Não creio em nada!
Recordo que há mais de trinta anos travei conhecimento com a obra de Nikoláos (Nikos) Kazantzakis († 1957) um escritor grego, natural de Heráklion, a capital da ilha de Creta. Dizem que o grande escritor se destaca não pela quantidade de seus livros, mas pela qualidade. Na verdade, Kazantzakis tem apenas cinco obras publicadas: “Odysséia” (1938), “Aléxis Zorba” (Zorba, o grego: 1946), “A última tentação” (1954) “O Cristo recrucificado” (1955) e “O pobrezinho de Deus” (1956).
Pragmático, irreverente e contestador, ele foi alvo de censuras por parte da Igreja Ortodoxa da Grécia, a qual atacou em suas obras. Em “O pobrezinho”, obra que conta a saga de São Francisco de Assis, ele ataca a riqueza e o luxo das igrejas da Grécia. No enredo do “Cristo recrucificado” ele afirma que se Jesus voltasse à terra seria morto de novo. Na história, Cristo é morto, na Sexta-feira Santa, dentro da Igreja, apunhalado por um pope (padre). Sua obra mais polêmica foi “A última tentação”, levada às telas por Martim Scorsese em 1988, com o título de “A última tentação de Cristo”, onde Jesus desiste de morrer na cruz e vai viver com Madalena, com a qual tem filhos. Isso lhe valeu a exclusão (excomunhão) da Igreja Ortodoxa.
Pois em junho de 2007 fiz um cruzeiro pela Grécia, estive em Creta e conheci o túmulo de Kazantzakis, junto a uma das portas da muralha veneziana da bela Heráklion. Eu nem sabia que ele estava enterrado lá. Morreu na Alemanha e posteriormente seus ossos foram repatriados para sua terra natal. Na ilha de Creta há resquícios da cultura veneziana, que usava a cidade como local de parada técnica dos Cruzados e dos Cavaleiros Templários que iam à Terra Santa. A capital é toda ela cercada por uma alta e consistente muralha que a defendia dos ataques otomanos.
Na lápide, os amigos de Nikos colocaram, a pedido do escritor, uma frase que sintetizou sua filosofia de final de vida: “Den elpiso tipota; den foboumai tipota: eimai eleftéros”, o que em língua de gente quer dizer: “Não creio em nada; não espero nada; sou livre!”. Após suas brigas com a Igreja Ortodoxa, dizem que ele passou a se confessar ateu. A frase que aparece em sua lápide é um contraponto ao Credo grego. A profissão de fé dos helênicos (que para nós é o Credo Niceno-Constantinopolitano) começa dizendo: “Creio em só um Deus, Pai Todo-poderoso, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis”. Em sua discordância com a Igreja, Kazantzakis afirma “Não creio em nada!”. O mesmo Credo termina afirmando “... e espero a vida do mundo que há de vir”, ao que o escritor contrapõe: “Não espero nada”. E conclui dizendo que, por não crer e por não esperar, é livre. Complicado.
Minutos depois, numa loja de suvenires, peguei na mão uma camiseta preta, onde aparecia, em letras cirílicas a frase citada. Achei-a bonita. Eu adoro trazer camisetas temáticas dos lugares por onde viajo. Olhei, manuseei, mas decidi não trazer. Afinal, por mais vistosa que fosse a “T-shirt” contrariava radicalmente as verdades que minha fé professa. Não poderia vestir e tornar pública uma afirmação com a qual não concordo.
Filósofo e escritor