A EXCLUÍDA

A EXCLUÍDA

HERI

Nas décadas de 70- década na qual minha infância se transcorreu- havia um muro invisível que separava o mundo masculino e o mundo feminino (homens e mulheres tinham rígidos papéis pré-estabelecidos e pré-determinados), havia uma barreira quase intransponível que separava os dois gêneros. Meninos não podiam participar de brincadeiras de meninas e meninas que participassem de brincadeiras de meninos eram denominadas de “moleques-machos” (Tomboys em inglês).Recentemente assisti uma matéria televisiva na qual mostrava-se que na Inglaterra um novo método pedagógico estimulava meninos a participarem de brincadeiras de meninas e vice-versa ...

Anteriormente eu havia visto circular na Internet o vídeo de um garoto que estava feliz por ter pedido e obtido do pai uma boneca da Frozzie ou da Barbie (não lembro-me bem) – notícias que demonstram que , gradualmente, as terríveis barreiras entre gêneros estão se desmoronando (tive que esperar uns 40 anos para ver isso começar a acontecer...). Mas o que fica para trás são gerações destruídas ( a minha geração e gerações ainda mais antigas) – gerações de jovens que foram estigmatizados, perseguidos e sofreram preconceitos (muitos foram expulsos de casa pelas próprias famílias simplesmente por causa de suas orientações sexuais e dezenas se suicidaram porque não foram devidamente amados e nem compreendidos).Sinto-me na obrigação de protestar por essas estigmatizadas gerações, por esses jovens homossexuais , bissexuais e transgêneros que ,infelizmente, não estão mais aqui entre nós – protestar,sobretudo, porque o preconceito ainda continua, porque a divisão de gêneros ainda continua (basta verificar até na questão salarial –mulheres ganham menos que homens), porque homossexuais, bissexuais e transgêneros continuam sendo marginalizados, perseguidos e até assassinados em nosso atrasado país !Muitas pessoas do mundo LGBT que têm uma sexualidade mais visível ,mais aflorada às vezes já encontraram até dificuldade para arrumar um emprego e, em sua maioria, são pessoas capazes, com uma inteligência acima da média...

A sociedade estabeleceu que o correto é ser heterossexual, assim como a sociedade estabelece que o melhor é ser branco ao invés de ser negro e que o correto é ser magro ao invés de ser gordo.Meros paradigmas, meros padrões sexuais, raciais e estéticos que estão desmoronando : cada vez mais está havendo miscigenação racial – os brancos (ou aqueles que falsamente se consideram brancos) estão se tornando minoria em mundo de miscigenados das mais diferentes tonalidades raciais.Os heterossexuais também estão se tornando minoria – cada vez mais será maior o nascimento de crianças transsexuais (algo que, para o mundo espiritual é fundamental para que ocorra a evolução do Planeta Terra e da humanidade !).Sou uma sobrevivente de uma época na qual reinava o preconceito, a ignorância e a desinformação (resquícios dessa nefasta época ainda persistem...) - homens têm o mundo dos homens, mulheres têm o mundo das mulheres, mas transsexuais não possuem um mundo pois sempre foram expulsas ou impedidas de viverem no mundo com o qual se identificavam.Sou uma dessas excluídas – que teve que viver sempre afastada do mundo feminino por ter corpo de homem, por ter aparência de homem ...

Os sofrimentos pelos quais passei por ser obrigada a viver no cruel, insensível e idiota mundos dos homens nunca serão sanados – um ridículo e patético mundo masculino que não era compatível com minha sensibilidade, com minha super-inteligência e com essa mulher sufocada que sempre habitou em mim.Talvez um dia, com a ajuda de amigas de verdade, eu possa finalmente ser aceita no mundo das mulheres, eu finalmente possa tentar recuperar um pouco do tempo perdido e da felicidade perdida – essa felicidade de se sentir feminina apesar dos sofrimentos, essa doce feminilidade aprisionada que parece querer explodir e surgir...E ser mulher não é uma questão de corpo e sim de mente (conforme a Ciência recentemente comprovou que existem cérebros femininos e cérebros masculinos).Quero enfim ter algum dia o direito de viver no mundo ao qual eu realmente pertenço (sem ser vista como uma ameaça por ter um corpo masculino e um órgão sexual masculino) – e como sempre me doeu ser afastada do mundo feminino apenas porque eu tinha ( e tenho ) um órgão sexual masculino !

Às vezes tenho um pouco de inveja da amizade das mulheres – nunca pude participar desse belo mundo, nunca pude fazer parte desse mundo feminino apenas por conta da minha aparência masculina.E por isso a mulher que existe dentro de mim continua se sentindo excluída, continua se sentindo rejeitada porque elas não sabem que sou como elas, porque elas não sabem que esse meu corpo masculino é apenas...um disfarce !

e-mail: rapazdiscreto2019@outlook.com

HERI
Enviado por HERI em 14/03/2016
Reeditado em 07/03/2021
Código do texto: T5573651
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