A turma sonhada
Turma sonhada
Publicado na revista Com Japona, da AACN-51, nº 35, (edição comemorativa dos 65 anos do Colégio Naval, outubro de 2016)
Com razoável certeza, posso afirmar que faço parte do rol dos candidatos que mais concursos prestaram para o Colégio Naval e depois para a Escola Naval. Queria ser Oficial da Marinha. Queria muito. Ou foi “praga de madrinha” ou impercebida burrice radical. De longe, no entanto, frequentei o Colégio Naval – meu irmão mais velho, à época capitão de corveta Calos Borba, serviu lá de julho de 1956 a julho de 1958. Morando numa casa grande hospedava a família. Sempre estava lá, quase todos os fins de semana, viajando nos ônibus da Viação Cidade do Aço. Mergulhava, saia em longos passeios de “canadense”, pescava, e aos sábados Carlos me levava para navegar no barco a vela, um classe Guanabara, e lá íamos contornar a Ilha do Maia, seguíamos até o costão leste da Gipóia, a baia de Jacuecanga era bem conhecida. Aprendi a velejar naquelas águas.
De longe acompanhava os colegas que haviam frequentado o “cursinho” do Comte. Ayrton Augusto Lobo de Carvalho, que funcionava em Copacabana, no Colégio Mallet Soares, e haviam sido aprovados no exame de seleção. Depois foram as tentativas para a Escola Naval e, finalmente, desatraquei do sonho e tomei outros rumos. Em 1960 ingressei no antigo CIORM – Centro de Instrução de Oficiais da Reserva da Marinha, criado em 1952 pelo Almirante Renato de Almeida Guilhobel, então Ministro da Marinha.
Tivemos uma viagem de instrução do 1º ano no Soares Dutra, (G22), e o estágio como guardas marinhas nos contratorpedeiros classe A. Embarquei no Apa, (D13), em janeiro e fevereiro de 1963 e foi uma “faina de lona e areia”, uma “voga picada” o tempo todo. Nossa formação marinheira era muito limitada e os oficiais não tiravam o olho de nós, “auxiliares do oficial de serviço”, pois, com sabedoria, não confiavam no que poderíamos fazer, principalmente quando em navegação... O grupo destilatório do navio “dava o fora” dia sim dia não. Ficamos á matroca ao largo da Ilha Bela e outra vez ao largo de Salvador. Mas foi um bom estágio. No decreto de promoção da turma à 2º tenentes, em março de 1963, assinado pelo Presidente João Goulart e o Ministro Almirante Pedro Paulo de Araujo Suzano, fui o cabeça de turma.
Acompanhei as “minhas turmas” por anos. Fiquei muito amigo, até hoje, do Paulo Roberto Aguiar Marques (CMG-CA) e do João Alfredo Poeck (CMG-FN). Estudei matemática, me formei em Economia na PUC Rio, fiz cursos no exterior. Fui Presidente do IBGE, dirigi a Escola de Administração Fazendária, participei da política, (até fui candidato a deputado constituinte por Brasília, em 1986). Trabalhei com o Dr. Tancredo, com o Franco Montoro e Mario Covas, dei aulas na PUC RIO e lá fui Vice Reitor. Lidei com as mantenedoras das escolas e universidades católicas, escrevi alguns livros, aposentei-me e voltei para o meu Rio Grande do Sul. Hoje me escondo na serra gaúcha, em Ana Rech, (um bairro afastado de Caxias do Sul), onde faz um frio danado, de vez em quando neva, uma área de proteção ambiental belíssima. Escrevo, ouço musica, leio e releio os livros que me seduziram durante toda minha vida: Moby Dick, Vinte Anos ao Pé do Mastro, Mar Cruel (excelente), A Guerra no Mar, os livros do Joseph Conrad que tratam de marinheiros e do mar, e o A bordo do Contratorpedeiro Barbacena, que recomendo fortemente pois retrata a vida a bordo de um os nossos classe B, (fictício), durante a 2ª guerra com perfeição, (Editora Catau, 1994, Almirante João Carlos Gonçalves Caminha).
Voltei a ter maior contato com a Marinha quando fui Secretario Geral Adjunto do Ministério da Educação. Então conheci o Almirante Henrique Sabóia, Ministro da Marinha, representando o MEC no Conselho Interministerial para os Recursos do Mar – CIRM, do qual o Ministro era assíduo e atento presidente. Consegui desenvolver alguns projetos como os de aumentar as bolsas no exterior para doutorado, em oceanografia e glaciologia. Visitei a nossa base na Antártica e, para minha felicidade recebi, do Ministro da Marinha a Ordem do Mérito Naval, que, usando paletó e gravata, ostento o botton com grande orgulho.
Quando o Aguiar me falou do Com Japona e se eu queria escrever alguma coisa para a revista, aceitei na hora. Talvez seja uma ultima oportunidade para um fugidio olhar, uma vez mais, de longe, para uma turma da qual tentei fazer parte, mas que, ao longo da vida, apenas a visualizei por instantes. Pertencer a uma turma é importante – só quem a uma pertence sabe o seu valor: - na intimidade, exclusiva dos seus relacionamentos, além de amizades - a fraternidade que se consolida - sabe-se que ali, na turma, se preserva o maior tesouro de um grupo que um dia foi jovem: os sonhos, que são só deles, só eles sabem o que significam e mais ninguém. Agora na névoa do entardecer, enquanto navego em mar de pequenas vagas, rumo 270, com a Prep 1 já içada para a cerimônia da bandeira, a silhueta tênue da turma sonhada pouco a pouco vai se esvanecendo, numa imagem melancólica e feliz, pelo través de boreste...
Eurico de Andrade Neves Borba, 75, aposentado, escritor, 2ºTen. RNR, mora em Ana Rech, Caxias do Sul, RS.