Meu rio São Francisco II
Num trabalho acadêmico, teria eu de citar, além da frase do autor, o livro, o ano de sua publicação e a página. Por isso, certa vez, tive de excluir uma citação de Freud, por não lembrar onde li sua frase: “A educação refreia o instinto”.
Na condição de ribeirinho do São Francisco, tenho citado, em vários textos, uma frase que li, de autoria do sociólogo Gilberto Freyre, mas, até hoje, não consegui descobrir em qual de suas obras. “A natureza parecia estar bem intencionada ao criar o rio São Francisco...” E explica a razão: nascendo em Minas Gerais, poderia ter desembocado na Bahia ou no Espírito Santo, onde o oceano está a pouco mais de 200 quilômetros de sua nascente. Entretanto, faz uma curvatura e vai desembocar a 2.800 quilômetros, beneficiando a região mais árida do Nordeste.
Nascido à margem direita do São Francisco, na confluência dos estados da Bahia, Pernambuco e Alagoas, passei também por Sergipe, tendo morado em Propriá, também em sua margem direita. Assim, morei nos seus dois lados, em cinco municípios, até mais da metade de minha vida, por ter deixado a região somente depois dos quarenta anos de idade. Portanto, sanfranciscano da gema.
Nos meus escritos, costumo dizer que só falo das coisas boas. Os outros que falem do lado negro, assim como já vimos em Graciliano Ramos, em Vidas Secas, Euclides da Cunha, em Os Sertões, entre tantos outros, mostrando o sofrimento do nordestino, assim como hoje na novela Velho Chico. A literatura e a mídia em geral fazem mais sucesso, quando mostram a miséria.
Na minha primeira obra, em estilo de cordel, que intitulei de Belezas de Maceió, falei apenas do lado bom, das belezas naturais. Em do Sertão ao Mar, não fugi à realidade, mas dei ênfase ao lado bom, a exemplo do que o rio trouxe de progresso em razão de suas usinas hidrelétricas, que entre outros benefícios, propiciou a irrigação, fazendo com que a região produzisse frutos que são exportados para a Europa e Estados Unidos. A região mais próspera, Juazeiro e Petrolina, onde se instalaram importantes vinícolas, atraiu investidores do sul do país e até mesmo do exterior, aproveitando assim “a boa intenção da natureza” que criou o rio São Francisco, com sua rota tortuosa, para beneficiar nosso Nordeste.
Apesar de ter relido algumas obras de Gilberto Freyre, com o intuito de localizar a frase que sempre tenho citado, fico em débito com quem tem me cobrado. Mas, não iria inventar nem atribuir a ele, se não tivesse lido em algum lugar. A essa altura, o que mais importa é o que ele disse e não onde escreveu. Se em Casa Grande e Senzala, Um Brasileiro em Terras Portuguesas, Interpretação do Brasil ou em outras obras, aqui não me exige o sacrifício de um trabalho acadêmico. Melhor citá-lo, mesmo sem ter de justificar-me. Vale mais o benefício do rio, que ele também reconheceu. Velho Chico, rio da Unidade Nacional, meu rio São Francisco.