DEUS É JUSTO?

Vitório Gassman, um destacado ator italiano, quando perguntado certa vez sobre o que achava de Deus, após breve hesitação responde ser um espectador extasiado da Obra Universal, mas via nela uma falha flagrante: como, depois de tanto ensaio e aprendizado, de ter interpretado inúmeros papéis, no palco e fora dele, com experiência, agora aos setenta anos, capaz de errar menos e de ser mais útil a ele próprio e aos semelhantes, apto para encenar o papel de um verdadeiro homem, encontrava-se, inexplicavelmente, defronte dos umbrais da morte e do esquecimento? Isso lhe parecia muito injusto; uma falha e um equívoco flagrantes na Obra Mestra do Grande Criador, que esmagava a sua criatura no auge de sua capacidade criativa.

Não nos ficou claro se o desabafo era realmente sincero ou uma ironia, ou mesmo um desafio à reflexão para os que assistiam ao programa. Se o objetivo fora esse último, em nós surtiu um efeito muito grande, porque eu julgava que o aprendizado fosse ilimitado; nunca se estaria suficientemente preparado para coisa alguma, sempre haveria algo para ser aperfeiçoado. E também porque essa morte aparente, em verdade não existia, porque nunca se morre para os que nos amam, e se sobrevive na pequena obra da criação pessoal. E porque esta vida física não é mais que um reflexo de uma outra com maiores possibilidades, a interior, onde podem habitar os pensamentos e sentimentos que sejamos capazes de criar e fazer perdurar, os quais sobreviverão ao desenlace fatal sobre o qual não temos controle algum, por ser o cumprimento de um desígnio muito superior às nossas forças. E, finalmente, porque este Grande Gênio Universal tem uma pequena centelha em cada criatura humana,que,ao despertá-la,poderá fazê-la assistir ao renascimento, em vida, de sua genialidade.

A morte, a verdadeira, é a morte em vida promovida pela inercia mental,que prostra o indivíduo no marasmo inexplicável do espectador passivo do próprio drama.

Todos podem vencer a morte vencendo a inércia mental, ausência de vida. Essa é a grande performance do ator ao tomar as rédeas do espetáculo da vida.

Não pode haver um Deus mais justo.

Nagib Anderáos Neto

www.nagibanderaos.com.br