A Vida do João de Chica da Silva, o Contratador, no Tejuco

INTRODUÇÃO

Conforme registrado no artigo “Cenário da Vida de Chica da Silva”, por ficar muito extenso a narrativa sobre o casal Chica da Silva e o Contrador de Diamantes, as informações seriam divididas em três artigos.

O primeiro, “Cenário da Vida de Chica da Silva”, o segundo “Chica da Silva” e um terceiro, “O Contratador de Diamantes” que, pela mesma razão de ficar muito extenso, dividimo-lo em outros três: “A importância do pai na vida do Contratador”; A vida do Contratador no Tejuco”; e “O retorno do Contratador a Lisboa e a separação de Chica.”

Pelo fato desses artigos estarem inter-relacionados, é indispensável para melhor entendimento a leitura do primeiro, de forma que nos apropriemos dos costumes praticados no Distrito de Diamantina, na capitania das Minas Gerais da Colônia, onde viveu o casal escolhido, para símbolo da mestiçagem em preto e branco, que é o objeto de nosso trabalho de 2014/15.

Reafirmamos que, por ter sido o livro “Chica da Silva e o Contratador de Diamantes” de autoria de Júnia Ferreira Furtado, o mais convincente encontrado em nossa pesquisa, a maioria das informações registradas neste artigo tem essa obra como fonte.

Neste artigo, “A vida do Contratador no Tejuco”, continuação do anterior, “A importância do pai na vida do Contratador”, o objetivo é informar sobre: a atuação na gestão dos contratos, a compra, alforria e a união com Chica da Silva; e a atuação marcante na sociedade Tejucana. Além disso, sua coragem em contrariar as expectativas depositadas no jovem “bom partido” e construir vida estável, como se fosse casado com a ex escrava Chica da Silva.

O JOVEM DESEMBARGADOR CHEGA AO TEJUCO

O quarto contrato diamantino entrou em vigor em janeiro de 1753. João Fernandes Oliveira, o pai, preferiu continuar em Portugal e decidiu enviar o filho, para cuidar diretamente da exploração dos diamantes no Tejuco.

O jovem desembargador, deixando para trás a carreira eclesiástica para a qual também se habilitara, mas ficara inconclusa, saiu do porto de Lisboa a fim de representar o pai na condução do novo contrato. Era um rapaz, cuja trajetória, cuidadosamente planejada por seu pai, visava ascensão e reconhecimento social.

Enquanto isso, os acontecimentos se precipitavam no Tejuco: prisão do Contratador anterior e de seus sócios e a destituição do Intendente dos Diamantes. Prudente, passou alguns dias no Rio de Janeiro, para se recuperar da travessia marítima e esperar as definições no arraial do Tejuco.

Foi em agosto de 1753, que o jovem desembargador João Fernandes de Oliveira chegou ao Tejuco, para representar seu pai, o sargento-mor João Fernandes de Oliveira que, do Reino, havia arrematado o quarto contrato dos diamantes.

A ATUAÇÃO NA GESTÃO DOS CONTRATOS

João Fernandes chegou ao arraial no início de setembro e, no dia 5, tomou posse o novo Intendente dos Diamantes, Tomás Robi de Barros Barreto, que recebera ordens de se entender com o Contratador dos Diamantes, pois as desavenças entre os antigos ocupantes desses cargos acarretaram prejuízos enormes à Coroa.

Tão logo assumiu seu posto, o Intendente dos Diamantes tratou de conhecer o Contratador e seus sócios.

Desde janeiro de 1753, o contrato diamantino vinha sendo administrado pelo representante José Álvares Maciel, velho amigo e aliado do sargento-mor no Tejuco. Entretanto, o desembargador apoiado pelo sócio e de posse de procurações assinadas por seu pai, tinha a incumbência de assumir tal posto.

Seguindo as ordens régias, o Intendente dos Diamantes suspendeu o contrato e obrigou José Álvares Maciel a entregar o cargo ao jovem desembargador.

Ao assumir a função de Contratador no arraial, o desembargador João Fernandes organizou a exploração diamantina e investiu para que a exploração ilegal fosse reprimida. Nesse sentido, no início, contou com o apoio do Intendente dos Diamantes, que tão logo assumiu o posto, tomou providencias e abriu devassa.

Nos anos seguintes, os governadores o auxiliaram ao ordenar o sequestro dos bens de devedores do contrato, cobriram necessidades financeiras e enviaram soldados para o patrulhamento do continente dos diamantes.

A gestão dos contratos gerou crescimento dos lucros tanto para o jovem desembargador como para o rei. Conquistou, assim, como seu pai, a confiança de Sebastião José de Carvalho e Melo, o poderoso Marquês de Pombal. Pai e filho ascenderam na sociedade portuguesa, no período em que Pombal esteve à frente da administração, em que buscou reunir os interesses do reino com os da emergente classe mercantil.

A COMPRA, ALFORRIA E A UNIÃO COM CHICA

Pouco depois de chegar ao Tejuco e assumir suas funções, o desembargador João Fernandes de Oliveira, comprou a escrava Chica por 800 mil réis de Manuel Pires Sardinha.

Tudo leva crer que o Contratador de Diamantes tinha como objetivo fazê-la companheira, pois passados alguns meses, a relação entre eles já se iniciara e, em 25 de dezembro do mesmo ano, a carta de alforria de Chica foi registrada na Vila Príncipe.

A alteração de propriedade de Sardinha para o jovem desembargador alterou profundamente a vida de Chica, pois de escrava parda, passou a forra. Mais do que isso, de uma relação de senhor e sua propriedade, nasceu relação de mulher livre com um dos mais importantes homens do Tejuco.

Por outro lado, o jovem João Fernandes, solteiro, de boa vida e costumes, coberto de nobreza e representante de seu pai no quarto contrato de diamantes, era o que se podia chamar de “bom partido”. Porém, contrariando todas as previsões, ao chegar ao Tejuco, iniciou envolvimento com Chica da Silva, escrava, parda, a quem ficou ligado até a morte.

Os laços que João Fernandes firmara, dos quais Chica da Silva como sua consorte desfrutava, incluíam a elite branca do arraial. Os poderosos retribuíam em serviços a proteção e os favores concedidos pelo Contratador de Diamantes, ao qual, em nome da gratidão, estavam permanentemente ligados.

Apesar de ficar demonstrado que, mesmo depois da partida do Contratador de Diamantes para Lisboa, Chica continuou com prestígio e penetração social no arraial, é fato que a enorme influência política e logo depois a econômica e social do jovem João Fernandes facilitaram a vida de Chica, tanto nos aspectos econômicos como sociais.

Na vida econômica além de ter facilitado as rendas com os aluguéis dos escravos do plantel de Chica para a exploração de diamantes, grande parte do patrimônio construído pelo jovem desembargador foi herdado por Chica e seus descendentes.

No aspecto social, a Casa de Palha pertencente ao casal serviu tanto para difusão cultural como de aproximação social com as cerimônias de casamento e batismo lá realizadas.

João Fernandes, Chica da Silva e seus filhos foram membros das principais irmandades do Tejuco, local de reconhecimento social, nas quais chegaram a ocupar cargos de direção. Estiveram presentes em quase todas, fossem irmandades de brancos, mulatos ou negros.

CONSTRUÇÃO DE REDE DE RELAÇÕES E DA IMAGEM

Para que o Contratador fosse amado e respeitado, além de pertencer ao círculo dos poderosos, era necessário atuar em várias frentes, que resultariam em estabelecer rede de sociabilidade e construção de imagem reconhecida pela sociedade tejucana.

Para tanto era indispensável: a participação na vida social; a utilização de símbolos de distinção social; e a participação na vida religiosa. Além disso, sem esquecer a prática de caridade, indispensável para o reconhecimento de sua grandeza.

A caridade para com os mais pobres não era apenas ato cristão e obrigação dos ricos, era também forma de reconhecimento social da época.

PARTICIPAÇÃO NA VIDA SOCIAL

Em 24 de novembro de 1753, logo após ter chegado ao Tejuco, o desembargador João Fernandes compareceu pela primeira vez a cerimônia de batismo. Começava assim a estabelecer, pelas relações de compadrio, as conexões necessárias com a elite local.

No início do ano seguinte, pela primeira vez, o desembargador apareceu na celebração de casamento ao lado do sargento-mor José da Silva de Oliveira, velho amigo de seu pai, em cerimônia realizada na igreja matriz de Santo Antônio. O jovem Contratador, recém-chegado, foi assim apresentado à sociedade local, acompanhado de um dos homens mais importantes do arraial.

Enquanto esteve no Tejuco, o desembargador João Fernandes foi padrinho de casamento de filhos da elite branca, bem como de crianças nascidas dessas uniões.

Em 20 de abril de 1766, pela primeira vez, a celebração se deu na ermida que edificara na chácara da Palha, de sua propriedade, nos arredores do Tejuco. Vários casamentos, ritos de reconhecimento social, realizaram-se nessa propriedade.

Nessas ocasiões, estavam sempre presentes, além do Intendente dos Diamantes, as pessoas mais distintas do arraial.

SÍMBOLOS DE DISTINÇÃO SOCIAL

O jovem desembargador deveria impressionar e impor o respeito que exigia sua presença e o importante cargo de Contratador de Diamantes que ocupava. Para tanto utilizava de tudo que poderia distingui-lo socialmente.

Em 1763, fizeram-lhe “honraria do lugar de juiz do fisco das Minas Gerais”. Desse ano em diante, adquiriu o direito de se sentar no primeiro banco em qualquer cerimônia, não só no Tejuco, como na capitania, local mais próximo do governador.

As cerimônias públicas, sobretudo a missa aos domingos eram oportunidades ímpares para tornar pública a posição ocupada na sociedade do arraial. Havia cuidado não só com a vestimenta, mas também com o local que lhes era destinado nos eventos.

Conforme o evento, podia se vestir com o hábito da Ordem de Cristo, ou com o hábito e a capa da Ordem Terceira do Carmo de que era membro, ou com a beca de juiz do fisco das Minas Gerais, o que realçava ainda mais sua importância.

Circular pela cidade era ato estudado, sempre com o propósito de impressionar os passantes e informar o prestígio que desfrutava.

PARTICIPAÇÃO NA VIDA RELIGIOSA

Enquanto viveu como Contratador de Diamantes no Tejuco, além de participar das atividades religiosas, como faziam todos os católicos daquelas comunidades, participava: das missas dominicais, ou em dias consagrados; das procissões e outras celebrações religiosas; ativamente das Irmandades, bem como da formação de seus patrimônios.

As irmandades eram levantadas por meio da invocação ao culto de algum santo, para o qual erigiam altares no interior das igrejas. Funcionavam também como mecanismo de exteriorização social do indivíduo e refletiam a organização hierárquica do século XVIII.

Tanto Chica da Silva como o Contratador e seus descendentes tiveram livre trânsito nas diversas irmandades de brancos, especialmente as do Santíssimo, São Miguel, Nossa Senhora do Carmo do Tejuco, Vila do Príncipe, São Francisco e Terra Santa.

Em tantos eventos de participação do Contratador de Diamantes destacam-se: o apadrinhamento da construção da igreja de Nossa Senhora do Carmo; patrocínio de construção de igreja consagrada a São Francisco de Paula; e sua posterior doação, com a condição de que, a cada sábado, fosse rezada missa em intenção de sua alma, inclusive depois de sua morte;

Por ter patrocinado a construção e doado a igreja, João Fernandes foi eleito o primeiro prior, cargo mais importante da entidade, o qual exerceu até 1767. Em 1798 e 1799, muitos anos depois de sua morte, em retribuição aos favores prestados, a irmandade mandava rezar missas póstumas em sua homenagem, conforme suas disposições testamentárias.

PARTICIPAÇÃO COM PRÁTICAS DE CARIDADE

Foi sempre preocupação do Contratador de Diamantes agir dentro do que era esperado de bom cristão. Além da educação exemplar aos filhos, inclusive com a formação religiosa católica, a participação nos eventos, a participação nas irmandades e as doações patrimoniais bem como as práticas caridosas.

Apadrinhou crianças abandonadas, adultos e crianças forras, em sua maioria nascidas de uniões ilegítimas. Deu proteção às crianças enjeitadas, também chamadas de “expostas”, abandonadas na rua.

Constava entre as obrigações dos contratos diamantinos a manutenção de um hospital, destinado, sobretudo, aos negros que trabalhavam na mineração. Visitava os doentes, não só os do hospital, mas, também aqueles que mandava curar gratuitamente, e atuava para que rendessem graças após terem sido curados.

Com essas ações, garantia a caridade para os necessitados e a deferência para com os iguais, tornava pública sua grandeza, com fraternidade cristã, além de colocar os favorecidos sob sua influência, por meio da gratidão.

FONTES

Livro - “Chica da Silva e o Contratador de Diamantes” de Júnia Ferreira Furtado

Sites:

pt.wikipedia.org; e

iict.pt.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 13/10/2016
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