Caramuru, Mito de Brasilidade

INTRODUÇÃO

Se nós brasileiros ou outros pretenderem compreender nossa etnia, ou quem é esse povo jovem, ainda em formação, denominado brasileiro, terão que buscar entendimento sobre nossas matrizes: o nativo indígena; o colonizador português; e o escravo africano, as três etnias básicas componentes de nossa formação primeira.

Com relação ao indígena dedicamos nosso trabalho “Matriz Brasil”. No trabalho atual, pretendemos entender as influências do colonizador português e do escravo negro.

Neste artigo vamos tomar como exemplo Caramuru, para ilustrar uma das matrizes iniciadoras dessa grande festa da miscigenação, que continua ocorrendo na passarela Brasil. Além disso, a escolha do mito de brasilidade Caramuru é devido sua antiga e importante história para a formação de alguma ideia de nação, bem como por ser fortemente disputado pela história, pela literatura e pela tradição popular.

Podemos afirmar que a união de Diogo Álvares Correia, Caramuru com a índia Paraguaçu simboliza o embrião da, ainda em formação, etnia brasileira. O resultado desse intercurso racial de português com índio é, sem dúvida, a protocélula desse povo novo.

Nada melhor para iniciar do que ilustrações sobre as primeiras experiências registradas de miscigenação no império português no Brasil.

ALGUMAS DAS PRIMEIRAS MISCIGENAÇÕES

As primeiras experiências de miscigenação foram totalmente espontâneas, sendo os lançados e os náufragos integrados nas estratégias de povoamento do invasor e inseridos culturalmente no contexto tupi-guarani.

Na origem dos troncos paulistas, encontram-se os pioneiros da miscigenação no planalto de Piratininga: João Ramalho e Antônio Rodrigues. O primeiro casou com Bartira, filha do morubixaba Tibiriçá e o segundo com filha do chefe Piquerobi.

Mais tarde, outra descendente de Tibiriçá, Terebé, casou com Pêro Dias, um antigo irmão jesuíta, que obteve, para tanto, a necessária dispensa dos votos, concedida por Ignácio de Loyola.

As primeiras famílias baianas resultam, tal como as paulistas, da miscigenação entre portugueses e nativos. A união de Diogo Álvares Correia, Caramuru e a índia Paraguaçu, não só simboliza a origem dos baianos, mas, também, a origem dos brasileiros.

O início da colonização criou novas possibilidades, que incrementaram as uniões entre colonos portugueses e mulheres tupis. Isso pode ser Ilustrado com o tão conhecido caso de Jerônimo de Albuquerque, cunhado do donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho, que manteve longa relação com a filha do chefe Arcoverde, bem como ligações esporádicas com outras indígenas. Gerou numerosa descendência, o que o tornou conhecido como o Adão pernambucano.

Os descendentes de portugueses e índias eram designados mamelucos, termo que se deve ao fato do tom acobreado da pele se assemelhar ao dos mamelucos do Egito. Já, os mestiços de segunda geração, índios com mamelucas, são conhecidos como curiboca.

A maioria de nós brasileiros ao procurarmos o tronco de nossa árvore genealógica o encontrará, simbolicamente, na união dos mitos: a índia Catarina Paraguaçu e o representante dos primeiros colonizadores, Diogo Alves Correia, Caramuru.

Cabe aqui registrar que dessa união resultou numerosa prole, e é sabido que Caramuru gerou muitos outros filhos antes do casamento. Existe estimativa demográfica de que 50 milhões de brasileiros são descendentes de Caramuru.

A festa da independência em todos 02 de julho em Salvador mistura cívico com o religioso. Este representado pelos dois caboclos, aos quais se atribuem poderes superiores. A Cabocla simboliza Paraguaçu.

Os baianos sentem orgulho e procuram com entusiasmo sua ancestralidade em Caramuru, que é o patrono da família baiana. A maioria dos baianos quer ser seu descendente.

RESUMO BIOGRÁFICO DE CARAMURU

ORIGEM E CHEGADA À BAHIA

A melhor versão sobre a origem e chegada de Caramuru, com melhor coerência histórica, é dada por Jaboatão, em seu Novo Orbe Seráfico Brasílico (1761), que transcreve o texto de um manuscrito existente no Convento de São Francisco, em Salvador. Jaboatão acreditava que esse manuscrito foi, possivelmente, redigido por algum contemporâneo de Caramuru, algum tempo após sua morte.

Diogo Álvares Correia, o Caramuru, nasceu em Viana do Castelo, norte de Portugal, fronteira com a Espanha, região da Galícia, por volta de 1490 (outros 1475, o que torna sua vida muito longa para a época). Era um nobre português, cavaleiro da Casa Real e partiu, em companhia de um tio, para as Índias em busca de novas conquistas do reino.

Ele chegou à Bahia, por volta de 1509, em uma embarcação, que alguns afirmam de bandeira francesa e que, em virtude de mau tempo, naufragou em frente à foz do Rio Vermelho, uma légua distante onde hoje fica o Farol da Barra.

Naquela época, Portugal utilizava de um expediente conhecido como “lançado”, o qual consistia em lançar ao mar, na costa de alguma região de interesse, elemento preparado para reconhecimento do lugar e seus habitantes. Daí, alguns terem dúvidas sobre se Diogo não teria vindo para ser “lançado”.

Tupinambás que habitavam aquela costa foram em direção para fazer pilhagem do que a nau lançara ao mar e se aproximava da praia, bem com fazer dos que sobreviveram seu manjar. Com astúcia Diogo Álvares conquistou os índios, ajudando-os na pilhagem bem como em sua arrumação na orla da praia.

A seguir, com os índios já mais sossegados e fartos em suas cabanas, tratou Diogo Álvares de preparar uma daquelas armas e demonstrar que tinha “poder de fogo”. Carrega-a e atira certeiro numa ave.

O estrago causado por algo que os indígenas não haviam identificado provocou um alvoroço. Meninos e mulheres fugiam desnorteados, enquanto os guerreiros imóveis e espantados. Diogo aproveita a oportunidade e acalma os índios fazendo-os entender que aquele instrumento não causava danos a não ser em inimigos, que poderiam ser vencidos com mais facilidade do que com seus arcos, flechas, lanças...

Esse episódio garantiu a Diogo posição privilegiada diante dos índios Tupinambá.

O PORQUÊ DO APELIDO CARAMURU

Podemos dizer que, basicamente, existem duas versões. Uma atribui o apelido ao primeiro encontro com os indígenas e a outra ao episodio do disparo com a arma de fogo.

Com relação ao primeiro encontro, o apelido é justificado pela existência de peixe da família dos Murenídeos, um tipo de moreia, comumente encontrado no Recôncavo Baiano. Caramuru-Guaçu que significa moreia grande.

O apelido motivado pelo primeiro disparo, nome indígena que pode ter vários significados, entre outros: “filho do trovão”; “homem trovão da morte barulhenta”; “filho do fogo”; “homem do fogo”; e “dragão do mar”.

RELAÇÃO COM OS INDÍGENAS

Segundo a historiadora e escritora Janaína Amado, Diogo viveu na Bahia durante grande parte de sua vida, e manteve pouco contato com os portugueses. Sua convivência mais marcante foi com os índios, e com eles Diogo aprendeu a língua e os costumes daqueles indígenas.

A autora acredita que a relação entre o Caramuru e os Tupinambás não foi de colonizador e colonizado. Assemelhava-se com os índios como compatriota, que combatia batalhas e guerras tribais.

À Coroa portuguesa interessava que o intercurso entre portugueses e índios favorecesse ao povoamento da colônia e as normas monogâmicas católicas amoleceram em nosso clima tropical. Por outro lado, os costumes indígenas eram amplamente favoráveis aos interesses dos colonizadores. Assim, Diogo Álvares construiu grande prole com diferentes parceiras.

A União Com Paraguaçu

O reconhecimento pelos Tupinambás foi tanto que o Chefe Taparica lhe deu uma de suas filhas, Paraguaçu.

Em 1527, graças às relações comerciais com os franceses da Normandia Caramuru seguiu para a França com Catarina Paraguaçu. Viajaram na mesma embarcação Jacques Cartier, amigo de Caramuru.

Em 30 de julho de 1528 Paraguaçu foi batizada, na antiga Catedral de Saint-Malo, com o nome de Catarina em homenagem a Catherine des Granches, esposa de Jacques Cartier, que foi sua madrinha.

Realiza-se, logo após o batizado, o casamento de Caramuru e Paraguaçu, que passou a se chamar Catarina Álvares Paraguaçu. O registro de batismo é o primeiro documento conhecido de um brasileiro. O casal ficou na França por cerca de três anos.

Da extensa prole do casal sabe-se que três de suas filhas casaram-se com europeus de posição e três de seus filhos, Gaspar, Gabriel e Jorge foram armados cavaleiros por Tomé de Sousa, pelos serviços prestados à Coroa Portuguesa.

SERVIÇOS PRESTADOS E RECONHECIMENTOS

O primeiro interesse econômico pela colônia foi a extração e exportação de pau Brasil. Portugal decidira arrendar a Terra de Santa Cruz, para a exploração de pau brasil e outros recursos.

Em 1503, foi assinado pelo mercador Fernão de Noronha o primeiro contrato. Os franceses tinham tratado de aliança e comércio com Portugal e, nos anos seguintes, também se interessaram pelo pau brasil e passaram a explorar o litoral brasileiro.

Foi nesse contexto, que navegadores, que passavam pela Baía de Todos os Santos, relatavam a presença de um prestativo português, que os índios chamavam de Caramuru.

Ao longo de quatro décadas, Caramuru manteve contatos com os navios europeus que aportavam ao litoral da Bahia em busca de madeira da "Caesalpina echinata" (pau-brasil) e outros gêneros tropicais. Alguns o indicam como espécie de intermediário comercial entre índios e europeus, e soube tirar vantagens materiais dessa posição.

Devido sua inteligência e de ter aprendido a língua tupi, Diogo funcionou como excelente articulador entre o Poder Central português e os indígenas. Foi considerado como ponte entre os portugueses que chegavam ao Brasil e os índios.

Quando as primeiras autoridades portuguesas e os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil, Diogo Álvares lhes fora auxiliar, fornecendo a eles informações sobre o lugar e o povo, além de ter realizado trabalhos de interpretação da língua nativa e de mediação.

Em 1548, João III rei de Portugal, recomendou ao Caramuru que criasse condições para que a expedição de Tomé de Sousa, que objetivava a implantação do governo-geral no Brasil, fosse bem recebida.

Por volta de 1535, construiu a Igreja da Graça, a pedido de Paraguaçu.

Em 1536, chegou o donatário da Capitania da Bahia, Pereira Coutinho, que doou uma sesmaria a Caramuru, a qual incluía os atuais bairros da Graça, Chame-Chame e parte da Barra.

Em 1540, construiu sua casa forte, perto da Igreja da Graça, onde morava com sua família.

Seu nome, os serviços que prestou à Coroa, à Igreja e sua descendência foram aplaudidos na correspondência civil e religiosa enviada à época da Bahia.

Tomé de Sousa recompensou-o com pagamentos e com recomendações sobre sua pessoa ao rei, e o Padre Manuel da Nóbrega, que com ele conviveu, o elogiou em mais de uma carta.

MORTE, REGISTROS E O MITO

Dados encontrados por Jaboatão, em um caderno de óbitos da antiga Sé da Bahia, indicam que Diogo Álvares Correia, Caramuru, faleceu na Bahia, em 05 de outubro de 1557, e sepultado no Mosteiro de Jesus, atual Catedral Basílica. Em seu testamento, generosa doação de parte de sua fortuna aos jesuítas.

Mas, a morte não foi suficiente para apagar o significado de Caramuru dentro da história do Brasil. Até hoje, a história do fidalgo português é contada e recontada pela literatura, pela arte, pelo teatro, pela TV e pelo cinema. História muito utilizada para representar brasilidade.

As primeiras menções a Diogo remete a Gabriel Soares de Souza, no ano de 1587 e no ano de 1663, ao padre jesuíta Simão de Vasconcellos.

No século XVIII vários autores históricos dedicaram-se a Caramuru. Entre eles Rocha Pitta, Jaboatão, e Frei Vicente do Salvador. Entretanto, segundo Janaína Amado, foi no final desse século que a história de Diogo Álvares adquiriu novo estatuto e popularidade, com o poema épico do frade brasileiro José de Santa Rita Durão.

No século XX, são várias as obras que fazem alusão ao Caramuru até que, no início do século XXI, no final de 2001, é lançado o filme “Caramuru – A invenção do Brasil” indicando a tendência de que Caramuru ainda será utilizado por muito tempo, como símbolo da participação portuguesa na formação étnica do povo brasileiro.

FONTES

academia.org.br;

Enciclopédia Microsoft Encarta;

historia-bahia.com;

historiabrasileira.com;

pt.wikipedia.org; e

repositorio.uniceub.br;

J Coelho
Enviado por J Coelho em 13/09/2016
Reeditado em 15/07/2019
Código do texto: T5759549
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