TANGO, BOLERO, FUTEBOL
Foi meu amigo Isidro que, entre um copo de cerveja e uma salinas legítima, iniciou essa discussão. Todos nós ali reunidos participamos – exceto o Dico, que estava sóbrio para raciocinar mas bêbado demais para articular uma palavra completa – e eu, que não tenho preparo ou talento para sustentar na lábia discussões complexas, tive que vir aqui, escrever para defender minha tese. Nesse aspecto, levo vantagem, pois o que foi discutido lá no bar virou fumaça de cigarro barato, mijo no bidê sujo e acho que até já caiu no esquecimento geral numa hora dessa. Aqui não, fica registrado em algum lugar do mundo, e outras gentes e outras épocas poderão conferir a verborragia malsã desse escriba.
Bem, sem mais delongas vamos ao que nos interessa e nos une nesse momento: quem gosta de futebol como eu, como eles, sempre enfrenta uma acalorada discussão que está na tv mas também no balcão do bar (prefiro sempre o bar, ambiente muito mais adequado para o exercício retórico sobre essa nobre arte feita por 22 jogadores, uma esfera redonda, três homens sacrossantos vestidos de preto e um punhado de gente animalizada em volta). Afinal, a pergunta que tem gerado apostas, mortes, juras e outras tragédias é: quem é melhor (ou mais decisivo) para a Argentina? O histriônico Diego Armando Maradona ou o híbrido Lionel Messi?
Maradona é um trágico, um enfant terrible, fanfarrão, Coringa roubando a cena no filme do Batman, artista decisivo e definitivo. Messi é liso, quieto, paradisíaco, Mona Lisa incólume que desfila no Camp Nou com a mesma sobriedade com que poderia ser cultuado no Louvre.
Maradona teve tudo e deu tudo o que tinha para uma Argentina sedenta de um novo Gardel, um Borges, ou uma Evita inédita. É soberbo e insolente como um tango. Lionel, seu complemento e seu contrário, tem tudo (talvez mais que Diego Armando), mas ainda não entregou ao seu país nem um terço do que Zeus lhe deu. Seu bolero é uma música plástica, cool jazz que toca nas veias do nosso corpo como um violino inebriante de Perlman. O primeiro é espirituoso, o segundo é espiritual.
Maradona é fatal. Messi, imortal. O primeiro é vertical, o outro, horizontal. Lionel é Hamlet, Diego é D.Quixote. Um é Machado, outro é Rosa. Um é Playboy, outro é Brazil. Mimese. Catarse.
Ambos foram condenados pelos deuses do Olimpo a entrarem no enredo do panis et circensis e promovem o espetáculo que se nutre ao redor do mundo com uma beleza peculiar, indevassável, inconsequente e bizarra.
Nós, aqui, adoradores afoitos do Rei, do anjo de pernas tortas, do doutor magrão, ainda regurgitando torresmo, cerveja de milho transgênico, ainda crendo que Zeus é brasileiro, ainda embolando e embolorando as palavras no balcão vadio, ainda assim, nesse momento de adoração ao sublime momento do gol, saudamos assim esses artistas-inimigos da mátria: olé! E obrigado por tornar a vida menos sensata e mais bonita.