O Mulato na Hierarquia Social

INTRODUÇÃO

Como argumentamos no primeiro dos quatro artigos, sobre mulatos no Brasil, foi para reduzir a extensão do conteúdo num só artigo, que resolvemos dividi-lo no anterior, “O Mulato em Nossa História’; neste, “O Mulato na Hierarquia Social”; “Galeria de Mulatos Ilustres”; e “ O Mulato om o Desenvolvimento da Genética”.

Repetimos, ainda, que os três primeiros tentarão tratar seus objetos discorrendo-se, sempre que possível em forma cronológica, pois foi o tempo o elemento transformador do momento inicial, o período colonial.

Devemos ter sempre em mente que: de 1533, data que se tem como a de chegada ao Brasil dos primeiros escravos, até os dias atuais é longa história e significativas as respectivas transformações em nosso regime político, no pensar humano, na ciência e na tecnologia.

Assim, aquele mulato do período colonial facilmente localizado na hierarquia social, foi nesses mais de cinco séculos diversificando-se em termos de características raciais e espalhando-se pelos níveis de nossa sociedade hierarquizada. Além disso, a partir de 1824, na primeira Constituição, as pessoas foram reunidas juridicamente em categoria única, a dos cidadãos. Desse modo, após 1824, o estudo dos mulatos deve ser diferenciado daquele referente aos séculos XVI, XVII e XVIII.

Neste segundo artigo a intenção é dar ideia de como era a hierarquização social do período colonial até 1824, bem como estender pouco mais após 1824, mas que conservavam os mesmos valores para delineamento da hierarquia social, mesmo influenciada pelo conceito de cidadania.

Enfim, damos um salto à atualidade com a mudança dos valores delineadores e numa forma pouco acadêmica, mas didática, apesar de empírica, apresentamos estratificação social no século XXI.

O MULATO NA HIERARQUIA SOCIAL

NO PERÍDO COLONIAL ATÉ 1824

Como já destacamos, durante o período que antecedeu a 1824, data da criação da primeira Constituição do Império do Brasil, o termo mulato era também utilizado para designar casta de gente.

Nesse período, em termos gerais dividia-se a sociedade em nobres e não nobres. Compunha os não nobres os peões de cujo grupo os mulatos pertenciam. Entretanto, além dessa divisão, existia outra cujo parâmetro era o racial.

Características Da Nobreza

Para ser nobre era necessário ter patrimônio, mas não era suficiente.

Além de ter patrimônio, deveria casar-se com pessoa de posição social de prestígio. Nos casos dos homens, na inexistência de pessoa de mesmo nível social, era possível contrair matrimônio, à moda da terra, com índias, e legalmente, isto é na igreja.

Já o casamento com negros escravos e seus descendentes, mesmo forros e livres, tornava-se empecilho para ascensão social. Nos artigos relacionados à Chica da Silva e ao Contratador de Diamantes ficam claros, que a escravidão na ancestralidade fazia diferença e dificultava a mobilidade social.

A nobreza dos trópicos estava fundamentada, também, na possibilidade de se ocupar qualquer emprego de distinção e honra nos cargos da república. Todavia, em tese, naqueles que aspiravam aos mais estimados cargos da república, nas suas veias, jamais poderia correr sangue das raças infectas – como então se dizia –, quais sejam: judeu, mouro, ou negro.

A seguir destacaremos aspecto legal baseado no direito romano herdado pelo colonizador, quando dominado pelos romanos. Aspecto que ilustra mais outro empecilho para os filhos de negra, escrava ou forra.

Princípio Da Hereditariedade Do Cativeiro

Os mulatos, em tese, deveriam herdar ou seguir a condição social de sua mãe. É o que parece querer dizer o axioma jurídico do direito romano antigo, de quem Portugal era legatário: partus sequitur ventrem.

O aforismo significa literalmente: o parto segue o ventre, não importando o estatuto social do pai, quer dizer, a condição da criança segue a mesma do ventre gerador, não importando se é negro, branco, cativo, livre, etc.

Entretanto, para contrapor-se a esse princípio, na época, ocorreu indecisão em sua aplicação. Essa quebra do princípio teve uma série de consequências. De um lado, gerou a necessidade de se entender o tipo a partir de outras categorias, que não aquelas derivadas somente da nódoa do servilismo: conduta moral, cor da pele... De outro lado, abriu espaço para partilhas sociais baseadas em princípios mais instáveis e circunstanciais: ser filho de fulano ou afilhado de beltrano, ter uma tonalidade de pele mais clara e assim por diante.

A complicação, com a desobediência do princípio da Hereditariedade do Cativeiro, consistiu em que os mulatos foram movidos do estado de servilismo, o mais abjeto de todos, para os estados mais estimados, visto que seus pais pertenciam aos estamentos superiores da achatada pirâmide social do período colonial.

Assim o princípio em que se baseava em seguir a condição social da mãe era invertido para a condição social paterna. Essa mobilidade social abrupta, vertiginosa e as vantagens dela decorrente, foi uma das razões que influenciaram alguns caracterizarem o Brasil daqueles tempos como: “o paraíso dos mulatos, purgatório de brancos e inferno de negros”.

Quebrado esse princípio, os mulatos, em sua construção, optaram ou conformaram-se com o estado de servidão, ou a superaram com a inclusão social, sem qualquer reação violenta, para conquista de sua liberdade.

Parte deles optou, antes, por atuar nos corpos militares, nas artes mecânicas (sapateiros, alfaiates, pedreiros, etc.), no comércio, inclusive o torpe, principalmente as mulatas, e em série de atividades menos nobres. Outros alcançaram atividades com nível de estima pouco maior, como o caso do ourives.

Outra parte, ainda, pôde se dar ao luxo de viver à sombra paterna. Nessa situação, puderam desfrutar melhor sorte e, por vezes, passar do estado de servidão para o estado de mimos, ou de nobreza.

Impedimento para Negras e Mulatas Cativas

As mulheres negras e mulatas cativas eram, essencialmente, fornecedoras de mão de obra. Nessa condição, desempenharam as mais variadas funções seja nas roças, nos engenhos, nas casas-grandes, nas vendas e em muitos outros espaços.

Mas não figurou somente nesse espaço do trabalho. Além desse âmbito do labor, figuraram ainda em outro campo: o sexual, ou do ajuntamento carnal, como se dizia na época. Aqui, principalmente as negras cativas ao fazerem parte dos intercursos sexuais, ajudaram a moldar a sociedade brasileira.

Negras e mulatas não podiam contrair casamentos legítimos – à porta da igreja – com homens de honra, ou melhor, nenhum homem que pretendesse manter sua honra e dignidade intacta se atrevia a casar legalmente com negrinha, ou com mulata de práticas ilícitas.

Consideradas tipo socialmente inabilitado para contrair o que na época se considerava matrimônio honrado, só lhes restou a amizade ilícita com os homens brancos e com forros senhores de escravas.

A “vida conjugal”, com negras, ou mulatas, dava-se assim à margem da legalidade.

MULATOS COM A EVOLUÇÃO DAS ESTRATIFICAÇÕES SOCIAIS

Para o enfoque que pretendemos dar ao artigo, iremos tomar como ilustrações exemplos, cuja divisão da hierarquia social leve em consideração os aspectos raciais.

Entretanto, cabe aqui a ressalva de que desde o período colonial até os nossos dias, as classes sociais foram sendo modificadas. Reduziu-se a importância do fator estima e prestígio em função de fator econômico: renda e patrimônio.

RAYMUNDO JOZÉ DE SOUZA GAYOZO (1825-1900)

Divide a sociedade maranhense em cinco classes:

A primeira e que merece mais consideração, os filhos do reino;

a segunda, “nacionais, ou filhos de europeus”;

a terceira, formada por “geração misturada, europeu com negra ou com índia”; e

a quarta, classe de negros; e

por último, a quinta, os índios.

JEAN BAPTISTE DEBRET – 1768 – 1848

Como resultado de investigação sobre a população brasileira, publicou classificação hierarquizada, de modo decrescente, de acordo com: a importância social atribuída a cada “raça”, pelo governo português; e o grau de civilização:

1 - Português da Europa, português legítimo ou filho do Reino;

2 - Português nascido no Brasil, ascendência mais ou menos longínqua, brasileiro;

3 – Mulato, mestiço de branco com negra;

4 - Mameluco, mestiço de branco com índia;

5 - Índio puro, habitante primitivo; mulher, china;

6 - Índio civilizado, caboclo, índio manso;

7 - Índio selvagem, no estado primitivo, gentil, tapuia, bugre;

8 - Negro de África, negro de nação; moleque, negrinho;

9 - Negro nascido no Brasil, crioulo;

10 - Bode, mestiço de negro com mulato; cabra, a mulher; e

11 - Curiboca, mestiço de raça negra com índio.

A intenção do artista foi mostrar como os portugueses entendiam a questão do estatuto social, determinado por valoração étnica. Deste ponto de vista, o mulato, filho de branco com negra, desfruta situação privilegiada. Essa hierarquização coincidia com proposição anterior de Gayoso, no que diz respeito aos mulatos.

Observamos que a mais valorizada era o português e a menos, o índio, que era o responsável pela última das classes sociais, quando se misturava com o negro, o curiboca.

Entretanto, essa configuração hierárquica racial da sociedade, intimamente relacionada à estima e prestígio, como já afirmamos, foi sofrendo alterações e chegamos aos dias atuais, em que as classes sociais são discriminadas pela renda e patrimônio.

De forma didática, mas que expõe nossa realidade, poderíamos dizer que as classes sociais no Brasil são:

1 - Os Excessivamente Ricos, patrimônio acima de 250 milhões de dólares e renda mensal acima de 130 mil dólares;

2 - Os Bastantes ricos, patrimônio acima de 30 milhões de dólares e renda mensal acima de 30 mil dólares;

3 - os Ricos, patrimônio acima de 5 milhões de dólares e renda mensal acima de 15 mil dólares;

4 - Média Alta, patrimônio acima de 2 milhões de dólares e renda mensal acima de 10 mil dólares;

5 - Média Patrimônio, acima de 200 mil dólares e renda mensal acima 2 mil dólares;

6 - Média Baixa - patrimônio acima de 40 mil dólares e renda mensal acima de 400 dólares;

7 - Pobre - patrimônio até 40 mil dólares e renda mensal acima de 100 dólares;

8 - Bastante Pobre - sem patrimônio e renda mensal até o salário mínimo;

9 – Miseráveis, sem patrimônio, sem renda e mantidos por benefícios sociais - bolsas; 10 - Excluídos, sem renda, sem patrimônio e não incluídos em nenhum programa social.

CONCLUSÃO

A estratificação social caminhou de excessivamente influenciada pela condição de escravo bem como pelo prestígio e estima das funções exercidas (quanto mais próximas do rei de Portugal mais estimadas e prestigiadas), para outra excessivamente influenciada pelo patrimônio e pela renda do cidadão.

Certamente que existe ainda a influência do prestígio da função exercida, mas certamente essa irá resultar em diferenciação em patrimônio e renda mensal.

Percebemos que as características raciais perderam sentido na estratificação social. Entretanto, não é permitido esquecer que a herança proporcionada em termos de patrimônio, renda e preconceito, torna a vida de índios e negros integrados, ou assimilados pela sociedade brasileira, bem mais difícil.

O próximo artigo “Galeria de Mulatos Ilustres” é complementar a este e ao anterior e, com isso, avançamos em nosso objetivo, registrar pesquisa sobre os mulatos no Brasil.

FONTES

LIVROS:

Casa Grande e Senzala – Gilberto Freire; e

Chica da Silva e o Contratador de Diamantes - Júnia Ferreira Furtado

SITES:

blogs.oglobo.globo.com;

franca.unesp.br;

terramagazine.terra.com.br; e

pt.wikipwedia.org

J Coelho
Enviado por J Coelho em 07/11/2016
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