Por que um projeto anticorrupção com 2 milhões de assinaturas está parado na Câmara?
Por que um projeto anticorrupção com 2 milhões de assinaturas está parado na Câmara
Análise das propostas encaminhadas pelo Ministério Público Federal depende de decisão do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão. E até agora nada foi feito.
Em 29 de março, um ato no Congresso marcou a entrega de dois milhões de assinaturas em apoio à campanha “10 medidas contra a corrupção”, do Ministério Público Federal, transformada no mesmo dia em projeto de lei. Mas o forte respaldo popular não foi suficiente para fazer a proposta andar.
As “10 medidas contra a corrupção” tornam crime o enriquecimento ilícito de servidor público, endurecem a punição de corrupção e reduzem o número de recursos que possam atrasar o julgamento de crimes de colarinho branco, entre outros pontos.
Para que o texto comece a ser analisado, é necessário instalar uma comissão especial da Câmara. A decisão para fazer isso é do presidente da Casa. Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não o fez até ser afastado. O interino Waldir Maranhão (PP-MA) também nada fez.
Em 25 de maio, o deputado federal Mendes Thame (PV-SP), um dos parlamentares que assumiram a condução do projeto de lei das “10 medidas”, cobrou em discurso no plenário da Câmara a instalação da comissão especial.
Os promotores e procuradores do Ministério Público Federal que se mobilizaram pelas “10 medidas” seguiram os passos da Lei da Ficha Limpa, que também nasceu por meio da iniciativa popular e vetou a candidatura de políticos condenados em segunda instância pela Justiça. A Lei da Ficha Limpa demorou oito meses para ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.
O caminho do projeto das 10 medidas
29 DE MARÇO
Entrega das 2 milhões de assinaturas e apresentação do projeto de lei sobre as 10 medidas contra a corrupção.
6 DE ABRIL
Mesa Diretora da Câmara decide que projeto deve ser analisado por uma comissão especial, a ser instalada em data definida pelo presidente da Casa.
4 DE MAIO
Mendes Thame se reúne em audiência com o então presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e pede urgência na instalação da comissão.
5 DE MAIO
Supremo Tribunal Federal afasta Eduardo Cunha do cumprimento do mandato.
25 DE MAIO
Mendes Thame faz discurso na Câmara em que diz ter pedido a Waldir Maranhão que instale a comissão e cobra “esforços” para agilizar a tramitação.
A secretaria-geral da Mesa da Câmara informou ao Nexo que o projeto está parado, aguardando uma ordem de Maranhão que determine a comissão especial. A decisão é tomada de acordo com critérios políticos e não há prazo para que ela aconteça.
O Nexo perguntou à assessoria de Maranhão quando ele pretende determinar a instalação da comissão, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Demora é ‘injustificável’, diz idealizador da Ficha Limpa#
O advogado eleitoralista e ex-juiz de Direito Márlon Reis, idealizador da Lei da Ficha Limpa, diz que a demora no andamento do projeto das 10 medidas contra a corrupção é “injustificável”.
“Num período em que todo mundo cobra mudanças efetivas contra a corrupção, é impressionante que o Congresso sequer movimente esse projeto de lei [proposto pelo Ministério Público], com toda a legitimidade que ele tem”
Márlon Reis
Idealizador da Lei da Ficha Limpa
A Lei da Ficha Limpa foi apresentada em setembro de 2009 e em maio do ano seguinte foi aprovada pela Câmara e pelo Senado.
Márlon diz que o projeto andou de forma célere porque havia um quadro de pressão permanente sobre os deputados: “Nós praticamente nos mudamos para a Câmara, havia um acompanhamento diário e as redes sociais estavam pressionando, cobrando os parlamentares por e-mail”.
O subprocurador-geral da República Marcelo Moscogliato, coordenador da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, dedicada ao combate à corrupção, diz que a demora na tramitação do projeto “preocupa” a instituição, mas que no momento não há “nenhuma medida” ao alcance da Procuradoria que possa acelerar o processo.
“A gente inicialmente deu estrutura [à campanha] e apresentou os projetos. Esse movimento não acabou, mas [agora] depende mais da sociedade civil do que do Ministério Público”
Marcelo Moscogliato
Subprocurador-geral da República
Ele também aponta que o momento histórico atual no Congresso é diferente do da época da aprovação da Ficha Limpa, pois a análise do pedido de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff “muda o debate”.
Enquanto isso, outras iniciativas vão na direção contrária da Lava Jato#
A demora na instalação da comissão especial ocorre ao mesmo tempo em que se discutem duas medidas que atingem instrumentos de combate à impunidade que ajudaram a Operação Lava Jato: proibir que a delação premiada seja firmada com uma pessoa que esteja presa e tentar contornar a decisão do Supremo que autoriza a prisão de quem for condenado em segunda instância, antes que todos os recursos sejam esgotados.
Os dois temas foram abordados pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em conversa realizada em março com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, gravada pelo último para conseguir fechar um acordo de delação premiada.
Renan fala sobre delação e prisão
“RENAN: Antes de passar a borracha, precisa fazer três coisas, que alguns do Supremo [inaudível] fazer. Primeiro, não pode fazer delação premiada preso. Primeira coisa. Porque aí você regulamenta a delação e estabelece isso.
MACHADO: Acaba com esse negócio da segunda instância, que está apavorando todo mundo.
RENAN: A lei diz que não pode prender depois da segunda instância, e ele aí dá uma decisão, interpreta isso e acaba isso.
MACHADO: Acaba isso.”
Ambas as iniciativas estão em projetos de lei do deputado Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da OAB do Rio. O 4372/16, apresentado em 16 de fevereiro, proíbe a elaboração de acordos de delação por quem estiver preso, e o 4577/16, apresentado em 1º de março, impede que pessoas condenadas em segunda instância sejam presas se houver recurso pendente de análise pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal.
Na justificativa dos projetos de lei, Damous afirma ser necessário impedir a delação premiada de detidos para preservar o caráter voluntário do instituto e evitar que a prisão cautelar seja usada como “instrumento psicológico de pressão” ou decretada sem fundamentação apenas para atender “objetos outros”.
Sobre a prisão após a segunda instância, Damous diz que a decisão do Supremo desconsidera o princípio da presunção da inocência, segundo a qual ninguém deve ser considerado culpado até decisão definitiva, e representa um retrocesso em matéria de direitos fundamentais.
Na sexta-feira (27), o juiz Sergio Moro, que conduz a Lava Jato na primeira instância do Judiciário, afirmou que os dois projetos, se aprovados, poderão contribuir para o “retorno do status quo de impunidade dos poderosos”.
(Words by B. L.)