O vigor dos mitos

O VIGOR DOS MITOS

Milenarmente, o homem tem medo de muitas coisas. Teme a morte, a solidão, a doença, a injustiça, a miséria e as ameaças metafísicas. A adoção do culto aos mitos, revela historicamente, que antes da sistematização das religiões e das crenças, o homem dissipou, pelos mitos e pela utopia, a soma de seus medos.

O ser humano, por conta de sua finitude e limitação, muitas vezes tem medo de viver, e por conta disto sempre buscou cultuar a memória de heróis ou inventar sagas de semideuses, demiurgos e guerreiros, vencedores das dificuldades, das ameaças da natureza, dos confrontos com os seres (naturais ou sobrenaturais) bem como do maior temor, que é a morte. O medo de viver empurra-o ao mito.

Quem viaja pela Grécia sente pulular, como legendas vivas os inúmeros mitos que por lá surgiram e que povoam o imaginário humano do mundo inteiro, até hoje. Os antigos poetas helênicos aconselhavam os visitantes: “Viva seu mito na Grécia”. A partir da introdução do mito, como um assessório da vida, a pessoa é convidada a ver mais, fazer mais e ser mais. Nisso consiste o ideal humano na busca da felicidade.

Ao criar os mitos, o ser humano projeta nessas fantasias a idealização para a sua condição física, assolada pela vulnerabilidade. A criação de ídolos populares, atletas, artistas, intelectuais, ganhadores de concursos de beleza ou de força física, ou mesmo pessoas de destaque público, revela que o ser humano projeta no outro as habilidades e qualidades que ele não possui ou se acha impossibilitado de atingir. A mitologia, a partir da grega, enfatizava o contraste entre as fraquezas dos seres humanos e as grandes e aterradoras forças da natureza.

Os povos da Antigüidade reconheciam que suas vidas dependiam completamente da vontade dos deuses. O reconhecimento de que suas vidas dependiam dos deuses, mais tarde daria lugar às crenças e às religiões.

O mito sempre aponta para uma fantasia capaz de minimizar as fraquezas humanas. Cultuamos o mito e seus semideuses para estabelecer uma antítese à nossa fragilidade. Homero afirma, em sua Odisséia que “você não sentirá a força do mito, na procura do caminho do Odisseu (Ulisses) nem nas memórias dos Lacedemônios (espartanos) se você não procurar encontrá-los em seu coração. A fantasia se refere a uma sensação fruto da imaginação, tanto reprodutora quanto criadora.

Vive-se a fantasia do mito não com a inteligência, mas com o coração. Precisa ser um pouco grego, ou talvez pensar como eles para entender isso de forma adequada. O vigor do mito só pode ser desfrutado pela sensibilidade do coração.

Para Platão a fantasia é uma imagem fora da realidade. A mitologia é secularmente vista como a origem da psicologia de auto-ajuda. Durante séculos os seres humanos usaram mitos, contos de fadas, lendas e folclore para explicar os mistérios da vida e torná-los suportáveis – desde o porquê as estações do ano mudam até o enigma da morte – passando por complexas questões de relacionamento.

No cristianismo, que não é um mito, Jesus explicou os seus ensinamentos por meio de parábolas, dando aos seus seguidores problemas difíceis sob uma forma fácil de compreender. Platão transmitiu conceitos filosóficos obscuros através de mitos e alegorias simples.

É comum ao ser humano abrigar mitos em seu coração, como felicidade, amor, justiça, coragem, poder. Filosoficamente, as crenças e os arquétipos existenciais, tudo passa pela fantasia do mito. Nosso espírito, embora alguns até possam discordar, está generosamente povoado de mitos. As religiões, todas elas, têm mitos em suas formulações originais.

Nesse contexto, o mito torna-se a projeção de uma energia otimizada, com traços supra-naturais, supervenientes às nossas fraquezas e limitações. O homem sempre se agarrou nos mitos para obter impulso a fim de suplantar as vicissitudes de sua vida. O jogador Pelé, por exemplo, tornou-se um mito do esporte, na medida em que foi assim entronizado pelos que não conseguiram jogar futebol como ele. Neste caso, a figura dos super-heróis vêm em socorro da carência humana.

Na antiga medicina hinduísta, quando alguém, com dificuldades mentais ou emocionais, consultava um médico, e este lhe prescrevia uma história sobre a qual meditar, com isso ajudando o paciente a encontrar sua própria solução para o problema. Muitas vezes é o nosso pensamento linear, racional e obcecado com as causas, que obscurece o sentido mais profundo e a resolução dos dilemas da vida.

Na maioria das vezes, o termo mito refere-se especificamente aos relatos das civilizações antigas que, organizados, constituem uma mitologia - por exemplo, a grega e a romana. A partir dessas constatações, vemos que todas as culturas têm seus mitos, alguns dos quais são expressões particulares de arquétipos comuns a toda a humanidade. Por exemplo, os mitos sobre a criação do mundo repetem alguns temas, como o ovo cósmico, ou o deus assassinado e esquartejado cujas partes vão formar tudo que existe. No mito ocorre o entrelaçamento com a fábula, o conto de fadas, a lenda, a saga, e até a história. A ciência moderna nos revela que o símbolo é um elemento primordial no processo da comunicação.

O termo "símbolo", com origem no grego symbolon, designa um elemento representativo que está (realidade visível) em lugar de algo (realidade invisível), que tanto pode ser um objeto como um conceito ou idéia, determinada quantidade ou qualidade. Nessa perspectiva, o símbolo é um elemento essencial no processo de comunicação, encontrando-se difundido pelo quotidiano e pelas mais variadas vertentes do saber humano.

Embora existam símbolos que são reconhecidos internacionalmente, outros só são compreendidos dentro de um determinado grupo ou contexto (religioso, cultural, etc.). A representação específica para cada símbolo pode surgir como resultado de um processo natural ou pode ser convencionada de modo como o receptor (uma pessoa ou grupo específico de pessoas) consegue fazer a interpretação do seu significado implícito e atribuir-lhe determinada conotação. Pode também estar mais ou menos relacionada fisicamente com o objeto ou idéia que representa, podendo não só ter uma representação gráfica ou tridimensional como também sonora ou mesmo gestual.

No decorrer deste trabalho poderemos ver que o estudo dos mitos, dentro de algumas perspectivas, como da psicologia junguiana, por exemplo, é fundamental para que o ser humano se conheça a si mesmo. As diversas configurações simbólicas tratadas na obra dos grandes psicanalistas, sejam elas da mitologia grega, literárias, ou nitidamente cientificas, representam símbolos originais do processo de individuação.

O símbolo pode lançar luz tanto sobre o desenvolvimento psicológico do indivíduo, quanto sobre os complexos problemas sociais da cultura atual. Mais adiante entraremos na conceituação de arquétipo. Na Mitologia grega há, por exemplo, os mitos de Édipo, de Narciso e da Esfinge. (“decifra-me ou te devoro”). Esse dualismo se encontra na maioria das religiões. Só quem decifra o mistério é capaz de penetrar no contexto da doutrina.

Os mitos têm a misteriosa capacidade de conter e transmitir paradoxos, permitindo-nos ver, em volta e acima do dilema, o verdadeiro cerne da questão.

Os mitos são, geralmente, histórias baseadas em tradições e lendas feitas para explicar o universo, a criação do mundo, fenômenos naturais e qualquer outra coisa a que explicações simples não são atribuíveis. Mas nem todos os mitos têm esse propósito explicativo. Em comum, a maioria dos mitos envolvem uma força sobrenatural ou uma divindade, mas alguns são apenas lendas tradicionais, passadas oralmente de geração em geração.

As perguntas primeiras, porém, perduram: afinal, o que é mito? Mito, mythos, no grego, na verdade, não é fácil defini-lo academicamente. É mais fácil empregar o método comparativo para compreendê-lo. Mesmo assim vamos tentar, vê-lo como um relato fabuloso de caráter mais ou menos sobrenatural ou sagrado.

Nas culturas em que seu estudo é ativo, o mito serve de referência, justificativa ou paradigma (modelo). Há quem diga que mito é um relato cujas origens foram esquecidas ou, por fim, a história, não-científica do pensamento primitivo de um povo.

O mito faz parte de um jogo de perguntas e respostas, ele responde aos porquês do homem de todas as épocas: “Por que o sol nasce e se põe?”, “Porque há maldade no mundo?”. “O que é o ser?”. Apesar do mito apresentar uma explicação atualmente encarada como fantástica e ilusória, não há como negar sua forte carga de imagens, símbolos e alegorias capazes de penetrar na mente humana, justificando sua apropriação pela psicanálise.

Segundo os estudiosos, o mito pode ser entendido como um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas. Por detrás da formulação de um mito sempre vamos encontrar alguma referência a um estado de necessidade do ser humano. O homem se fortalece a partir dos seus mitos.

Ao tentar entender esse sentimento, que trava uma batalha entre o bem e o mal, o homem cria mitos e histórias que fascinam e o exaltam. A adição do mito ao con-texto da existência humana torna-se pré-texto para a eleição de algo superior, um socorro, um esteio. O mito assume assim o papel de uma ferramenta psicológica e afetivamente saudável, plena de objetivos de valor e de sentido. O mito ajuda o homem a delinear um sentido para a sua vida.

A mitologia é secularmente vista como a origem da psicologia de auto-ajuda. Durante séculos os seres humanos usaram mitos, contos de fadas, lendas e folclore para explicar os mistérios da vida e torná-los suportáveis – desde o porquê as estações do ano mudam até o enigma da morte – passando por complexas questões de relacionamento.

Platão transmitiu conceitos filosóficos obscuros através de mitos e alegorias simples. Na antiga medicina hinduísta, quando alguém, com dificuldades mentais ou emocionais, consultava um médico, e este lhe prescrevia uma história sobre a qual meditar, com isso ajudando o paciente a encontrar sua própria solução para o problema. Muitas vezes é o nosso pensamento linear, racional e obcecado com as causas, que obscurece o sentido mais profundo e a resolução dos dilemas da vida.

Acontecimentos históricos podem se transformar em mitos, se adquirirem uma determinada carga simbólica para uma certa cultura. A partir dessas constatações, vemos que todas as culturas têm seus mitos, alguns dos quais são expressões particulares de arquétipos comuns a toda a humanidade. No mito ocorre o entrelaçamento com a fábula, o conto de fadas, a lenda, a saga, e até a história.

O mito, além de acomodar e tranqüilizar o homem em face de um mundo assustador, dando-lhe a confiança de que, através de suas ações mágicas, o que acontece no mundo natural depende, em parte, dos atos humanos, ele também fixa modelos exemplares de todas as funções e atividades humanas.

O mito, portanto, é uma “primeira fala sobre o mundo”, uma atribuição primeva de sentido ao mundo, sobre a qual a afetividade e a imaginação exercem grande papel, e cuja função principal não é explicar a realidade, mas acomodar o homem a seu ambiente e ao mundo.

Na verdade, há milênios o homem cria seus mitos, seus deuses, que refletem, (até hoje) a sua própria natureza, os sentimentos interiores, medos, desejos mais profundos, sempre acrescidos por elementos que remetem a existência à imortalidade, ao prazer e a satisfação de cada sentimento e emoção (humana), que se torna divina. Os mitos, as histórias criadas pela tradição ou pelo imaginário popular, são em sua maioria de caráter atemporal, acontecimentos e personagens misturam-se sem o cuidado de datas e seqüências.

O mesmo acontece com o inconsciente humano, que também age de tal forma, resgatando passados, confundindo-se com o presente.

Culturalmente, o mito é sentido e vivido antes de ser inteligido e formulado. Assim, ele é a palavra, a imagem, o gesto, que circunscreve o acontecimento no coração do homem, emotivo como uma criança, antes de fixar-se como narrativa.

A despeito de algumas correntes tentarem reduzi-lo a simples conjunto de lendas, há no mito toda uma potencialidade universal. Poucos se dão ao trabalho de verificar a verdade que existe no mito, buscando apenas a ilusão que o mesmo contém.

Teologicamente, mito não aponta para nenhum tipo de idolatria ou heresia contra as crenças tradicionalmente reveladas. Apenas mostra a liberação, através da fantasia, dos desejos e questionamentos que habitam a alma humana.

Os filósofos falam em “primeiros princípios”. Eles traduzem a origem de uma instituição, de um hábito, a lógica de uma saga, enfim, traduzem a dinâmica de um encontro. Na expressão de J. W. Goethe († 1832), os mitos são as relações permanentes do subconsciente da vida humana.

Filosofo e escritor

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 21/07/2007
Código do texto: T573604