Você trancou a porta hoje?
- Filho, não esqueça de trancar a porta antes de dormir.
Essa é uma frase diária do meu pai. Sua preocupação de trancar toda a casa antes de deitar, desde as janelas ao portão, é quase como um ritual. E não estou brincando. Mesmo depois de deitar e quase dormir, se eu for descansar, ele levanta e confere se fiz tudo que pediu. Sua chatisse (sim, ao meu ver é uma paranoia) é o medo que possui de qualquer ser vivo entrar dentro de casa enquanto estiver de olhos fechados. Ratos, morcegos ou um ladrão que estiver passando por ali. É o pavor por estar vulnerável enquanto dorme.
Todos os dias esbarramos, conversamos, interagimos com pessoas em geral. É quase impossível atualmente estarmos sozinhos, sem nos comunicarmos com alguém. A solidão é algo dos passado, quem tem tempo para isso é taxado de louco, depressivo ou poeta. Vivemos na era da comunicação em massa, saber e falar tudo o tempo todo. Nessa via de mão dupla, percebo as vezes que falo demais. Acabo contando projetos, sonhos, detalhes, coisas pessoais que não deveria. Esses exatos momentos noto também que muitas vezes estou vulnerável. Carente de uma palavra amiga, de alguém que ouça e tenha empatia por minhas mazelas e possa me dar a luz no fundo do poço que me encontro. Se você perceber, não sou o único. Quantos bêbados numa noite de bar encontramos que mal nos dizem um "oi" e já começam a falar de sua triste vida. São pessoas necessitadas de algo que não tem, mesmo num mundo de constante interação. Elas carecem de atenção.
Talvez seja por isso que alguns pagam por terapia. Pagam no intuito de, pelo menos uma hora, sentirem-se que são o foco de uma pessoa. Que podem contar o que os atormenta, derramar tudo ali e saírem mais leves ou com as pilulas da "felicidade" que a industria farmacêutica tanto promete. Quem não pode pagar, vive a lamentar com quem encontra no caminho: amigos, família, passageiros de ônibus que sentam ao seu lado, nas redes sociais bombardiando os outros com cada segundo de suas tarefas.
Mas, o que aprendi essa semana é que, nesses mesmos momentos de angustia da alma é que devemos trancar nosso coração. Se não posso confiar em deixar a porta aberta enquanto eu durmo, por que confiaria os meus conflitos internos a desconhecidos?
Por que me tornaria tão vulnerável aos outros, acreditando que todos querem meu bem?
As vezes, o melhor a fazer, é trancar tudo e manter lá dentro, somente aqueles que nós realmente confiamos. Ou talvez, o melhor é ficar sozinho mesmo.