Ouro! Tem, mas não há.
No início, eu respeitava demais a adversária na esgrima. Hoje vou para cima. Afinal, eu também tenho espada para enfrentá-la.
(Yane Marques - Penta Atleta - ouro - Rio PAN 2007).
Se você for fazer compras em Angola, África, língua portuguesa, tome cuidado ao perguntar por um produto. Arriscará obter como resposta: “Tem, mas não há”. Sabe o que significa? A loja trabalha com a mercadoria, mas no momento está em falta.
Em minhas observações, tenho comprovado a cada vez mais crescente, necessidade da auto-superação. Somente depois de a pessoa vencer a si mesma, capacita-se a se tornar vitoriosa na disputa com uma celebridade.
Carlo chegou a São Paulo, sem saber ler nem escrever. Literalmente analfabeto de pai e mãe, sequer conseguia assinar o nome. Ao fazer 18 anos, beijou seus pais dizendo:
-- Vou pra São Paulo. Aqui no interior, todo mundo fala que meu nome ta errado e pergunta se ninguém em minha casa sabe ler. Vou voltar com dinheiro.
Com muito sacrifício, Carlo, conseguiu uma vaga de faxineiro, em um prédio residencial de uns angolanos, na periferia de Sampa.
Passado um ano, nenhuma oportunidade lhe fora dada no local de trabalho. Apelidado de Italiano, por causa do nome e da pele branca, o jovem agora estava com a auto-estima mais elevada do que medalhista de ouro dos jogos Pan Americanos.
Não aceitando esperar troca de presidente ou outra copa do mundo, para tomar uma atitude, resolveu se lançar. Conseguiu ser corretor de imóveis e hoje, formado em contabilidade, contempla seus cinco apartamentos próprios alugados, no bairro de Moema e dezenas flats, que lhe foram confiados pelos proprietários para venda.
De volta ao sertão para visitar a família, Carlo estava conversando com eles sobre seu nome, que lá era tido como errado e lhe rendera prestígio na cidade grande, quando seu pai explicou:
-- Meu fio. Aqui o pessoá é ingnorante. Tudo anarfabeto, crusive eu. Quando fui tirá teu registro de nascimento, o anotador de livro, disse que o nome tava errado. Tive que falá pra ele, que teu nome era intaliano.
-- Papai. Porque você pôs esse nome? Se colocasse o “S” não seria mais fácil? – indagou Carlo.
-- Nada, fio. A vida do anarfabeto é tão miserávi, que só sabe falá no singulá. Fiinho, tu trouxe os 10 mil real pra comprá os boi do seu Zé? ...
Até encimar a cabeceira dos resultados, seu caminho poderá ter sido longo ou não. O sucesso será diretamente proporcional ao método e à dedicação empregados, na análise de problemas e sua transformação em amplas oportunidades.
Nuno Trigueiro, diretor da Federação Pernambucana de Pentatlo Moderno, referiu-se a Yane Marques, assim: uma das suas principais características é que sempre está em busca de mais. Esse pode ser seu diferencial.
Em menos de 4 anos, a jovem que não sabia andar a cavalo, nunca havia dado um tiro e jamais tivera contado com a esgrima, arrojou-se em empenho, dedicando-se além do possível, para tomar posse de algo aparentemente inviável. Não tivesse agido desse modo, seu talento seria caracterizado como a expressão angolana: Tem, mas não há. Ou seja, tem medalha no Pan, mas não pendurada no seu pescoço.
O ouro foi visitar Afogados da Ingazeira. Aos 36000 habitantes dessa cidade do sertão pernambucano, juntam-se agora, milhões de brasileiros, que com os corações abertos, comemoram, a vitória de sua ilustre filha, penta atleta, Yane.
Seria engraçado se na hora de pagar os bois, Carlo preenchesse o cheque e a moça que fosse receber, falasse:
-- Seu Carlos. Seu nome não tem “S”?
Mais divertido ainda, seria a resposta angolana de Carlo:
-- Tem, mas não há.
Assim como o podium é desejo de todos e conquista de poucos, muitos carregam a tocha e somente um acende a pira.
É como uma Pentatlon do primeiro mundo participando do Rio Pan 2007, após um treino de 10 anos nas cinco modalidades esportivas, ser questionada pelos resultados. Não será difícil percebendo que rolou a medalha para Yane Marques, resumir seu infortúnio para a imprensa assim:
-- Ouro? Tem, mas não há.