UM EPISÓDIO DE VIDA
Quando cursava Contabilidade lá pelos idos dos 70's, numa das aulas de Português, tive um pequeno entrevero com a professora desta matéria, porque ela definiu que num determinado dia seria destinado à redação, com nota de prova do mês.
Até aí tudo bem. Mas com a definição do tema, manifestei certa contrariedade, angariando uma certa antipatia dela, que não gostou da minha rejeição ao que foi sugerido.
E qual foi o tema 'determinado' por ela? Simples: "O Eu". Sim, o tema da redação não tinha nada a ver com a proposta do curso que fazíamos que era o de Contabilidade, portanto um negócio mais comercial do que algo um tanto quando "cabeça nas nuvens", diga-se.
Sim, a minha contrariedade foi por causa disso, haja vista que éramos alunos de um curso voltado para o dia a dia da vida administrativa/comercial, o que é muito diferente daquela proposta apresentada por ela. E coisa que está enquadrada na maioria das produções aqui do Recanto Das Letras.
Mas nem me impressionei com o tema, mesma não concordando com ele. E o desenvolvi com certa facilidade, entregando-o à professora no tempo certo. E ela recolheu os trabalhos dos demais alunos e colegas de turma, prometendo o resultado para dias seguintes, sem determinar quantos.
E digamos que uma semana ou dez dias após, veio com os resultados, chamando um por um dos alunos até à sua mesa, para pegar a sua redação já com a nota.
E eu, que por razões inexplicáveis, na aula de Português mudava da primeira fila de carteiras para a última da sala. E lá, com o pescoço esticado, assistia um a um a ida dos meus colegas à mesa da professora para pegar sua redação com seu respectivo resultado.
E já quase ao final, faltando poucas redações a serem entregues aos respectivos alunos, a vi demorar a chamar o meu nome. O que aconteceu só ao final, pois foi a última a ser entregue.
Então, para espanto da professora, quando chamou o 'dono' da última redação, deparou-se, nada mais, nada menos, que comigo, a dirigir-me até ela para pegar a dita cuja, escolhida por ela como a melhor das redações da sala.
Óbvio que o seu espanto nem tinha tanto motivo. Mas sabe-se lá porquê, ela manifestou essa reação, comentando que, logo eu, que havia me manifestado contrário ao tema, desenvolver o melhor trabalho, coisa que ela reconheceu na qualidade do meu texto.
E perguntando-me como consegui desenvolvê-lo com tanta profundidade, quis saber como havia encontrado inspiração para tal. E eu, de forma sincera e eficaz, disse-lhe que apenas apeguei-me ao que as muitas pessoas do meu meio me viam no cotidiano.
Enfim, descrevi ali a visão e a opinião daqueles que comigo conviviam, dizendo-me como eu era nessa relação no dia a dia de nossas vidas.
Tal fato pode até não parecer interessante para muitos, ou todos. Mas é claro que para mim foi algo assim, regozijante. Porque não deixa de ser um fato raro, alguém aperceber-se de si e dos outros no seu dia a dia, guardando os registros positivos e negativos que cada um de nós produz e expressa na relação interpessoal de nossas vidas,
E é com uma certa pena que vejo que poderia, até, ter me envolvido com essa verve de forma mais profunda. E até quem sabe, caso agisse assim, pudesse transformar-me num escritor e ter vivido e sobrevivido disso como coisa profissional. Mas infelizmente isso não aconteceu. Mas não guardo nenhum recalque e/ou complexo a respeito, deixando-me realizar nesses últimos tempos, através do Recanto das Letras. Mas de forma diletante.
E vida que segue.