O crime compensa - 1ª Parte
Dad Squarisi (escritor eclético a quem muito admiro) tem razão? Sim! O crime compensa! Cada um busca o objeto do desejo a qualquer custo. Com ele, imaginam, ganharão momentos de glória — o olhar de inveja e a aceitação do grupo. A impunidade empurra-os para a frente tornando-os superiores, detentores do poder sob a égide da violência, do manto protecionista da corrupção, descaso e beneplácito das autoridades constituídas. Aspiram progresso. Sem freio, a escalada não tem limite.
Daí a falácia de querer estancá-la com a redução da idade penal. Com 12, 14, 18, 20, 21, 70 ou 87 anos, eles têm uma incontestável certeza: as leis são malfeitas, deixam rombos, brechas para o deleite da bandidagem, alegria dos advogados e aflição dos bons.
O crime compensa! O assunto é tão palpitante que acredito ser de bom grado dar continuidade a este texto deveras polêmico. Quem sabe serei visto como paladino? Afinal de contas fazer ouvidos moucos tem suas vantagens.
Não me eleva e tampouco me rebaixa ser rotulado de apológico, difuso, inexato, pérfido, enganoso, intelectual de meia-tigela, chique... ou mesmo: cínico, cretino, tarado, egoísta e bandido; mas grito alto, em forma literal, sem pejo do ridículo: o crime compensa!
A violência tem relação com a pobreza? O jornal "Le Monde" pagou
pra responder à questão. Lá pela década de 90, mandou equipes
de repórteres para cidades escolhidas a dedo. Nova York, Paris,
Rio de Janeiro, Bombaim figuraram na seleção. No retorno, a surpresa.
A urbe mais miserável apresentava índice baixíssimo de criminalidade
— muito aquém das demais metrópoles pesquisadas. Por quê?
Ouvidos especialistas, a conclusão apresentou mais de uma causa.
De um lado, estava a religião. De outro, as castas. A crença no carma
levava os indianos a se conformar com a sorte. Eles estavam na situação miserável porque mereciam. Paga a conta, voltarão recompensados nas próximas encarnações. Sofrer é o caminho para melhorar. Padece-se hoje. Ganha-se a promoção amanhã. Também acredito em provação... pode?
A divisão da sociedade em castas limita a informação. Uma casta desconhece o que ocorre com a outra. Ignora o que come, o que veste, o que lê, o que estuda, como mora, como se diverte, como educa os filhos. O resultado lembra velho dito brasileiro. "O que os olhos não vêem, o coração não sente". O desejo não se acende.
Ninguém ambiciona os bens ou os valores dos outros porque não sabe que existem. Sem conhecê-los, como querê-los? Só os invejosos podem resolver a dúvida. Creio.
Aqui entre nós torna-se cada vez mais freqüente atribuir a violência à pobreza. É preconceito. A barbárie encontra-se em todas as classes sociais. Uns matam por um par de tênis, uma mochila ou uma jaqueta. Outros, por um celular barato, uma bicicleta, uma moto. Outros, ainda, por maconha, cocaína ou "crack". Há os que se aventuram no crime de olho no carro do ano ou da herança milionária.
Você que igual a mim estuda muito, trabalha demais, economiza: água, energia, telefone; cuida de sua família: dá carinho, ouve com atenção; paga impostos compulsórios ou não; é bom vizinho, tem amigos decentes. Quero que saiba, todavia: um punhado de jóias raras roubadas em um assalto bem-sucedido, dólares escondidos em mala, cueca ou bíblia; um grandioso negócio escuso, bem urdido, surte melhor efeito porque o crime compensa!
Leia o porquê dessa minha incompreendida e infame afirmação!
A maior de todas as aberrações está no parágrafo 4º do art. 33 do PL 115/02 (Nos delitos definidos no ‘caput’ e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa). Qual criminoso confessa pertencer a alguma facção criminosa?
Os humoristas têm imitado um certo bandido de colarinho branco que está sempre negando e dizendo com a voz esganiçada: "Eu nego, não sei do que você está falando e não estou nem ai, lá, ou acolá!"
É que a grande maioria dos traficantes presa não é reincidente e goza de bons antecedentes. Assim, inexoravelmente a fixação da pena base (art. 59 do Código Penal) muito pouco afastar-se-á do mínimo (cinco anos) do preceito secundário, que sofrerá, ainda, a redução da causa especial de diminuição, que redundará em penas de um ano e sete meses. O que isso significa na prática?
Significa que, doravante, oitenta por cento dos traficantes presos diariamente pelas polícias brasileiras não irão para a cadeia, pois farão jus à suspensão da pena (sursis), na forma do art. 77 do Código Penal. É fato: o crime compensa! Isso é ótimo para os advogados criminalistas!
E nem se diga que a concessão do sursis é incompatível com a execução de pena por crime equiparado a hediondo ou que sua vedação expressa no projeto de lei a impedirá (art. 44 do projeto).
Com efeito, aquela jurisprudência era sustentada pela imposição (Lei 8.072/90) do cumprimento de pena integralmente no regime fechado, o que restou superado ante o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal (HC 82.959), da possibilidade da progressão de regime de pena no caso. Já no que tange à vedação do sursis imposta no projeto, a alegação de violação aos princípios da individualização da pena e dignidade da pessoa humana inexoravelmente a vencerão.
Portanto, o cidadão brasileiro precisa saber que, ao invés de os traficantes cumprirem penas em presídios por um crime tão nocivo, tão grave, equiparado a hediondo, simplesmente poderão ser proibidos de freqüentar determinados lugares, de se ausentar da comarca sem autorização do juiz e de comparecer mensalmente à justiça para informar de suas atividades - claro que o meliante só informa se a atividade for digna de escusa.
A sociedade deve estar preparada para, sancionada nos atuais termos o projeto de lei em debate, assistir a um vertiginoso aumento da indústria do tráfico. Aplaudamos, pois, o Legislativo! Louvemos as benesses das leis! Digo mais... convém seguirmos o conselho da insigne senadora Marta Suplicy: "... Relaxe e goze...".
Digamos amém aos defensores dos direitos humanos! Esqueçamos as bases familiares e vivamos o momento de anarquia generalizada!