Modinha
INTRODUÇÃO
Este trabalho, “Mestiçagem em Preto e Branco”, em continuidade ao trabalho anterior “Matriz Brasil”, voltado para nossa ancestralidade indígena, tem a pretensão de completar esboço do que somos nós, mestiço e jovem povo brasileiro.
“Matriz Brasil” dedicou-se à influência Indígena sobre essa etnia em formação, o brasileiro. É nossa intenção com “Mestiçagem em Preto e Branco” tratar de algumas influências das outras duas matrizes básicas de nossas origens, o colonizador português e o negro escravo.
Ao fazermos do gênero musical Modinha, o protagonista dessa narrativa, queremos justamente mostrar como a música brasileira expressa as influências dessas duas matrizes.
Aliás, fizemos o mesmo em “Matriz Brasil”, quando elegemos o “Carimbó” para ilustrar a influência indígena na música brasileira.
A música brasileira mistura elementos de várias culturas, principalmente as chamadas culturas formadoras: a dos colonizadores portugueses (europeia); a dos nativos (indígena); e a dos escravos (africana).
A rica história de nossa música teve início no final do século XVIII e, principalmente, no início do século XIX, com a vinda da Corte para o Rio de Janeiro, quando as cidades começaram a ganhar densidade demográfica e tornaram-se capazes de iniciar a produção dessa música e, principalmente, de cantá-la.
Um dos primeiros registros existentes remonta ao grande poeta satírico Gregório de Matos (1633-1696), que cantava versos obscenos acompanhado de uma viola de arame, para seduzir aquelas escravas, que julgava mais apetitosas do Recôncavo Baiano.
O QUE É MODINHA
A maioria dos pesquisadores brasileiros costuma classificar a modinha como a primeira manifestação popular musical civilizada, tipicamente brasileira. Gênero de música dos salões da corte, fortemente marcado pela influência da ópera italiana, sai das festas dos nobres para os festejos de rua.
Foi Domingos Caldas Barbosa (1739 – 1800) o primeiro a empregar a palavra modinha para designar o tipo de música que cantava. Segundo Mozart de Araujo, enquanto autores portugueses da época usavam o termo genérico de moda para designar as cantigas, romances e árias de salão, que compunham para os saraus da nobreza lisboeta, Domingos Caldas Barbosa, modestamente, designava as suas modas com o diminutivo, modinhas.
A modinha deve a Caldas Barbosa sua popularização, adquirindo, a partir das suas obras, características mais brasileiras.
Modinha é canção popular, urbana, ligeira, despretensiosa e sentimental, marcada pela influência da ópera italiana. A modinha com sua suavidade e romantismo tornou-se o melhor meio de expressão poético-musical da temática amorosa.
Mozart de Araujo afirma que, a partir de 1840, início do Segundo Reinado, a modinha brasileira se diferencia das canções dos outros povos pelo seu conteúdo de lirismo, de ternura, de saudade. Foi dessa modinha que Mário de Andrade extraiu a sua definição lapidar: "A modinha é um suspiro de amor".
À modinha acompanha geralmente texto lírico. Os autores do texto são quase sempre anônimos, mas grandes poetas do romantismo brasileiro escreveram letras para modinhas. Em princípio, era em compasso binário. Depois, por influência da valsa, adotou o ternário, que é hoje o mais utilizado.
O que importa é que este gênero, hoje parte de nossa história musical, deu origem a quase todas as linhas melódicas compostas atualmente na MPB. No samba carioca, por exemplo, que é uma perfeita amostra da miscigenação do povo brasileiro, temos a rítmica completamente afra e a harmonia e melodia típicas das modinhas.
ORIGEM
Os musicólogos discutem, sem chegar a resultados conclusivos, se a modinha nasceu em Portugal ou no Brasil e se é de origem popular ou erudita.
A data precisa do nascimento da modinha é questionada pelos diversos estudiosos, mas há documentos que lhe fazem referência desde 1787. É o caso, por exemplo, de William Beckford, um aristocrata inglês, que em seu Diário registra a data de 14 de junho de 1787.
Segundo pesquisas de Mozart de Araujo, já em 1775, vários historiadores mencionavam a presença nos Palácios de diversas cidades portuguesas, de um brasileiro que, ao som de uma viola de arame, cantava modinhas e lundus - Domingos Caldas Barbosa - e dele eram, provavelmente, as modinhas brasileiras ouvidas por Beckford.
Quanto a ser criação erudita ou popular, o que é certo é que era cantada, com acompanhamento de viola de arame, pelo mulato brasileiro Domingos Caldas Barbosa, na corte de D. Maria I em Portugal.
Caldas Barbosa, para desespero dos eruditos poetas portugueses (Bocage, Nicolau, Tolentino, Filinto Elísio e outros), era uma verdadeira "coqueluche" nos saraus da corte, com suas modinhas e lundus.
O que está firmemente estabelecido é que as melhores modinhas eram as brasileiras e que se tronaram o maior fenômeno musical brasileiro do século XIX.
HISTÓRIA
PRIMEIRO MOMENTO DE GLÓRIA
A modinha teve seu primeiro momento de glória, na década de 1770, quando foi apresentada na corte de Lisboa pelo poeta, compositor, cantor e violeiro Domingos Caldas Barbosa (1740-1800).
O grande sucesso alcançado pelo gênero – denominado modinha, para diferenciar-se da moda portuguesa – levou músicos eruditos portugueses a cultivá-lo, só que de forma requintada, adicionando-lhe características da música de ópera italiana. Foi com esse feitio que ela voltou ao Brasil no início do século XIX. Seguiu então pelo resto do século como o nosso melhor meio de expressão poético-musical da temática amorosa.
PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX
O primeiro “modinhista” a se destacar no começo dos oitocentos foi o compositor Joaquim Manoel da Câmara (1780 – 1840). Carioca, exímio tanto no violão como no cavaquinho, impressionava a todos que o ouviam, inclusive Sigismund Neukomm.
Sigismundo Neukomm foi um famoso músico austríaco, discípulo predileto de Haydn, que viveu no Rio de Janeiro de 1816 a 1821 e aqui foi mestre do Príncipe D. Pedro, de sua mulher D. Leopoldina, da Infanta D. Isabel Maria e também de Francisco Manoel da Silva, o autor do Hino Nacional Brasileiro. Encantou-se com o talento de Joaquim Manoel e ao regressar à Europa fez imprimir em Paris, em 1824, um álbum de 20 modinhas de Joaquim Manoel.
Joaquim Manoel deixou várias peças de qualidade como Se Me Desses Um Suspiro, Desde o Dia em Que Nasci e A Melancolia, tendo esta servido de tema para a fantasia L'Amoreux, de Neukomm.
Há um depoimento de Freycinet, datado de 1817, sobre Manoel Câmara, que afirma: “nada me pareceu mais espantoso do que o raro talento na guitarra do mulato Joaquim Manoel. Sob seus dedos o instrumento tinha um encanto inexprimível que nunca mais encontrei entre os nossos guitarristas europeus mais notáveis”.
Outro importante músico e compositor de modinhas conhecido dos brasileiros foi Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) o mais celebrado poeta da colônia, autor do famoso livro "Marília de Dirceu" e partícipe da famosa Inconfidência Mineira.
Segundo Mozart de Araujo, há registros de modinhas recolhidas em São Paulo e Minas Gerais em 1817-1818. Entre elas, algumas em que Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga) celebra os encantos da sua Marília (Maria Joaquina Dorotéia de Seixas).
O Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) é considerado por muitos o maior nome da música colonial do Brasil. Deixou uma vasta obra e, dela constam algumas belas modinhas. Como Caldas Barbosa e Joaquim Manoel, o Padre José Maurício era também filho de negra com pai branco.
Da mesma época é o compositor Cândido José de Araújo Viana, o Marques de Sapucaí (1793-1875), mineiro de Sabará que, apesar de exercer funções importantíssimas no Império, o marquês ainda arranjou tempo para dedicar-se à música, sendo de sua autoria algumas composições de sucesso, como as modinhas: Mandei um Eterno Suspiro e Já Que a Sorte Destinara.
Não seria ele, porém, o nosso único personagem histórico a se interessar por música. O imperador Pedro I, além de razoável compositor, tinha boa voz e gostava de cantar modinhas.
Considerado como o maior dessa geração foi o violinista, cantor, poeta e compositor Cândido Inácio da Silva (1800 – 1838). Carioca, estudou com o padre José Maurício, que o orientou em sua trajetória artística. É de sua autoria modinhas como Cruel Saudade, A Hora Que Não Te Vejo, Um Só Tormento de Amor, e as famosas: Busco a Campina Serena e Quando as Glórias Eu Gozei, publicadas em Modinhas Imperiais, de Mário de Andrade, que o considerava o Schubert brasileiro.
Podem ainda ser citados Quintiliano da Cunha Freitas, Lino José Nunes, Francisco da Luz Pinto, os padres Augusto Baltazar da Silveira e Guilherme Pinto da Silveira Sales, além dos eruditos – como Francisco Manoel da Silva (1795-1865), Domingos da Rocha Mussurunga (1807-1856) – que eventualmente compuseram obras do gênero.
Pertence ainda ao período um vasto repertório de modinhas de autores desconhecidos, sendo algumas delas de ótima qualidade, como é o caso de Vem Cá Minha Companheira, Se Te Adoro, Vem a Meus Braços, Róseas Flores da Alvorada, Deixa Dália, Flor Mimosa e Acaso São Estes (que ganhou letra de Tomás Antônio Gonzaga),e que ganharam fama depois de suas publicações na citada coletânea Modinhas Imperiais.
No início do Segundo Reinado - 1840, as modinhas passaram a ser dos poetas, ou seja, as melhores poesias da época eram musicadas e apresentadas sob a forma de modinha ao público.
Segundo Mozart de Araujo "desejosos de conseguirem projeção e de se aproveitarem do prestígio que a modinha desfrutava, compositores estrangeiros passaram a musicar poemas dos nossos melhores poetas, tais como Gonçalves Dias, Laurindo Rabelo, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Castro Alves e outros”.
Há muitas modinhas famosas cujo autor é desconhecido. A mais famosa delas é sem dúvida, A Casinha Pequenina, mas podemos citar outras de igual fama: Perdão Emilia, Hei de Amar-te até Morrer, Se os Meus Suspiros Pudessem, Acordai Donzela, Moreninha, Se Eu Te Pedisse, Escrevi Teu Nome na Areia, Acorda Adalgisa, Elvira Escuta,Quisera Amar-te, Sereno da Madrugada.
Vez por outra aparece algum pesquisador tentando atribuir a esse ou àquele nome a autoria de tais modinhas sem, contudo convencer à maioria, continuando, assim, a ser consideradas de autoria anônima.
FIM DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO XX
A modinha viveu sua fase de maior popularidade. Renovada por músicos do povo e sob a forma de canção ternária, assimilada da valsa, ganhou as ruas como música serenata.
Um dos principais responsáveis por essa popularização foi o mulato baiano Xisto Bahia (1841-1894), que além de ser bom ator, notabilizou-se como cantor e compositor de modinhas e lundus. São de sua autoria, por exemplo, A Mulata (com Melo Moraes Filho) e Quis Debalde Varrer-te da Memória (com Plínio de Lima), duas das modinhas mais conhecidas de todos os tempos.
Ainda por essa época, celebrizou-se no Rio de Janeiro o maranhense Catulo da Paixão Cearense (1866-1946), pródigo letrista que abarrotou a praça com dezenas de composições. Incapaz de musicar os seus rebuscados poemas, Catulo especializou-se em fazer versos para música alheia de sucesso, transformando em modinhas a maioria.
Entre outras, são de sua autoria: Talento e Formosura (com Edmundo Otávio Ferreira), Ontem ao Luar (com Pedro de Alcântara), Clélia (com Luiz de Souza), Por um Beijo e Rasga o Coração (com Anacleto de Medeiros) e outras mais – que a então iniciante indústria do disco no Brasil iria comercializar com bastante sucesso, nos primeiros 20 anos do século XX.
Outros sucessos que, também, marcaram o fim do século XIX foram: Na Casa Branca da Serra (Guimarães Passos e J.C. de Oliveira), Perdão Emília (José Henrique da Silva e J. Pedaço), O Gondoleiro do Amor (Salvador Fábregas e Castro Alves), Mucama (Gonçalves Crespo), Quem Sabe (Carlos Gomes), Elvira Escuta (anônimo) Foi Uma Noite Calmosa (anônimo) e O Bem-Te-Vi (Miguel Emídio Pestana e Melo Moraes Filho).
Mais recentemente, já no século XX, Catulo da Paixão Cearense e Villa-Lobos são os compositores de modinhas que mais se destacaram. Catulo se tornou um clássico desse gênero.
ERA DO RÁDIO – 1940-1950
Ao chegar a era do rádio, com o crescimento da valsa romântica, muitas vezes classificada como canção, a modinha quase desapareceu, figurando vez por outra nas obras de alguns compositores como Vinicius de Moraes (Modinha, com Tom Jobim, Serenata do Adeus) e Chico Buarque (Até Pensei).
Assim, de 1770 até 1950 foram o que poderíamos chamar de 180 anos da primeira vida da Modinha. Primeira, pois se entende por ser o romantismo tão sedutor, não será de estranhar, apesar de todo o desenvolvimento da tecnologia não surgirem, assim como surgiu essa onda de novos chorões, novos intérpretes e compositores de modinhas.
Seja a Modinha canção anônima criada por apaixonado violeiro em noite de luar, seja música de câmera dos salões da nobreza, foi também dela que nasceu a nossa MPB, tão admirada em todo o mundo.
Com a modinha, nossa romântica alma brasileira aprendeu a cantar o amor e as paixões.
Mozart de Araújo, numa obra clássica sobre o tema ("A modinha e o lundu no século XVIII"), termina o estudo com as seguintes palavras: "Dizem que a modinha morreu. Ela não morrerá porque já não é mais uma canção, mas um estado de alma. Ela está na própria essência emotiva da nacionalidade.”.
Modinha, bela história brasileira de amor mestiço.
FONTES:
Enciclopédia Encarta;
brasilcultura.com.br;
cliquemusic.uol.com.br;
collectors.com.br;
dicionariompb.com.br;
pt.wikipedia.org; e
violacaipira.com.br.