Chico Rei - Galanga Rei do Congo
INTRODUÇÃO
Era uma época em que a Coroa Portuguesa, para se estabelecer nas novas terras descobertas, Brasil, dependia de comércio de escravos, como atividade rentável e eficaz para seu objetivo.
A costa africana era varrida por navios negreiros, que se enchiam de negros, atirados e amontoados em seus porões. Arrancados de sua terra natal e, na maioria das vezes, separados dos familiares partiam com destino à costa brasileira.
Muitos morriam e eram lançados ao mar. Alguns desses se deixavam morrer, preferindo a morte à escravidão.
O protagonista de nossa história, Chio Rei, nasceu no Congo, África, chamava-se Galanga. Era sumo sacerdote do deus Zambi-Apungo e rei de uma das mais numerosas tribos dessa região.
DE REI NO CONGO A ESCRAVO NO BRASIL
Galanga foi capturado e aprisionado em sua terra natal, juntamente com sua mulher, filhos e toda a corte, ou por tribo inimiga, ou capturados por caçadores africanos, arrastado a praia pelos comerciantes africanos, os “pombeiros” e trocado por mercadorias com comerciantes portugueses traficantes de escravos.
Na travessia da África para o Brasil, a rainha Djalô e a filha, a princesa Itulo, foram jogadas ao mar pelos marujos do navio negreiro, numa tentativa de aplacar a ira dos deuses responsável por atingir a embarcação com tempestade, que os ameaçava de naufrágio.
Chegou ao Brasil em 1740, no navio negreiro "Madalena". Galanga mais o filho e os que conseguiram sobreviver à travessia foram retirados do porão em Valongo, no Rio de Janeiro.
Todo o lote de escravos foi comprado dos comerciantes traficantes pelo minerador major Augusto de Andrade Góis, proprietário da mina da Encardideira. Galanga, então batizado de Francisco, o filho e os outros foram levados para Vila Rica (Ouro Preto), Minas Gerais, para trabalhar na famosa Mina de Ouro da Encardideira.
Essa mina é uma escavação artesanal subterrânea, distribuída em cinco níveis com galeria de 11.500 metros localizada sob parte da cidade de Ouro Preto e estende-se até a Casa dos Contos e a Escola de Minas, antigo palácio do Governador.
Foi redescoberta em 1950 e renomeada como Mina de Chico Rei. Está aberta à visitação turística nos 50 metros iniciais.
A DETERMINAÇÃO DE FRANCISCO
Galanga, agora Francisco venceu a morte, sobreviveu à travessia, pois se determinara: “rei na minha terra, voltarei a ser rei algum dia, em alguma outra terra”.
Foi tanta sua força de vontade e perseverança, que realizou sua nobre aspiração de rei destronado e transformado em escravo. Com isso, imortalizou-se na galeria de mitos brasileiros.
Em pouco tempo, graças a seu carisma e liderança, Francisco conquista a confiança do proprietário da mina e passa a conduzir a exploração dos filões e veios auríferos.
Conta a tradição oral que, durante o trabalho na mina, Francisco e outros escravos escondiam ouro entre os cabelos. Mais tarde, ao saírem da mina, lavavam as cabeleiras na pia batismal da igreja, sendo acobertados pelos religiosos.
À custa do penoso trabalho, de alguma economia e do ouro desviado nos cabelos dos escravos, juntou seu primeiro pecúlio, que dava para libertar somente um escravo. Sua decisão foi libertar primeiramente o filho. O filho grato, por sua vez, também começou a trabalhar para forrá-lo. E, assim, com mais facilidades Francisco foi alforriado.
Parte de seu sonho fora realizado, mais lhe faltava a parte nobre de seu sonho: voltar a ser rei.
LIBERTAÇÃO DE TODA TRIBO
Para voltar a ser rei, Francisco teria que promover a libertação de toda sua tribo. Assim, o filho e ele continuariam no trabalho para libertar o terceiro membro da tribo e escravo. Os três trabalhariam para libertar o quarto e, assim até a libertação de toda tribo.
Francisco, então, descobre um grande filão de ouro depositado nas entranhas da mina, o qual é mantido inexplorado e oculto do dono da mina.
Continuava, apesar de lenta, a alforria de outros escravos. Entretanto, com o passar do tempo a Mina da Encardideira começa a apresentar sinais de exaustão. Sem saber do rico veio aurífero descoberto por Francisco e, portanto, julgando esgotado o ouro de sua mina, o major e proprietário Augusto vende a Encardideira ao alforriado Francisco.
Inicia-se, então, a exploração daquele filão aurífero descoberto e mantido em segredo por Francisco. Com o grande volume de ouro que extrai da mina, é facilitada a alforria de todos os integrantes da sua corte africana. A solidariedade estendeu-se a todos os outros escravos das minas de Vila Rica. Estima-se que foram 400 os alforriados, sendo Francisco considerado um dos maiores libertadores de escravos do Brasil.
Formaram assim poderosa colônia, “verdadeiro Estado no estado”, como disse o historiador mineiro Diogo de Vasconcelos na sua “História Antiga das Minas Gerias”.
Os escravos libertos consideravam-no "rei".
ACLAMAÇÃO DE FRANCISCO
Os membros da colônia aclamaram Francisco “Rei dessa nação”. A partir dessa época, toda sua gente e o povo de vila Rica passaram a chamá-lo de Chico Rei.
Francisco tornou-se rei e seus parentes mais próximos formaram a família real. A mulher de seu segundo casamento em Vila Rica, a Rainha, o filho, o Príncipe e a nora a Princesa.
A nação tornou-se proprietária de mina de ouro chamada do Palácio Velho. O ouro extraído era da nação do Chico Rei.
Chico Rei virou monarca em Ouro Preto, antiga Vila Rica, em Minas Gerais, no século XVIII, com a anuência do governador-geral Gomes Freire de Andrada, o conde de Bobadela.
A PRIMEIRA IRMANDADE DE NEGROS LIVRES EM VILA RICA
Essa nação escolheu Santa Ifigênia como protetora e associou-se à irmandade em honra à santa, que teria sido a primeira irmandade de negros livres de Vila Rica.
Chico Rei enriqueceria a ponto de erguer majestoso templo, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, que ainda faz parte do patrimônio religioso e turístico de Ouro Preto.
A imagem de santa Ifigênia ficava em local conhecido como Alto da Cruz. Havia, e lá ainda se conserva, pia de água benta. As negras, súditas de Chico Rei, empoavam os cabelos com ouro do palácio Velho e, ao chegarem, mergulhavam suas cabeças na pia e deixavam lá suas doações em ouro abandonado por suas cabeleiras e escorrido ao fundo da pia.
Forma pitoresca de doações e que dispensava a passagem da “sacolinha”.
Em 6 de janeiro de 1747, data em que o calendário católico comemora o Dia de Reis, Vila Rica foi surpreendida por festa inédita. Galanga, rei do Congo, batizado Francisco, como todo escravo trazido a Minas, agora aclamado Chico Rei de sua nação, aproveitando, habilmente, de uma brecha no sistema colonial, torna-se novamente rei. É coroado, pelo Bispo de Mariana, rei da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos Alforriados.
Chico rei transfere à Vila Rica as liturgias que outrora praticara no Congo como rei e sumo sacerdote. Liturgias que aconteciam nos dias santos dedicados à Santa Ifigênia, a santa negra, à Virgem padroeira dos escravos e negros forros, Nossa Senhora do Rosário e em dia de reis.
No dia de Nossa Senhora do Rosário, antes da missa, ocorria cortejo da irmandade, denominada Reinado de Nossa Senhora do Rosário. Chico Rei, coroado, aparece com a rainha e a corte, em ricas indumentárias, seguido por músicos e dançarinos, ao som de caxambus, pandeiros, marimbas e ganzás.
É a festa de Nossa Senhora do Rosário. É a festa do Rei do Congo, é a festa de Chico Rei de Vila Rica, Ouro Preto das Minas Gerais.
É a celebração da nobreza e persistência de Rei Galanga do Congo que, junto com sua corte, subjugado como escravo Francisco, reconstrói sua nação e seu reinado. Seu esforço, astúcia e inteligência deixa legado, que permanece vivo há quase 300 anos, traduzido, apesar de contestado por alguns estudiosos, numa das mais tradicionais expressões da cultura do mineiro: o Congado.
HISTÓRIA, LENDA OU FICÇÃO
Muitos Historiadores Afirmam Ser Ficção
A história de Chico Rei aparece, sem qualquer comprovação documental, não possui registros históricos fidedignos. Surgiu em nota de rodapé escrita por Diogo de Vasconcelos, em seu livro "História Antiga de Minas", de 1904.
Em 1966, o romancista Agripa de Vasconcelos, tendo como fonte a nota de Diogo de Vasconcelos, escreveu o romance "Chico Rei". Todas as demais matérias sobre Chico Rei são posteriores a 1904.
Devido à inexistência de qualquer outra fonte sobre o tema, muitos estudiosos afirmam que Chico Rei é personagem ficcional.
Em 2008, Stefano Gatto publicou uma coleção de histórias curtas em espanhol sobre o Brasil, cujo primeiro conto, que dá o título ao trabalho, "Chico Rey y otras historias brasileñas" é de ficção e não tem nenhuma finalidade histórica.
Conclusão De Alessandro Dell’Aira
O pesquisador Alessandro Dell’Aira estudando litografias de Rugendas (1802 – 1858), onde retrata o Palácio Velho de Ouro Preto, afirma que a obra retrata Chico Rei portando a bandeira de Santa Ifigênia, o que o identifica como financiador da Igreja de Nossa senhora do Morro da Cruz.
Segundo o pesquisador, a prova de que se trata de Chico Rei na obra é o emblema em claro-escuro na bandeira: perfil feminino com folha de palmeira na mão direita. Chico Rei, devoto de Santa Ifigênia, carrega a bandeira com a imagem da santa, em presença dos viajantes estrangeiros.
Diz mais Alessandro Dell’Aira: dois séculos e meio nos separam de Chico Rei e um século do primeiro registro em nota de rodapé bastante contestada do livro de Diogo Vasconcelos; minha hipótese transfere a origem da lenda para antes da época e das circunstâncias históricas em que os africanos de Vila Rica elaboraram as suas tradições.
Justifica sua hipótese associando a forma semelhante como os gregos da época clássica veneravam os heróis fundadores das colônias.
E, ainda, a afirmativa de Marina de Mello e Souza em “Reis Negros no Brasil Escravista”: “Representando um mito, um herói-fundador, o rei congo atribuía às comunidades que o elegiam uma identidade, que as ligava à África natal, ao mesmo tempo em que abria os espaços possíveis no seio da sociedade escravista”.
FONTES:
mgquilombo.com.br;
pt.wikipedia.org;; e
revistadehistoria.com.br.