O BRASIL NA DELEGACIA
Milton Pires
Escrevo nas vinte e quatro horas seguintes ao treze de março. Isso mesmo: nas vinte e quatro horas seguintes. Não vou usar, em reconhecimento ao que aconteceu ontem, a data própria do dia de hoje. Escrevo cansado, embora não tenha ficado, eu mesmo, mais do que quarenta e cinco minutos na manifestação de Porto Alegre. Minha presença não era mais necessária: não havia sequer como se mexer.
Eu escrevo na luz da tarde de março, nessa luz que precede o outono e fazendo força para não cansar de mim mesmo, para que isso que eu escrevo não seja puro devaneio..
Acabo de ler partes do depoimento dado por Lula à Polícia Federal no dia quatro desse mês – aquele mesmo dia que a esquerda brasileira definiu como data da “Operação Congonhas”. Encontro expressões (de Lula) como “não sei”, “não conheço”, “nunca ouvi falar”...e digo, para perplexidade do leitor, que não é Lula quem está falando: é o próprio Brasil ! O Brasil que não quer saber de estudar, de se informar, de se esclarecer...O Brasil que não percebe a jararaca trocando de pele e mostrando uma nova cobra (dessa vez com cabeça de tucano) e nem o Golpe de Estado tramado pela própria classe política (contra o povo que ontem foi às ruas) com a ideia de “parlamentarismo”
Em cada “não sei” de Lula, em cada “não conheço”...em todo “não era comigo”, eu me lembro das pessoas com quem convivi na minha vida profissional, dos colegas de quem eu esperei solidariedade quando meu nome foi para o lixo e que ontem encontrei nessa “direita festiva” que tomou conta, com a carinha pintada de verde-amarelo, das ruas em torno do Parcão. Eu vejo em ação aquilo que chamei de “egoísmo-solidário” e me divido na vontade de elogiar o treze de março e de fazer a constatação de que depois dele não há mais nada a ser feito nesse modelo de final de semana.
Não vou mais falar em “desobediência civil” nem fazer apologia de atos menores durante dias úteis: isso vocês já leram vindo de mim. Prefiro, num comentário “de psicanalista” (linguagem admirada em todo espectro político brasileiro) chamar atenção para aquilo que talvez o resto do mundo pense de nós: colocamos 6 milhões de pessoas nas ruas pedindo a prisão de um cara que o Governo pode, amanhã, nomear ministro para escapar da prisão. Pedimos a renúncia de uma presidente que viaja com avião oficial para prestar solidariedade ao “cara”. Não temos mais classe política no Brasil e, para sermos francos, não queremos mais saber de político algum – Aécio e Serra sentiram isso na pele no dia de ontem…
Encerro lembrando daquele filme de 82 – The Thing – numa cena em que o piloto de helicóptero diz: “ninguém confia em mais ninguém agora..estamos todos muito cansados” e volto à leitura do depoimento do Lula – é o próprio Brasil na Delegacia.
14 de março de 2016.