O Mulato com o Desenvolvimento da Genética
INTRODUÇÃO
Como argumentamos no primeiro dos quatro artigos, sobre mulatos no Brasil, foi para reduzir a extensão do conteúdo num só artigo, que resolvemos dividi-lo nos três anteriores: “O Mulato em Nossa História”; “O Mulato na Hierarquia Social”; “Galeria de Mulatos Ilustres”; e neste, o último dessa série, “O Mulato com o Desenvolvimento Da Genética”.
Com certo exagero, podemos afirmar que o conteúdo dos três primeiros nos permite concluir que: aquele mulato do período colonial, facilmente identificado como resultado do relacionamento entre o branco europeu e a escrava negra; e, também, muito bem localizado na hierarquia social, foi nesses mais de cinco séculos diversificando-se em termos de características raciais e espalhando-se pelos níveis de nossa sociedade hierarquizada.
ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO COM A EVOLUÇÃO DA GENÉTICA
Aquela facilidade, para definição dos tipos raciais: mameluco; cafuzo, curiboca, mulato, como o tempo e a intensificação do processo de miscigenação foi desaparecendo. Para essa anarquia racial na construção de etnia ímpar, o termo mais sensato deveria ser mestiço, para a maioria dos brasileiros, que tem ancestralidade no índio, europeu e africano.
Então, como fica o conceito de mulato como filho de branco com negro?
Para justificar nossa proposta, vamos esclarecer como se reconhece a ancestralidade utilizando os recursos da genética. Para tanto é necessário enumerar alguns conceitos.
CONCEITOS
DNA E RNA
São siglas de substâncias químicas envolvidas na transmissão de caracteres hereditários e na produção de proteínas compostas, que são os principais constituintes dos seres vivos; são ácidos nucleicos encontrados em todas as células humanas.
DNA, ou ADN em português é a sigla para ácido desoxirribonucléico, que é um composto orgânico cujas moléculas contêm as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e de alguns vírus. É a molécula da vida.
RNA é a sigla para ácido ribonucleico (RNA). É produzido no núcleo da célula, mas migra para o citoplasma.
De acordo com a biologia, o DNA faz o RNA, que faz proteínas (embora existam exceções como os retro vírus, por exemplo, o vírus da Aids)
O DNA se encontra no núcleo das células de um organismo, no interior dos cromossomos, menos nas hemácias (glóbulos vermelhos), que não possuem núcleo.
É no DNA que toda a informação genética de um organismo é armazenada e transmitida para seus descendentes.
Uma das características mais importantes do DNA é sua capacidade de se duplicar, o que ajuda a preservar o material genético de uma célula durante sua divisão.
Com exceção de gêmeos univitelinos, o DNA de cada indivíduo é exclusivo. Para saber a paternidade de uma criança, faz-se o teste de DNA, que vai confirmar sua origem genética.
GENE
É a unidade funcional da hereditariedade. Cada gene é formado por sequência específica de dois dos tipos de ácidos nucleicos: DNA e RNA, portadores de informações genéticas, que proporcionam a diversidade entre os indivíduos.
Os Genes, quando em células reprodutivas, passam sua informação para a próxima geração.
CROMOSSOMOS
São as estruturas no interior do núcleo de cada célula, resultantes do enrolamento do DNA em torno de proteínas (histonas) e compactação. Seus formatos lembram a letra “X”, mas só visíveis no momento em que as células vão se dividir.
CÉLULAS HAPLÓIDES
Células com conjunto simples de cromossomos. As células usadas na reprodução sexuada, em geral, contém um só conjunto de cromossomos.
Durante a fertilização as células haploides, feminina e masculina, se combinam formando as células diploides.
CÉLULAS DIPLÓIDES
Células que contêm conjunto duplo de cromossomos.
Normalmente, seres humanos possuem 23 pares de cromossomos, sendo que, em cada um destes pares, metade é herdada da mãe e a outra metade, do pai.
Nesse conjunto de 23 pares de cromossomos, existe um par de cromossomos sexuais, que é diferente dos outros, e define o sexo da pessoa. Homens têm um cromossomo X e um Y, e mulheres têm dois cromossomos X.
GENOMA
É um código genético, que possui toda a informação hereditária de um ser, e é codificado no DNA. É o conjunto de todos os diferentes genes que define como vai se desenvolver e funcionar esse ser.
O genoma é transmitido de geração em geração e determina a espécie do ser. No genoma encontram-se gravadas características hereditárias encarregadas de dirigir o desenvolvimento biológico de cada indivíduo, inclusive as doenças hereditárias.
É o conjunto de cromossomos de uma célula diploide. É a coleção total de genes de uma célula haploide.
GENOMA HUMANO
Consiste na sequência dos 23 pares de cromossomos que se encontram dentro do núcleo de cada célula diploide do ser humano. O genoma humano é constituído por aproximadamente 25.000 genes.
MITOCÔNDRIAS
São organelas celulares, que só se transmitem da mãe à prole, com estruturas permanentes, envoltas por membranas, localizadas fora do núcleo e com a função de gerar energia necessária às atividades das células.
Esse processo de geração de energia é conhecido como respiração celular e consiste na quebra da glicose necessária à atividade celular, com a introdução de oxigênio para separação do carbono e formação do gás carbônico.
A sua função é vital para a célula, sem a qual há morte celular. Cada mitocôndria contém DNA mitocondrial e a comparação de suas sequências revela evolução histórica da molécula.
O DNA mitocondrial difere do material genético encontrado no núcleo das células não só em relação à localização, mas também no tocante a quantidade de moléculas por célula, tipo de herança (exclusivamente materna) e sequência.
HAPLÓTIPOS
São blocos de genes do cromossomo Y e do DNA mitocondrial transmitidos às gerações, que permanecem inalterados em linhagens paternas e maternas, até que ocorra mutação. Assim, mutações durante a evolução humana geram variações dos haplótipos, que servem como marcadores de linhagem.
Tanto o segmento exclusivo do cromossomo sexual Y, quanto o DNA mitocondrial não trocam genes com outros segmentos genômicos, permanecendo inalterados até que ocorram mutações.
O cromossomo Y é transmitido através do espermatozoide paterno apenas para filhos homens e o DNA mitocondrial é transmitido através do óvulo materno para filhos e filhas. Ou seja, o cromossomo Y e o DNA mitocondrial são herdados de apenas um dos pais.
Como, para ocorrer mutações é necessário muito tempo, entende-se o porquê do cromossomo Y e o DNA mitocondrial permitirem traçar linhagens paternas e maternas, que alcançam dezenas de gerações.
De forma muito simples, podemos afirmar que todos os haplótipos existentes derivam de haplótipos ancestrais que, à medida que os homens migraram para novas regiões, o conjunto inicial de genes foi sendo alterado por mutações, o que gerou novos haplótipos, cada um comportando-se como linhagem evolutiva independente.
As pesquisas genéticas construíram banco de dados que caracterizam as regiões consideradas mais antigas: África; Ásia e Europa.
CONSTITUIÇÃO GENÉTICA DO BRASILEIRO
O censo geográfico de 2000, com a utilização do critério de autoclassificação, concluiu sobre nossa constituição: 53,4% de brancos; 38,9% de pardos; e 6,1% de pretos. No conceito tradicional, pardo é sinônimo de mulato.
A genética, com o uso dos marcadores genômicos, revelou que a esmagadora maioria das linhagens paternas da população do país veio da Europa, mas, as linhagens maternas no Brasil mostraram distribuição bastante uniforme, quanto às origens geográficas: 33% de linhagens ameríndias, 28% de africanas e 39% de europeias.
Historiadores e sociólogos já haviam chegado à conclusão semelhante: o povo brasileiro tem herança de pai branco e mãe indígena ou negra.
A miscigenação aqui se deu de forma muito ampla. Mesmo que, ainda, não queiramos assumir, somos povo mestiço.
Somos tão misturados que a cor da pele não é fator confiável para definir ancestralidade. A cor da pele conta pouco sob a constituição genômica de nosso povo e de cada brasileiro. Difícil encontrar brasileiro de pele branca que não tenha, na sua constituição genética, herança africana ou indígena. De mesma forma pessoa de pele escura que não tenha herança europeia e indígena.
Devido a grande extensão territorial do Brasil e suas diferentes regiões, nessas também ocorrem diferenças de constituição genética, decorrentes da maior presença europeia, indígena ou africana. A região sudeste foi a única que apresentou equilíbrio nas frequências, considerando as três origens geográficas das linhagens encontradas.
Somente a título de ilustração, a seguir resultados de teste de ancestralidade realizado em celebridades brasileiras que se classificaram como negras, ou pardas, no questionário de nossos censos:
- o sambista carioca Luiz Antônio Feliciano Marcondes, o Neguinho da escola de samba Beija-Flor, 67,1% europeu; 31,5% africano; e 1,4% ameríndio;
- a ginasta Diana dos Santos, 40, 8% europeia; 39,7% africana; e 19,6% ameríndia; e
- a atriz Ildimara da Silva e Silva, Ildi Silva, 71,3% europeia; 19,5% africana; e 9,3% ameríndia.
Ainda, a título de ilustração, algumas conclusões a que chegaram estudo sobre a constituição genética do brasileiro em nossas regiões:
- a maioria das linhagens mitocondriais (maternidade) no Norte, 54% é ameríndia; 44% no nordeste é africana; e no sul 66% é europeia; e
- com base nos resultados regionais e em proporções a suas respectivas populações concluiu-se, com base no censo de 2000, que: pelo lado materno, entre os 90.647.461, que se classificaram como brancos, há aproximadamente 30 milhões que são descendentes de africanos e um número equivalente de descendentes de ameríndios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início do século XIX o Brasil foi espaço para diversas teorias raciais - muitas das quais sob um viés negativo. Destaca-se a contribuição de Conde de Goubineau, que dizia: caso a nação continuasse com seus hábitos de mestiçagem a nação seria extinta em menos de 200 anos.
Há outros teóricos que acreditam que a mestiçagem tem aspectos entendidos como positivos - pois permite o branqueamento da raça negra.
Em ambos os casos há uma visão preconceituosa da mestiçagem. Contudo com o projeto Varguista da década de 30 para a construção da identidade do brasileiro, a visão sobre o mestiço foi transformada no ideário brasileiro.
Assim os mulatos foram vistos de formas diferentes conforme o transcorrer dos tempos, as transformações do pensar humano bem como o desenvolvimento da ciência e da tecnologia.
Hoje com o desenvolvimento da genética somos arrebatados para o entendimento de que o conceito racial com base em características físicas perdeu sentido e ganha cada vez mais força o conceito de etnia.
Somos convencidos de que, preponderantemente, somos filhos de pai europeu com mãe asiática, ou africana. Que somos realmente fruto de intenso caldeamento racial e étnico, dando lugar a esse povo mestiço e diverso.
Em nosso entendimento a grande diferença entre a autoclassificação dos censos e a realidade genética deriva em primeiro e mais importante fato de não existir a alternativa mestiço no censo. Em segundo, por uma espécie de defesa psicológica. Muito difícil assumir a solidão, mesmo que de maioria, que não tem raça definida. Muito difícil assumir a solidão de, durante muito tempo, fazer parte de profundo caldeamento étnico ainda em formação, mais que já poderíamos antecipar e batizá-la etnia Brasil.
Corajosamente, prevemos que o termo mulato deixará de ser representativo da mistura entre branco e negro, mas a caracterização de um dos tons entre o caleidoscópio de tons de pele dos mestiços brasileiros. Ainda, servirá, dependendo da entonação dada, para representar mitos dessa beleza nossa gerada no ventre do período colonial.
FONTES:
bbc.com;
revistapesquisa.fapespp.br;
scielo.br;
superabril.com.br; e
zh.clicrbs.com.br.