Psicopedagogia, Dinâmica de Grupos e MOP Metodologia de Oficinas Psicopedagógicas: contribuições possíveis, espaço de construção e autoria de pensamento.

Psicopedagogia, Dinâmica de Grupos e MOP Metodologia de Oficinas Psicopedagógicas: contribuições possíveis, espaço de construção e autoria de pensamento.

“Não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas.
Palavras muito puras, gotas de cristal. Sinto a forma brilhante e úmida debatendo-se dentro de mim. Mas onde está o que quero dizer? Inspirai-me, eu tenho quase tudo:
eu tenho o conteúdo à espera da essência. ”
Clarice Lispector

1- Psicopedagogia e dinâmica de grupos: contribuições possíveis ao debate

Este artigo se propõe a discutir o objeto de estudo da dinâmica de grupo a partir de algumas idéias surgidas no campo da Psicopedagogia. Por ser tema central de estudos que venho desenvolvendo enquanto pesquisador, teço idéias sobre as relações entre as dinâmicas de grupo e a Psicopedagogia, buscando referenciais teórico-metodológicos que forneçam subsídios para que o meu próprio campo de sentido se fortaleça e amplie.
Escrevo a partir de minha busca e de minha prática como ensinante em cursos de pós-graduação lato-sensu em Psicopedagogia e Educação, em mini-cursos, oficinas em eventos educacionais e congressos, enfim, como sujeito desejante. Pautado numa pedagogia libertadora, me posiciono por fazer, nos espaços onde atuo, um movimento de cognição mais amplo, aberto, dentro de uma visão mais holística e plena. Ao assim me posicionar, tenho enfrentado desafios ricos e estimuladores para continuidade de minha trajetória, enquanto aprendente e profissional interessado em aprendizagem humana.
Desloco-me no tempo e espaço do aprender e do ensinar como um sujeito em busca, fazendo a caminhada para ampliar meus conhecimentos e, ao assim fazer, socializar o saber adquirido e compartilhar as experiências vivenciadas.
Aqui é um espaço para tal objetivo/meta. Minha pretensão com este trabalho é pensar nas relações existentes entre Psicopedagogia e Dinâmica de Grupos, propondo algumas idéias que podem ser relevantes ao debate sobre o nosso cotidiano fazer. Portanto, deixo claro que tais idéias estão em desenvolvimento, a partir dos estudos que tenho feito e estou, assim, apenas criando uma sistematização possível entre tantas outras.
Compreendo as dinâmicas de grupo como um processo que serve para levar a reflexão sobre nossos papéis enquanto pessoas, cidadãos, aprendentes e ensinantes, pois sei que, na complexidade da vida, estamos em processo constante de aprendizagem “num indo e vindo infinito”, como nos diz o poeta, discutindo e refletindo sobre os vínculos que estabelecemos neste movimento. (1)
Em cada dinâmica vivenciada a participação conduz a processos de abertura de novos caminhos, onde é possível pensar no poder de criar novas formas de, enquanto humanos, transformarmos nossas vidas e substituirmos nossas ações práticas, em muitos momentos autoritárias e tradicionais (educação bancária) em práticas democráticas, dialógicas e libertadoras.
Em minha experiência tenho observado o quanto é necessário refletir sobre tais questões. E nesta observação, o que tenho me proposto é desenvolver um programa de dinâmicas de grupos voltado à formação em Educação e Psicopedagogia, visando alcançar maior envolvimento e efetiva participação na prática pedagógica.
Num primeiro momento, o que me possibilitou arrumar essas idéias de modo coerente foi conceituar educação bancária e educação libertadora, analisando as práticas pedagógicas autoritárias e tradicionais, comparando-as com a prática libertadora, democrática e dialógica. De fundamental importância tem sido o resgate de minhas leituras de trabalhos de Paulo Freire, relacionadas na bibliografia presente no final deste artigo.
Apontar para as metodologias ativas que possibilitem transformações à realidade tradicional em realidades construtivas e propor metodologias participativas (dinâmicas de grupo) como alternativas possíveis para a construção de um cotidiano interativo, onde ensinantes e aprendentes superem a condição de objetos e tornem-se sujeitos nos processos de ensinagem, é o movimento que agora estou vivenciando.
Aqui entra os referenciais da Psicopedagogia, campo interdisciplinar que, por sua riqueza e abrangência, tem fornecido aos que querem ampliar suas perspectivas sobre o ensinar e o aprender mananciais de novos olhares, novos posicionamentos e saberes. No próximo item trato de algumas possíveis relações, considerando-a enquanto espaço de construção e (re)construção do conhecer.

2- Espaço de construção e (re)construção do conhecer: Psicopedagogia como elo contribuinte.

Os espaços de construção e (re)construção do conhecer ganham significativa importância em nossa formação humana quando pensamos no sujeito que, enquanto ser vivente, ensina e aprende.
Sabe-se que o objeto de estudo da psicopedagogia é a aprendizagem e suas complexidades, e ao assim saber, percebo ser este o espaço global de inserção de ensinamentos e reflexões sobre o que este fazer, construído historicamente, possui de interdisciplinar. Enquanto espaço e tempo de ensinar e aprender, o espaço sala-de-aula pode ser rico e apontar para o autoconhecimento de cada um que nele atue e vivencie a experiência de estar junto, em grupos. Para Fromm, “conhecer significa penetrar através da superfície, a fim de chegar às raízes e, por conseguinte, às causas; conhecer significa” ver “a realidade em sua nudez.” (2)
Este autoconhecimento, então, só pode se dar em grupo, pois é a partir do encontro entre o eu e os outros eus é que pode ser possível conhecer a si mesmo e, assim, evoluir, ampliar saberes, torna-se gradativamente um ser humano melhor.
Na Psicanálise, o conhecer a si mesmo refere-se ao ser epistemológico, aquele que conhece e que ao conhecer torna-se fonte de seu próprio conhecimento, com suas subjetividades.

De acordo com LIMA (2003)

“É esse ser humano de Freud: cultural e dependente de sua cultura, que reprime impulsos, cria mitos, faz guerras e vive oprimido, numa constante repressão, ainda que caminhe sempre com prazer. Um sujeito inconsciente, desejoso do gozo, narcíseo. Sujeito dialético entre o princípio do prazer e o da realidade, entre a pulsão da vida e a de morte.”

A meu ver esta pulsão de vida e de morte se faz presente nos múltiplos desafios que surgem nas instituições no que concerne a habilidade humana de relacionarmos uns com o os outros. Nestas relações, o estar/ser/viver em grupo é o modo de, a partir da soma das nossas diferenças, criarmos perspectivas de coletividade, força capaz de fazer emergir soluções para o enfrentamento das imensas problemáticas de nosso tempo.
O campo da Psicopedagogia é uma vertente em estado de ser sempre nova, plural e inter-multi-transdisciplinar capaz de fornecer o suporte teórico necessário à compreensão desses desafios: o que considero ser preciso é estarmos, sempre, nesse movimento de busca (3) . Essa busca, quando se faz solitária, estará fadada ao insucesso, condenada a morte em vida. Mas, quando em movimento coletivo, em parceria solidária, exercita e desenvolve nossas capacidades e múltiplas inteligências, pois assim vamos aprendendo uns com os outros, em exercício de comunhão.
No percurso de experimentação que gradualmente tenho vivenciado, muitas possibilidades de sistematização estão surgindo e o diferencial que observo é o que se refere à própria prática das instituições: as demandas atuais remetem nosso olhar para o resgate do humano.(4)
Minha crença e postura diante deste resgate é que, pela vivência de situações de grupos, existem condições possíveis e concretas para o surgimento de espaços que possam desenvolver as diferentes competências e habilidades para a promoção da mudança e da ação de transformar, a si mesmo e aos outros e, em conseqüência, o mundo (5) .
Para tal promoção, o encontro precisa ocorrer, o vínculo precisa ser criado, estabelecido em sinergia e sintonia propícias ao aprender e ensinar. É preciso acreditar que a paixão move o nosso fazer e, repito, minha busca, meu caminho tem sido este: somar, dividir, compartilhar experiências e idéias, encontros e desencontros, envolver-se com o caminho que não é só meu, mas dos que buscam cuidar para que o mundo novo surja a partir do humano em nós.
É do espaçotempo da sala de aula dos cursos onde atuo que teço os fios que compõe o tecido deste texto. Texto tecido de muitos modos, nascidos de muitas mãos, parcerias num novo fazer, onde o diálogo, o diagnóstico, a discussão, a reflexão, o aprofundamento e o comprometimento tenham efetivo lugar.
O propósito deve ser construir contribuições para que este diálogo seja estimulado, pois necessário deve ser considerá-lo como principal ferramenta para a cooperação, para a inclusão, a articulação e a comunicação, aspectos fundamentais na Metodologia de Oficinas Psicopedagógicas – MOP.
O papel fundamental dos dinamizadores de processos de formação envolvidos com a metodologia da dinâmica de grupo é o de ser facilitador deste processo, buscando atingir o objetivo maior: uma comunicação dialógica, pautada no respeito à diversidade, na pluralidade de idéias e fomentadora do poder de participação(6).

3- Autoria de pensamento como conexão entre Psicopedagogia e Dinâmicas de grupos.

Autoria de pensamento é uma categoria proposta por FERNANDÈZ (2001) em um magnífico trabalho necessário para o estudo de todos que se dedicam a Educação em geral e Psicopedagogia em particular. Ao tratar da autonomia da pessoa e autoria do pensar, a autora nos ensina que o sujeito precisa reconhecer a si mesmo como sujeito, como autor que se projeta entre o possível, o provável, o desejo, a decisão e a autoria (7).
É a partir do desejo que este movimento se dá em nossas vidas como aprendentes e ensinantes, ou como nos ensina a autora, “aprendensinantes”. Os processos de autoria identificam o aprendizado como sendo sempre processual e, por isso, capaz de criar relações capazes de nos fazer perceber que o aprender requer a superação de desafios e a aceitação de diferentes contextos.
Numa nova cultura da aprendizagem, aprendentes e ensinantes devem tornar-se parceiros, imbuídos do desejo de tentar compreender o tempo que vive. Só a construção de uma interação entre aprendentes e ensinantes com fortes vínculos poderá acontecer, qualitativamente, o surgimento de uma outra possibilidade de fazer educação de qualidade.

Concluindo (?) o percurso aqui iniciado:

A partir das reflexões aqui estabelecidas, percebo que as dinâmicas de grupo contribuem significativamente para a modificação de atitudes e comportamentos individuais e grupais. O que se torna necessário é a construção de estudos metodológicos que possibilitem um entender com mais clareza e movimento teórico sobre sua prática, pois é necessário vincular teoria e prática para dar significado e sentido ao seu fazer, ou seja, dinâmica de grupo tem que ter objetivo, não é só fazer por fazer.
Os conhecimentos já formulados por diversos autores sobre o tema requerem de nossa parte uma outra visão, onde subjetividade e cotidiano, realidade e contextos sejam pontos de partida. Na ação do psicopedagogo este movimento é próprio, em suas relações de práticas institucionais ou clínicas, como sujeito ensinante/aprendente. O que se constitui como interessante tarefa é o pensar criticamente a respeito do grupo onde se está inserindo uma proposta de trabalho que privilegie o estarjuntocom, o viver junto com o outro, em movimento de interação e estabelecimento de parcerias.
É fundamental garantir o seguinte pensar: em grupo, o trabalho feito é baseado na produção constante, resultado das múltiplas relações entre o individual e o coletivo, que são aspectos de uma mesma dada realidade, que são construídos mutuamente.
Importante também é ressaltar que todo o trabalho em grupo deve permitir a construção de espaços autorizados para a expressão dos sentimentos, das emoções, dos pensamentos e, assim, ser lugar de intercâmbio entre os sujeitos que participam do grupo, para que se busque, então, a articulação necessária entre espaço, tempo, harmonia e equilíbrio no movimento próprio do ensinar e aprender.
O meu desejo é que este movimento sempre possa estar contagiado pela alegria, pois como nos diz o poeta João Cabral de Mello Neto:

“É preciso trabalhar todos os dias pela alegria geral
É preciso aprender esta lição
Todos os dias
e sair pelas ruas cantando
e repartindo a mão
cristalina, a fonte fraternal. ”

Referencias:
1- Sobre a questão dos vínculos nos espaços de aprendizagem, conferir:CONSUELO, Dulce. Os vínculos como passaporte da Aprendizagem: um encontro D´EUS Editora Caravansarai, rio de Janeiro, 2003
2- FROMM, Eric. Ter ou ser? Editora Zahar, Rio de Janeiro, 1979, p.56.
3- BEAUCLAIR, João. Para entender Psicopedagogia: perspectivas atuais, desafios futuros .Editora WAK, Rio de Janeiro, 2006, (Segunda edição 2007, no prelo).
4- Neste sentido, conferir: BEAUCLAIR, João. Educação para a Paz: um estilo de ‘aprenderensinar’ e ‘ensinaraprender’ na perspectiva da Educação em Direitos Humanos como possível suporte psicopedagógico. Publicado no site www.fundacaoaprender.org.br e BEAUCLAIR, João. Iniciantes idéias: a construção do olhar do/a psicopedagogo/a. Artigo publicado no site da Associação Brasileira de Psicopedagogia www.abpp.com.br e no site www.psicopedagogiaonline.com.br
5- BEAUCLAIR, João. Psicopedagogia: trabalhando competências, criando habilidades. Coleção Olhar Psicopedagógico, Editora WAK, Rio de Janeiro, 2004, (Segunda edição 2006).
6- Conferir: FAUNDEZ, Antonio. O poder da participação. Cortez Editora, São Paulo, 1993.
7- FERNANDÉZ, Alicia. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Editora ARTMED, Porto Alegre, 2001.