 2013, “Matriz Brasil”.

Com a necessidade econômica de Portugal explorar as terras descobertas, iniciou-se, em torno de 1540, o ciclo do açúcar e, para sua realização, a importação de escravos.

Assim como os índios foram substituídos pelos escravos nos trabalhos do plantio e da produção de açúcar, as índias também sofreram vigorosa concorrência das negras na cozinha.

A razão de tanto índias como negras fazerem parte da vida do colonizador foi que as mulheres portuguesas passaram a migrar com certa representatividade somente após a fixação do colonizador, que foi muito acelerada com a vinda de D. João VI em 1808.

O objeto desse artigo é tratar de como o escravo africano e o português colonizador contribuíram, para a mesa mestiça da maioria dos brasileiros.

CONTRIBUIÇÃO EM PRETO À MESA MESTIÇA

A contribuição africana à mesa mestiça brasileira ocorreu em duas frentes: no modo de preparar e temperar os alimentos; e com a introdução de ingredientes.

Nos engenhos de açúcar, para onde os escravos foram levados, as negras ficaram responsáveis pela alimentação dos senhores brancos, além de suprirem a demanda dos escravos. A única solução foi adaptar-se aos alimentos e ingredientes existentes na colônia.

NECESSIDADE DE IMPOROVISAÇÃO PELO ESCRAVO

Essa necessidade de adaptação exigiu improvisação para alimentarem-se no novo território, que, por sua vez, tinha uma estrutura ainda pouco eficaz. A própria elite tinha de importar vários gêneros.

Esse quadro social da época fez com que o modo africano de cozinhar e temperar incorporasse elementos culinários e pratos típicos portugueses e indígenas, transformando as receitas originais e diversificando a cozinha brasileira.

Da dieta indígena, nos tachos das negras ou dos negros incapazes para o trabalho bruto, mas com habilidades culinárias, a mandioca, o milho americano e o amendoim ganharam novas versões, incrementadas por frutos e condimentos da África, como o quiabo, o dendê, a pimenta-malagueta e a galinha d’angola.

O prato afro-indígena brasileiro mais famoso é o caruru. Originalmente feito apenas de ervas socadas ao pilão, com o tempo ganhou outros ingredientes, como peixe e legumes cozidos.

Outro exemplo afro-indígena é a moqueca, que em sua forma inicial, preparada pelos índios, era bem mais simples, a partir de peixes enrolados em folhas e assados ao calor do borralho - cinzas quentes com algumas brasas.

Da dieta portuguesa vieram, por exemplo, açúcar, sal, ovos, alho, carnes de abate, gado e frango, e a fritura.

Podemos citar como o prato mais representativo da mesa mestiça brasileira a feijoada. Originada nas senzalas e inspirado no cozido português em que negros recebiam as partes menos nobres das carnes e as misturavam com feijão, que resultava num alimento de grande valor alimentício.

O prato se tornou tradicional na cultura afro-brasileira e hoje faz parte de muitas festas. O prato leva como principais ingredientes carne defumada carne de porco, couve e farofa.

Outro quitute representativo dessa mesa mestiça é o acarajé, que mistura feijão-fradinho, azeite de dendê, sal, cebola, camarões e pimenta.

Na falta do inhame, usaram a mandioca; carentes das pimentas africanas usaram e abusaram do azeite de dendê, que já conheciam da África. Adeptos da caça incorporaram à sua dieta os animais a que tinham acesso: tatus, lagartos, cutias, capivaras, preás e caranguejos, preparados nas senzalas.

O CARDÁPIO DOS ESCRAVOS

O cardápio do escravo de uma propriedade abastada consistia em farinha de mandioca, feijão preto, toucinho, carne-seca, laranjas, bananas e canjica.

Para o negro de propriedades mais humildes, a alimentação se resumia a farinha, laranjas e bananas.

O escravo dos engenhos de açúcar se alimentava de mel com farinha. Bebia caldo de cana, cachaça, mel com água, sucos e café.

Angu de milho também fazia parte da dieta do escravo em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, além de ocasionalmente a caça e a pesca.

Nas fazendas do Norte, eram consumidos alguns tipos de peixe e fazia-se espécie de “bucha” com a carne de carneiro, como a atual buchada de bode. Às vezes, os escravos comiam pirão, prato mais bem aceito, provavelmente por ser mais fácil de engolir, pois não havia tempo para comer.

O negro criou um jeito de fazer render a pouca comida que recebia: inventou o pirão escaldado chamado massapê, feito com farinha de mandioca e água fervente, acrescido de pimenta malagueta. O massapê ainda é usado por alguns em nosso meio rural.

HERANÇAS AFRICANAS À MESA MESTIÇA

A intensificação do tráfico de escravos facilitou a ida e a vinda de várias espécies de plantas alimentares entre Brasil e África.

A banana foi herança africana no século XVI e tornou-se inseparável das plantações brasileiras. Nenhuma fruta teve popularidade tão fulminante e decisiva, juntamente com o amendoim. A banana foi a maior contribuição africana para a alimentação do Brasil, em quantidade, distribuição e consumo. Da África veio, ainda, a manga, a jaca, o arroz e a cana de açúcar.

O coqueiro e o leite de coco, aparentemente tão brasileiros, também vieram do continente africano, bem como o azeite de dendê.

A população negra, que vivia no Brasil, plantou inúmeros vegetais que logo se tornaram populares, tais como: quiabo, caruru, inhame, erva-doce, gengibre, açafrão, gergelim, amendoim africano e melancia, entre outros. Os negros trouxeram para o país a pimenta africana, cujo nome localizava a origem, Malagueta.

Os vegetais destacaram-se e foram de uso diário. É um dos característicos da cozinha ortodoxamente afro-brasileira fazer acompanhar de verduras – quiabo, couve, taioba, jerimum – os seus quitutes de peixe, carne, ou galinha.

Quanto às carnes, o único animal africano que continua colaborando no cardápio brasileiro é a galinha-d’angola.

CULINÁRIA BRASIELIRA DE ORIGEM AFRICANA

A título de ilustração, alguns pratos e doces de origem africana:

Abará ou abalá, bolo de feijão fradinho cozido com sal, pimenta, azeite de dendê e camarão seco. É enrolado em folhas de bananeira e cozido no vapor;

Aberém, massa de milho cozida em banho-maria, sem levar tempero. Acompanha vatapá, caruru;

Acarajé, massa de feijão fradinho, com condimentos. Forma uma espécie de bolinho e é frito no azeite de dendê. Serve-se com camarão, pimenta etc;

Bobó, massa que pode ser de feijão mulatinho, inhame, aipim etc. É cozida e temperada com azeite de dendê, camarão e condimentos. Come-se puro ou com carne ou pescado;

Caruru com quiabo ou folha de capeba, taioba, ioiô, que se deita ao fogo com pouca água. Escoa-se depois a água, espreme-se a massa que novamente se deita na vasilha com cebola, sal, camarão, pimenta malagueta seca, tudo ralado na pedra de ralar e lambuzado de azeite de cheiro. Se junta a isso a garoupa ou outro peixe assado;

Cuscuz, massa de milho pilada, cozida e umedecida com leite de coco. O original africano era feito com arroz e com outros condimentos, ao invés do leite de coco;

Cuxá, diz-se no Maranhão do arroz cozido, temperado com folhas de vinagreira, quiabo, gergelim torrado e farinha de mandioca;

Mungunzá, milho cozido com leite de vaca ou de coco;

Quibebe, sopa de abóbora com leite de vaca ou coco. Há variações com carne seca, toucinho, quiabo, maxixe etc.

Vatapá, um tipo de caldo grosso feito de pão dormido, farinha de trigo e camarões, servido com peixe, bacalhau ou galinha, acrescido de pimenta, azeite de dendê, leite de coco e condimentos; e

Xinxim, galinha feita com camarão seco, cebola, sementes de jerimum e azeite de dendê.

Na cidade de Salvador, houve concentração negra mais homogênea, o que possibilitou a defesa das velhas comidas africanas, ao contrário das demais regiões. Foi ao redor das crenças, em especial do candomblé, que a cozinha africana manteve os elementos primários de sua sobrevivência.

CONTRIBUIÇÃO EM BRANCO À MESA MESTIÇA

Como os portugueses chegaram antes dos africanos, então, com muito mais razão a contribuição portuguesa à mesa mestiça brasileira ocorreu devido à necessidade de adaptação aos alimentos aqui encontrados.

Assim, com a chegada de Cabral em 1500, a utilização desses produtos aliada aos hábitos dos portugueses, influenciou decididamente a gastronomia brasileira tornando-a mais rica.

Os portugueses encontraram na alimentação do indígena o prato de subsistência, a mandioca, ou macaxeira, ou carimã, ou aipim. Fizeram adaptações úteis para sua própria sobrevivência, aprimoraram a forma de preparar e desenvolveram doces, mingaus e sopas.

Os tripulantes da frota de Pedro Álvares Cabral foram os primeiros a se alimentarem com a comida brasileira. Relataram a existência de produtos como palmito, inhame, que de fato era macaxeira, e camarão. Caminha, em sua carta, registra, sem enumerar, sementes, raízes e frutas.

A partir de 1570, com as capitanias hereditárias, chegam as famílias portuguesas e, com elas, também, a sabedoria e a mão feminina à cozinha.

Entretanto, foi com a chegada da corte portuguesa em 1808, que a culinária brasileira se europeíza com os hábitos e segredos gastronômicos de Portugal, trazidos por grandes cozinheiros.

REGISTROS DE CARDÁPIOS DA CORTE

Pratos prediletos do Rei D. João VI: frangos; galinhas; capões; e o arroz com chouriço.

O prato principal do almoço de D. Pedro I (filho de D. João VI) e de sua esposa, a Princesa Maria da Glória, era o toucinho, geralmente servido com arroz, couve, batatas, inglesa ou doce, pepinos cozidos e um pedaço de carne assada. Tudo isso era fervido numa espécie de sopa, adicionando-se alho, pimenta e verduras. Depois comiam massas, acompanhadas de carnes.

O prato predileto de D. Pedro II, filho de D. Pedro I, era a canja, embora comesse depressa apenas para satisfazer a fome.

HERANÇAS PORTUGUESA À MESA MESTIÇA

Como a alimentação está bastante associada à história de cada povo, a portuguesa, naquela época, era saborosa recheada de conhecimentos antigos, devido às sucessivas invasões sofridas, e de práticas e produtos culinários absorvidos graças à expansão marítima, para a implantação do império português.

Ao chegarem ao Brasil, os colonos europeus tiveram que se adaptar ao tipo de economia alimentar. Organizavam as suas roças à maneira dos índios e promoviam, com a ajuda destes, a caça e a pesca. As peixadas tornaram-se indispensáveis para os banquetes e festanças.

Entretanto, como existia a intenção de se instalarem em definitivo no Brasil, os portugueses trataram de recriar o ambiente que lhe era familiar introduzindo produtos do além-mar, como gado, porco, galinha, ovos, leite, banha, cereais, trigo, couves, alfaces, pepinos, abóboras, lentilhas etc.

Vieram, ainda, com os portugueses, trazidas de outras colônias, especialmente as africanas, novas frutas: uva, figo, maçã, marmelo, pêssego, romã, cidra, tâmaras, melão, melancia.

Outra contribuição de Portugal foi a maneira de preparar os alimentos, por exemplo, tirando pele e pelos das carnes para serem cozidas, assadas, ou fritas, o que era novidade para os nativos.

Também, os modos de temperar e conservar os alimentos foram outra contribuição portuguesa, usando o sal e outras especiarias trazidas do Oriente: açafrão; alho, cebola, cominho, coentro, tomilho; manjerona; gengibre; cebola; canela; cravo-da-índia; noz-moscada; tâmara; uvas passas; amêndoas; pistache; pinhões; menta...

Dos portugueses hábitos que marcaram nosso paladar definitivamente: introduziram e valorizaram o uso do sal; apresentaram a fritura; trouxeram o pão, feito com quase todos os cereais: cevada, centeio, aveia e principalmente trigo.

Além disso, revelaram o açúcar aos africanos e índios do Brasil. A partir daí, nossa cozinha adotou os doces de ovos e das mais diversas frutas. Surgiram: a goiabada; a marmelada; a cajuada etc. que constituem a variedade de nossas sobremesas.

Os utensílios como talheres; pratos; copos; baixelas etc. foram os portugueses que trouxeram.

CULINÁRIA BRASIELIRA DE ORIGEM PORTUGUESA

Pratos com Carne

O costume de comer carne de gado começou com a vinda dos rebanhos para o continente americano no século XVI. Assim, sarapatel, panelada, buchada, entre outros, não foram técnicas africanas, mas processos europeus.

O sarapatel ou sarrabulho, alimento preparado com sangue e vísceras de porco e carneiro, o português aprendeu na Índia.

A panelada e a buchada, preparadas com vísceras assadas em grelha ou chapa do fogão, têm origem castelhana e entraram no país por influência da vizinhança e do contato com os espanhóis.

As Compotas e os Doces

Com o advento do açúcar, surgiu a calda e, com ela, as compotas de frutas que eram descascadas e cozidas pelos escravos. Os religiosos portugueses mantiveram as receitas à base de ovo que preparavam em seu país de origem, mas acrescentando ingredientes brasileiros. A utilização dos ovos se deve ao fato de que Portugal foi o principal produtor da Europa entre os séculos XVIII e XIX.

Assim, surgiram doces como quindim, papo-de-anjo, ambrosia, bom-bocado, manjar e pudim.

ILUSTRAÇÃO DE ALGUNS PRATOS DE ORIGEM PORTUGUESA

Caldo Verde

Sopa muito consumida durante o inverno, pelo menos aqui em nosso país, o caldo verde é típico do norte de Portugal e seu ingrediente principal é a couve, mas geralmente é adicionado outras folhas e legumes verdes.

Canja

Outra sopa tipicamente portuguesa, a canja é muito popular no país, muito consumida durante o inverno, esta sopa feita com arroz e frango desfiado pode ser enriquecida com legumes e vegetais.

Cozido

Prato misto de carnes e legumes. Algumas receitas trocam a variedade de carnes: porco, vaca e alguns defumados pelo músculo de vaca. No prato sempre presente: couve, batata, cenoura e jerimum (abóbora).

Bacalhau

Consumido em todo o mundo, mas foram os portugueses que o descobriu e o tornou uma das maiores heranças da culinária portuguesa, presente na mesa dos brasileiros. Existem centenas de receitas que levam o peixe como ingrediente principal. Com o peixe temos um dos tira gosto mais pedido, o bolinho de bacalhau.

Galinha Cabidela

É um guisado de frango onde se adiciona durante o cozimento o sangue avinagrado do animal colhido no abate. No Nordeste é costume vir acompanhada de arroz branco; já no centro-sul é guarnecido de angu e couve refogada.

Quindim

No Brasil é um dos doces mais procurados em confeitarias, seu nome quer dizer “dengo” e vem do africano, mas é de origem portuguesa, feito a partir da gema do ovo e de coco, ganhou fama e é popular em Portugal e no Brasil. O coco foi incrementado junto com a chegada dos escravos e deu um toque de sabor a mais na sobremesa.

CONCLUSÃO

A mestiçagem em preto e branco está presente em nossa cultura e, por conseguinte, em nossa mesa, tanto nos alimentos e em nossa forma de prepará-los e temperá-los.

A base da alimentação do brasileiro foi construída no período colonial, apesar de ao longo de nossa história sofrermos influências as mais diversas.

A grande ausência das mulheres portuguesas, principalmente até a vinda da Corte para o Brasil, 1808, deixou praticamente as cozinhas a cargo inicialmente das índias e posteriormente das negras, que influenciaram bastante no preparo e tempero dos alimentos.

Se imaginarmos uma hipotética mesa mestiça em preto e branco perceberemos nos pratos servidos o colorido, os sabores e odores testemunhos desse encontro de saberes culinário.

FONTES

Livro: Casa Grande e Senzala – Gilberto Freyre

Sites:

bvsms.saude.govr.br áfrica;

bdtd.bce.unb.br;

folha.uol.com.br;

pt.wikipedia.org; e

querocomer.com.br.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 29/11/2016
Reeditado em 29/11/2016
Código do texto: T5838503
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