Carta da Arte Real - Lapidação de Pedras Brutas
Cartas à Posteridade
Por Carlos Henrique Mascarenhas Pires
Julgar o caráter e sentenciá-lo de forma justa e íntegra é o mesmo que compreender a honra; uma reflexão que somente se manifesta nos homens livres e de bravura irrefragável.
Homens livres, justos e posseiros de honra são determinados; possuem vontade própria; lutam pelos ideais inconcussos. Homens de valor lideram, mas quando inspirados, jamais permitem que tal episódio o seja extenuado por vilanias habilitadas em déspotas.
Para qualquer peleja, mesmo os que não são físicos, faz-se necessário um projeto, um preparo. Uma escada nunca começa no último degrau; e para enfrentar os obstáculos, sem o devido apresto, pode haver fadiga, corrosão e precipitação de um final infeliz!
Todo caminho aponta para o adiante, mas retroagir não significa que tenha havido derrota, porque no final de um caminho também pode estar o princípio. Aprender a usá-lo e prepará-lo para a passagem da benignidade interior é o mais importante em qualquer marcha.
Alerta! É estando alerta aos sinais que aprendemos; é sendo persistente e nunca pensando na desistência de nossos objetivos, que poderemos celebrar com regozijo um triunfo!
Estes devem ser os ideais de homens de valor; os ideais de homens de sapiência conspícua. Homens cuja visão da morte não lhes são temerosa, pois quem tem valor incontestável e é livre, prefere a morte, a traição dos conhecimentos.
No dia que conseguirmos formar uma sociedade justa, soberana, livre, igualitária e fraterna, finalmente poderemos nos considerar intelectualmente capazes de termos promovido à mudança do mundo...!
“Não há probabilidade de se alcançar as revelações sem a cobiça conspícua de haver o conhecimento”.
Para podermos nos gloriar de sermos homens livres, precisamos ter irrestrita certeza de que estamos no caminho do esmero humano. A liberdade de um homem nem sempre se encontra em sua própria condição, mas no eterno prélio que temos de proceder com o alvedrio de nossos irmãos; todos eles!
Nossas ações carecem sempre de doses generosas de retidão; e mesmo que não tenhamos alcançado, devemos estar sempre justando para tê-las. Sem esta condição, não passaremos de um registro civil esquecido em algum obituário empoeirado...
Respeitar aquele que nos cinge é essencial, também! Amar a família é um gesto de compostura e excelência pela sua geração e criação.
Aos que padecem de saúde, nossas reverências e nosso empenho fraternal...
Crianças e mulheres não foram concebidas para a arte da guerra e sim para a doçura de nossos afagos protecionistas. Se os encontrar pelas veredas do duelo, aja como aquele que rotula por hostil; trate-os com justiça, sem deixar de ser valente; seja leal e busque somente a paz!
Um cavaleiro pode ser tudo sem seu cavalo e sem a sua espada, mas isso somente se tiver ajuste pleno com sua consciência!
Porque o sobrevoo que faço sobre minha própria vida me faz enxergar que existem ergástulos fétidos em castelos sem reis; e um céu azul brilhante que me remete ao pensamento de que dias melhores poderão vir sobre um chão banhado em sangue, onde brotam flores carnívoras envoltas em alvéolos mediévicos mumificados.
A minha nave, tripulada apenas por mim, paira sobre campos, onde um dia foram fecundos e brotaram a mais fina seda que ornavam princesas ingênuas e lhanas; e que hoje gemam andrajos abluídos por riachos hediondos em bosques de egrégio risco.
Que o cajado dos sábios, associado a magnitude intelectual dos mais moços, possam juntos soprar os ventos da retidão, banindo deste lugar toda a impureza e que o azul daquele céu que insiste em brilhar retoque todas as outras cores engolidas pelo preto acinzentado; e que os ecos destes sons de liberdade ressoem sobre cada brado entorpecido pelo ópio da ignorância, causando-nos agudas trepidações de igualdade e fraternidade.
Justo neste plano que dizem ser o único jazido, há tantas indignações, tantos sofrimentos, tantos lamentos e tantos prantos, aversões, repulsas, desprezos, raivas, ódios... Justo aqui, onde se diz que há uma raça capaz de arrazoar, se vê escárnios em nome da decência; com injustos empatando espaços onde deveriam estar os imparciais. Videntes que pensam no quão valor terão; e bélicos sem causa, que suprimem em nome da ratificação da ignomínia.
Justo aqui, neste despojado chão estrelado, onde se respira a cupidez; e se come a extenuação em pratos adornados de diamantes de lágrimas; e onde se bebe o zotismo; é que temos ainda a derradeira esperança de haver um recomeço, para que possamos vivenciar a mais serena das cenas; aquela que um dia já chamaram de incivilizada, mas que sempre foi a mais válida e justa.
Bárbaros somos nós; os homens atuais que não poupamos os códigos embrionários da relação social única; pessoas que desejam apenas ver aquilo que é seu, não importando se o seu irmão padece de sobejos; e mesmo sabendo que sua imunidade há lixo, porque não se pôde aproveitar em tempo útil!
É neste lugar que meu templo adeja, sinalizando os meus e os seus; em busca de um alivio acautelado, num lugar onde se possa ver as pessoas como espelhos de si próprias. Onde se possa observar os sons da equidade sem os tropeços do caráter e sem as alfinetadas da ambição, muito menos os reflexos de um sol que apenas queima; e nunca dá vida!
A nave que tripulo é delicada e sutil como uma borboleta, mas ela tem três tirocínios, de igual forma que a borboleta que num momento é ovo, depois pórfiro e em seguida pupa. Minha nave é constituída pelo cerne do alvedrio de um voo singular; na equidade de comiserações; e depois ela é remetida à fraternidade; onde a história não pode jamais ser recomposta, porque é a mais legítima e humilde verdade!
Quem sou eu, se não mero pó umedecido, que acredita que tem vida, mas que vida efêmera acreditada, só me faz acreditar mais, que voltarei a ser pó!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires