Tartaruga-da-Amazônia: Seu papel como espécie-bandeira na conservação ambiental
A expressão “espécie-bandeira” (ou flagship species, em inglês) surgiu pela importância que as bandeiras tinham nas civilizações antigas.
No tempo das Navegações as bandeiras eram colocadas no topo de longos mastros posicionados no centro dos navios para que todas as demais embarcações pudessem identificar sua origem e intenções. Mesmo a grandes distâncias os marinheiros observavam a bandeira que lhes transmitia sinal de segurança e tranqüilidade pela aproximação de povos amigos ou, por outro lado, sinal de alerta e perigo no caso de adversários e piratas.
Em meados do Século XX, esse simbolismo da bandeira dos navios foi usado pelos governos nos projetos de conservação da natureza, que começaram a utilizar algumas espécies de bichos e plantas com a ideia de chamar atenção e unir a sociedade em torno de determinados objetivos.
No Brasil, o mico-leão-dourado foi o primeiro animal utilizado como espécie-bandeira. Isso aconteceu em meados dos anos 60, quando os funcionários do Departamento Nacional de Recursos Naturais Renováveis (DNRN) passaram a se preocupar com a possibilidade de sua extinção.
Em 1968, esse grupo de profissionais, agora reunidos no recém-criado Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), organizou a 1ª Lista das Espécies da Fauna Silvestre Ameaçadas de Extinção, ampliando essa preocupação para diversos segmentos da sociedade nacional.
Aos poucos surgiram outras iniciativas com espécies-bandeira. Mas foi em 1979 que o IBDF marcou história ao usar esse conceito como base para criar uma série de grandes projetos de conservação.
Assim, o mico-leão-dourado tornou-se símbolo na defesa da Mata Atlântica na Região Sudeste, o peixe-boi e as tartarugas marinhas envolveram esforços no litoral Nordestino e a tartaruga-da-Amazônia marcou a proteção dos rios e florestas do Centro-Oeste e Norte do país.
Todos esses Projetos ganharam destaque e projeções diferenciadas, mas certamente que é na Amazônia que se encontram os maiores resultados.
O Projeto Quelônios da Amazônia – PQA, sob a coordenação do Doutor Engenheiro Florestal Vitor Hugo Cantarelli, foi implantado inicialmente nos Estados da Região Norte integrantes da bacia hidrográfica do rio Amazonas (Acre, Rondônia, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá), e posteriormente estendido aos Estados da bacia Araguaia/Tocantins (Mato Grosso, Goiás e Tocantins). Anualmente, os técnicos e fiscais atuam em mais de 120 áreas distribuídas nesse imenso território, promovendo ações diversas para envolver as comunidades locais no manejo e proteção desses animais.
Em 1989, o IBDF deu origem ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que desde então é o principal órgão federal executor das ações de manejo e proteção aos quelônios amazônicos. Em 2007, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) passou a somar forças nessa luta.
O Projeto Quelônios da Amazônia é reconhecido como iniciativa ímpar no mundo. Os números de manejo são dignos de nota e de admiração.
A quantidade de áreas manejadas, num território extremamente vasto, em 9 Estados, abrangendo áreas importantes do Cerrado e significativa parcela do Bioma Amazônia, num período de aproximadamente quatro décadas ininterruptas, são algumas razões que tornam o Projeto Quelônios da Amazônia realmente impressionante
De acordo com dados oficiais, já foram manejados cerca de 70 milhões de filhotes de tartaruga-da-Amazônia. Só para se ter uma ideia da dimensão desse resultado, basta dizer que esse número é praticamente o dobro conseguido pelo Projeto TAMAR no mesmo período, e infinitamente maior em relação aos Projetos Peixe-boi-marinho e Projeto Mico-leão-dourado.
Na verdade, essas cifras conferem ao Projeto Quelônios da Amazônia o reconhecimento como o maior programa desenvolvido no mundo com uma espécie de tartaruga em ambiente natural.
Não pensem que chegar a esse resultado foi fácil, pois os gestores e técnicos tiveram que enfrentar inúmeros obstáculos, como falta de pessoal qualificado, ingerências políticas e cortes constantes nos então insuficientes orçamentos.
Mesmo com tais limitações, é certo dizer que no Brasil poucos projetos e programas governamentais de proteção dos recursos naturais tiveram tamanha duração, magnitude e capilaridade.
Contudo, as conquistas do Projeto Quelônios da Amazônia não se limitam a mobilização de esforços para salvar uma espécie da extinção. Os seus benefícios são muito maiores, pois ao se usar uma espécie-bandeira, carismática e importante como a tartaruga-da-Amazônia iniciou-se uma grande revolução no comportamento das pessoas e na definição de políticas públicas.
Essa iniciativa que começou como uma política pública vertical implementada pelo Governo Federal, em poucos anos ganhou parceiros nos Estados e Prefeituras, além de ampla aceitação por parte da sociedade civil organizada, que multiplicaram essas metodologias em inúmeras iniciativas locais, ampliando os esforços conservacionistas e de valorização das práticas socioambientais.
Uma espécie-bandeira serve para despertar o interesse por determinado assunto. A partir da tartaruga-da-Amazônia as pessoas e grupos foram se interessando por novos assuntos, mobilizando-se por outras causas importantes, cuidando de outros animais, recuperando nascentes, plantando árvores, pensando na reciclagem do lixo e nos problemas da poluição ... E hoje, quase 40 anos após o engajamento dos pioneiros do IBDF, podemos dizer com orgulho que existe uma sociedade mais consciente e motivada a atuar na proteção da natureza e na construção de um Brasil mais justo e sustentável!!!
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AGRADECIMENTOS
A realização desse trabalho só se tornou possível pela imensa colaboração que recebi de inúmeras pessoas.
Aproveito para manifestar meus agradecimentos especiais para: (1) Engenheiro Florestal Vitor Hugo Cantarelli, coordenador nacional do Projeto Quelônios da Amazônia de 1979 a 2013, (2) Engenheiro Florestal Rubens da Rocha Portal, coordenador do Projeto Quelônios do Amapá de 1980 a 2016, (3) Geógrafa Divina Paula Batista de Oliveira da SUPES-TO, (4) Rafael Antônio Machado Balestra do RAN/ICMBIO em Goiânia (GO), (5) Ambientalista do IBAMA Gaspar Saturnino da Rocha, coordenador do Projeto Quelônios do Rio das Mortes, (6) Adson Gomes de Ataídes, Mestre em Ciências do Ambiente, (7) Thiago Costa Gonçalves Portelinha, Mestre em Ecologia, (8) Drª Adriana Malvasio da UFT, em Palmas (TO).
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Palmas - TO, Junho de 2016.
Giovanni Salera Júnior
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br
Curriculum Vitae: http://lattes.cnpq.br/9410800331827187
Maiores informações em: http://recantodasletras.com.br/autores/salerajunior