Análise psicanalítica sobre os aspectos psicológicos da cura religiosa no meio pentecostal.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa bibliográfica que trata do tema: Análise psicanalítica sobre os aspectos psicológicos da cura religiosa no meio pentecostal, que é de fundamental relevância porque diz respeito a um assunto atual, porém, pouco discutido dentro da academia teológica devido a sua complexidade e por não ser levado em conta como um fato social, mas, religioso e por isso dizem que se deve discutir através da fé. Os motivos que nos levaram a realizar esta pesquisa foram os de tentar esclarecer e desmistificar as entrelinhas do problema sobre a cura religiosa sob a análise psicológica no meio pentecostal.

No decorrer da pesquisa, buscaremos soluções para os que se sentem em conflito, logo transcendem o humano, pois, a maioria daqueles que sofrem algum tipo doença ou problema psicológico não diagnosticado pelos médicos, procura algum meio de ajuda espiritual, na religião. Devido a muitas divergências acerca da temática, faz-se necessário um estudo mais aprofundado, desmistificando alguns pontos erroneamente propagados no meio pentecostal

O objetivo desta pesquisa é de esclarecer o assunto sobre os aspectos psicológicos na cura religiosa pentecostal, mostrar às pessoas que elas podem superar e vencer seus conflitos e as tribulações da alma e do espírito, tendo aliado ao aspecto religioso a ação psicológica.

O tema Análise psicanalítica sobre os aspectos psicológicos da cura religiosa no meio pentecostal, levou-nos à contatos teóricos com vários autores tanto da área religiosa como da psicologia da religião, o que nos trouxe relevantes informações sobre estas duas disciplinas.

A pesquisa com seu enfoque na cura religiosa pentecostal, direcionou a pesquisar a cura, tendo em vista que no Brasil, no meio cristão de hoje, ela é pouco enfocada, desde o meio católico até os evangélicos tradicionais.

Contudo, no âmbito pentecostal a cura religiosa é mais enfatizada. Observa-se que nos tempos antigos desde o mundo helênico, na Bíblia no Antigo Testamento e principalmente no Novo, registrado nos Evangelhos, a cura sempre fez parte da obra salvadora do ser humano. Salvação espiritual, perdão de pecados, cura física e

emocional e conseqüentemente mudanças sociais, sempre caminharam juntas. Cura espiritual e física sempre andaram de mãos dadas. Eram exercidas por magos, sacerdotes, taumaturgos e líderes religiosos. Essas curas ocorriam no âmbito religioso, associadas à medicina e a religião, como ver-se-á no decorrer deste estudo. À medida que a medicina foi separando-se da religião e tornando ciência autônoma, as curas religiosas foram diminuindo e deixando de serem enfatizadas como parte da Salvação, da libertação.

Nesse aspecto, veremos neste trabalho:

No capítulo 1, tem como título Síntese histórica dos pentecostais. Neste capítulo aborda de forma histórica os primórdios do movimento pentecostal.

No capítulo 2, tem como título A doença e o doente. Este capítulo aborda inicialmente o conceito de saúde; segue-se a de concepção de doença e doente, através de uma releitura breve do contexto histórico desde o mundo helênico, Antigo e Novo Testamentos; posteriormente são apresentadas as modalidade principais de doenças: orgânicas, espirituais e psicossociais na atualidade; elementos psicológicos que contribuem para o surgimento da doença, dentre eles: o sentimento de culpa, estresse e sintoma de conversão..

No capítulo 3, tem o título Religião e psicologia com seus potenciais de cura, onde são abordados os itens: religião, psicologia e potenciais de cura: religiosa e psicológica.

No capítulo 4, tem como título Como se processa a cura religiosa e psicológica”, que aborda: visão religiosa cristã e psicológica, onde é feita uma sucinta releitura de fé, desde a sua definição religiosa e psicológica, como também uma breve análise de processos psicológicos contidos no ato de fé; a seguir, como se processa a cura religiosa, onde se tenta descrever a cura pela fé cristã na sua prática, incluindo a cura no meio pentecostal; posteriormente, os processos psicológicos na cura religiosa, onde é feita uma releitura desde os tempos primitivos sobre energia psíquica até chegar à visão junguiana, onde a extrapolamos como base de contribuição psicológica no ato de fé e cura religiosa.

Finalizando, conclui-se que diante dos resultados obtidos na pesquisa de campo, surgem caminhos e possibilidades para que novas pesquisas venham trazer assim contribuição para o mundo científico psicorreligioso.

CAPÍTULO I

SÍNTESE HISTÓRICA DOS PENTECOSTAIS.

O movimento pentecostal teve sua origem em 1900, expandindo-se até a Suécia, a Índia, e América Latina, e só foi organizado nos Estados Unidos em 1914, com o nome de “General Council (Assembléia Geral)”. No mesmo ano, cerca de cem

congregações e seus respectivos pastores, reuniram em Hot Springs (EUA), dando-lhes um único nome: “Assembléia de Deus” (BETTENCOURT, 2003, p. 48).

A Assembléia de Deus teve sua origem no Brasil em 1910, através de dois missionários suecos: Gunnar Vingren e Daniel Berg. Aquele de origem batista, nasceu em 1879. Foi para os Estados Unidos em 1903, e lá recebeu o “batismo com o Espírito Santo ”, o dom de falar em línguas estranhas, afirmando que o poder de Deus vinha como uma pressão, sobre ele (BETTENCOURT, 2003, p. 48).

Gunnar Vingrem e Daniel Berg foram chamados para o trabalho missionário no Brasil, em 1910, pelo Espírito Santo, através de mensagem, em línguas estranhas , pronunciadas por um certo “irmão ” Uldin, proprietário da casa onde estavam hospedados. Na mensagem, o irmão repetia muitas vezes a palavra “Pará”, que era desconhecida aos ouvintes.

Consultando a biblioteca local, descobriram que Pará era um estado que ficava na região norte do Brasil. Receberam a mensagem como ordenação divina, entendendo que deveriam vir para o trabalho missionário no Brasil.

Em novembro de 1910, chegaram a Belém do Pará, com o objetivo de iniciar o trabalho de divulgação do pentecostalismo ( BETTENCOURT, 2003, p. 48).

Os historiadores do movimento pentecostal, com unanimidade mencionam a Rua Azusa, em Los Angeles, Califórnia, como central de expansão do avivamento que espalhou por cidades e nações, tendo início em 1906. Antes dessa data, uma senhora metodista, que houvera recebido a mensagem de avivamento , em Houston, foi quem a levou até Los Angeles. Milhares de pessoas passaram a reunir na rua Azusa, para interceder pela salvação do mundo e buscar um avivamento; desejosos de uma vida espiritual abundante e de vencer pecado (CONDE, 2003, p. 21-22).

Estava à frente dessa igreja o pastor W. J. Seymor, pregador pouco eloqüente.

Ele anunciava a promessa do batismo com o Espírito Santo e durante o culto intercedia para que Deus se revelasse de forma extraordinária aos fiéis.

O poder de Deus vinha de forma inexplicável sobre os fiéis, que se enchiam de convicção das verdades divinas, sendo apoderados por um enorme desejo de santidade. Durante o culto surgiam louvores espontâneos, pessoas eram batizadas com o Espírito Santo, falavam em línguas estranhas, profetizavam e cantavam hinos espirituais (CONDE, 2003, p. 22).

As noticias desses fatos foram propagando-se, sendo que até jornais seculares interessaram pela matéria e a divulgava. Pessoas de todos os lugares, membros de várias outras igrejas protestantes, ali chegavam por curiosidade para verem de perto o fenômeno religioso, sendo batizadas também com o Espírito Santo e voltavam divulgando suas experiências a outras pessoas.

Chicago foi uma das cidades onde o movimento pentecostal mais se destacou, alcançando todas as igrejas evangélicas da cidade.

O movimento destacava-se pelo o fato de após as pessoas serem batizadas com o Espírito Santo, eram despertadas e possuídas por um forte desejo de divulgar o Evangelho para outros povos. Cada pessoa que se convertia, tornava-se um missionário em potencial (CONDE, 2003, p. 22-23).

O pastor batista Gunnar Vingren, de nacionalidade sueca, vivia na cidade de South Bend, no estado de Indiana. Ele foi atraído pelas notícias e acontecimentos do avivamento de Chicago, resolvendo então presenciar o que estava acontecendo. Na oportunidade, ele creu e foi batizado com o Espírito Santo.

Participando de uma Convenção Batista, das igrejas que aceitaram o avivamento, ele conheceu o jovem pastor, também de origem sueca, Daniel Berg, que também já havia sido batizado com o Espírito Santo. Ambos chegaram á conclusão de que Deus queria enviá-los para terras longínquas, porém não faziam idéia do lugar.

Posteriormente, conforme já nos referimos através de mensagem profética, foi lhes comunicado que deveriam ir para o estado do Pará, no Brasil. Sem nenhuma promessa de ajuda humana, sem sustento financeiro, apenas vivendo a fé no que tinham crido e experimentado, embarcaram para o Brasil (CONDE, 2003, p. 23-24).

Gunnar Vingren e Daniel Berg chegaram em Belém do Pará, no dia l9 de novembro de 1910. Ambos os pastores ainda estavam ligados oficialmente, a denominação Batista nos Estados Unidos, portanto procuraram a sucursal em Belém, que os acolheram e hospedaram-nos nas dependências da igreja. Suas experiências a respeito do fenômeno religioso vivido, logicamente levaram-nos a testemunhar para os demais membros da Igreja Batista.

Os resultados não tardaram: houve salvação em Jesus Cristo. Quando a primeira pessoa na igreja recebeu este batismo. Foi o suficiente. Como era de se esperar, a igreja não viu isso com bons olhos; pois essa prática religiosa ia de encontro com os dogmas Batistas.

Em assembléia administrativa local, houve a proposta de serem excluídos os rebeldes da comunhão com a igreja, ou seja, os que praticavam a doutrina do Batismo com o Espírito Santo e os Dons Espirituais (CONDE, 2003, p. 26-32). “Os rebeldes” oraram, e, de mãos erguidas, dando glória ao Cristo, abandonaram o local” (CONDE, 2003, p. 32).

No dia 18 de junho de 1911, fundam a igreja, com l7 pessoas expulsas da Igreja Batista, dentre elas os pastores Gunnar Vingren e Daniel Berg. A partir daí, nas décadas seguintes, a igreja viria trazer admiração ao mundo pelo seu exuberante crescimento (CONDE, 2003, p. 32).

Em tudo isso, pode-se notar a mão de Deus operando através de homens e

mulheres humildes. Como se vê, essa obra não pertence a homem algum, mas a Deus somente. A nova igreja estava livre para evangelizar. E ousadamente anunciava a salvação, a cura divina, o batismo com o Espírito Santo e a volta de Jesus Cristo para buscar a sua igreja. Estavam todos cheios do poder de Deus. Em resposta às suas orações, o Senhor operava sinais e maravilhas. Vivificando cada testemunho e sermão, o Espírito Santo convencia os mais vis pecadores” (CONDE, 2003, p.33).

Os fatos que contribuíram para fundação da Assembléia de Deus repercutiram nas demais denominações evangélicas e estas temendo serem absorvidas pelo movimento pentecostal, uniram-se para combatê-lo, utilizando-se de “calúnias, delegação e até agressão física, tudo era válido”. Chegaram, inclusive, a levar aos jornais a denúncia de que os pentecostais eram uma seita perigosa, tendo como prática o exorcismo, enfim alarmaram a população (CONDE, 2003, p.33).

Apesar das adversidades, a Assembléia de Deus cresceu, fortaleceu e expandiu-se, levando o trabalho missionário e em 1936 tinha alcançado todas as capitais dos estados brasileiros e grande parte do interior de todos os estados, alcançando o último território em 1946.

Atualmente, a Assembléia de Deus é a maior denominação pentecostal no Brasil. Dela derivaram inúmeros outros movimentos e denominações pentecostais.

Dentre eles o movimento entre as igrejas tradicionais, principalmente Batistas e Presbiterianas que faccionaram-se surgindo as denominações Batista Renovada, hoje Batista Nacional e Presbiteriana Renovada e posteriormente os neopentecostais. As denominações surgidas da Assembléia de Deus, aboliram os usos e costumes, mas conservaram a doutrina do Espírito Santo e dos Dons Espirituais, a crença na cura das doenças e na transformação por que passam as pessoas que se convertem ao pentecostalismo.

CAPÍTULO II

SAÚDE E DOENÇA

Este capítulo visa rever saúde e doença, desde a sua definição. Será realizada uma releitura de como eram vistos, doença e doente, como eram tratados e aceitos, no contesto histórico-religioso e antropológico do Antigo e Novo Testamento.

2.1 Saúde

Para se falar em doença, torna-se necessário partir do conceito de saúde. A saúde é definida pela Organização Mundial de Saúde – OMS, como ”um estado de pleno bem-estar físico, mental e social, e não a simples ausência de doença”.

Com relação ao termo “mental” seria o que se relaciona ao espírito, à mente e sentimentos, não se limitando apenas ao que diz respeito à esfera cognitiva, onde estão as “atividades eletivas” e a atuação da natureza humana; mas também o que diz respeito ao mundo emocional, os sentimentos, os estados de humor que respondem de forma relevante sobre a vida e o mundo exterior (COLOMBERO, 2000, p.8).

Complementando esta idéia encontra-se também a importância de considerar-se a vida, o todo: “observar a concepção de saúde está intimamente relacionado com uma concepção religiosa do corpo e da vida” (LEMOS, 2002, p. 480).

O conceito amplo de saúde citado acima é questionável, principalmente, no que diz respeitos às ciências médicas, na atualidade, e onde ele estaria sendo efetivado em toda a sua abrangência.

TERRIN (1998, p.201) chega a afirmar que o “estar bem” proposto pela OMS, seria irrealizável e esclarece: ”[...] todos nós somos mais ou menos doentes, uma vez que somos submetidos na sociedade e no ambiente em que vivemos, a conflitos sociais, a desgastes psicológicos, a perturbações profundas que nos impedem, por um motivo ou por outro, de atingir uma situação de bem-estar que seja ao mesmo tempo física, espiritual e social”.

A saúde de uma pessoa é sustentada por ela e pela comunidade, ou seja, pelo sentido que sua comunidade tem e lhe transmite, e pelo que ela sente em relação a esta comunidade. Este sentido está ligado a “família, colegas, amigos e comunidade”, como um todo, “que recebe a contribuição da atividade e generosidade da pessoa”, como também lhe transmite (PHILLIBERT, 1998, p.9).

2.2 Concepção de Doença e Doente

Na realidade brasileira, a doença é concebida no senso comum a partir de um sintoma no corpo, como uma dor, disfunção, infecção e outros. Na área técnica principalmente na medicina, não foge à regra, é a partir de um sintoma que a pessoa procura um médico, isso quando tem condição de fazê-lo, apresentando um resumido diálogo dos seus sintomas.

O médico, por sua vez, com sua visão restringida ao corpo e a partir da sintomatologia, é mais propenso a ler e avaliar resultados dos exames, do que ouvir o relato do paciente sobre os seus sintomas ou doenças.

Com as inúmeras especializações, o médico enfoca e prioriza partes do corpo, deixando assim de ver e avaliar o ser humano como um todo, como um ser holístico.

Sobre isso, completa Rosny (188 p. 19) “Quanto à medicina dos hospitais, ela tende a centrar-se antes de tudo no indivíduo, no corpo orgânico do indivíduo, ou até mesmo num único membro desse corpo”.

Naturalmente, a cultura com a sua diversidade de valores é quem conceitua doença de acordo com o grupo social, cidade ou nação; isto porque cada grupo étnico dá ao termo “doença”, explicações e conceitos vindos dos seus ancestrais, ligados também às suas crenças religiosas.

A doença pode ser definida como “desestabilização das forças da vida”, pois prejudica a estabilidade física, danificando sua qualidade e enfraquecendo a qualidade da saúde.

Essa desestabilização pode ocorrer em conseqüência de: “guerra, violência, agressão pessoal, contágio ou ferimento”, como também em decorrência de: “fome catástrofes naturais e acidentes os quais levam á ruptura do bem-estar físico e social”. “Vulcões, terremotos, furacões ou enchentes marcam muitas vezes a vida de comunidades inteiras”.

A doença também pode ocorrer no dia-a-dia, como conseqüência de vários fatores: ambientais: como poluição, agrotóxicos, contaminação na água; socioeconômicos como: preconceito racial, de gênero, social, religioso, baixa renda, desemprego, desnutrição, fome, e ausência de princípios de higiene; envelhecimento: conseqüências das várias faixas etárias vividas; vícios, como: o fumo, a droga e o álcool; emocionais, como: perdas, conflitos, rejeição, culpa, estresse, e outros.

Não existe, portanto um critério em que não possa haver equívoco em relação a doença, seu conceito é portanto analógico (PHILLIBERT, 1998, p. 9-10). “A pessoa doente é pessoa dependente, limitada nas suas potencialidades” (SCHIAVO; SILVA, 2000, p. 108).

Essa limitação e dependência trazem uma série de transtornos emocionais, como sentimento de incapacidade, de impotência, de menos valia e outros; os quais contribuem, para maior deterioração emocional e orgânica.

2.2.1 Contexto Histórico Cristão: Antigo e Novo Testamento.

Ao fazer uma retrospectiva, observa-se nos relatos histórico-religiosos, no mundo antigo, que sempre houve doenças, como também curas, milagres, sinais e maravilhas, através de uma crença, ou experiência religiosa. Isto ocorreu em todos os tempos e em todas as culturas, onde a convicção do sobrenatural, do sagrado, existiu e ocorre ainda em nossos dias.

Pode-se observar entre o povo de Israel, desde os tempos primórdios que o conceito de doença sempre esteve ligado ao pecado e à impureza. Os termos “possessão de demônio” ou “espírito de enfermidade” possivelmente foram absorvidos de crenças e costumes da cultura dos povos que os dominaram. Surgiram após o exílio babilônico.

No Antigo Testamento, as pessoas aparecem como “afetadas por enfermidades” em suas múltiplas formas que poderiam indicar “fraqueza, mal estar, úlceras feridas” e às vezes mencionadas de forma que não se pode identificar a patologia .

Muitas são traduzidas como manifestação do mal. Naturalmente a imprecisão na identificação revelava o desconhecimento da anatomia humana. A nomenclatura não importava tanto, porém a origem se atribuía: castigo pelo pecado. (VENDRAME, 2001, p. 21).

As doenças mais freqüentes, citadas no Antigo Testamento, são as “afecções cutâneas, cegueira, surdez, paralisias e esterilidade”. Essas doenças simbolizavam “males maiores, de ordem espiritual”, bem como sofrimento com o qual os seus portadores eram acometidos. Os doentes eram abandonados em função do “significado religioso da doença” (VENDRAME, 2001, p. 22). De todas as doenças a lepra era a pior. Segundo o povo de Israel, lepra era castigo de Deus comparado à morte. “O próprio termo sara (=leproso) significava golpeado, ferido (por Deus). Miriam (Nm 12, 1-15) e o rei Osias (2 Cr 26, 19-20), são casos típicos” (VENDRAME; 2001, p. 22). Além da lepra, o povo de Israel era acometido de inúmeras epidemias ou males, que o impactava.

As pessoas doentes e impuras deveriam ser expulsas do acampamento. Veja o exemplo de Nm 5,2, onde os portadores de lepra, blenorragia e os que se contaminaram com cadáveres praticamente eram excluídos. Para os israelitas, “cumprir as determinações da Tora significava garantir a presença de Javé no meio do povo e no meio do espaço habitado pelo povo” (LAGO, 2003, p. 994). Na época, a integridade era o instrumento que resguardava o direito de posse e de inclusão, conforme Lv 18, que traz consigo normas, principalmente sobre questões sexuais. Essas práticas e estilo de vida foram influências do povo de Canaã (LAGO 2003, p.994-95).

Tanto no Antigo como no Novo Testamento aparecem inúmeras doenças físicas, sendo que muitas podem ser de origem psicossomática , como também distúrbios comportamentais dos mais simples até os suspeitos de transtornos mentais.

Logicamente muitas doenças jamais puderam ser diagnosticadas. O fenômeno cultural com os valores da época enfatizou para mais ou para menos cada fato de acordo com o local, a época e os credos vigentes. Laraia acrescenta:

o modelo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e o mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, resultado da operação de uma determinada cultura (LARAIA 2003, p. 68).

Revendo o Novo Testamento que historicamente é uma das bases principais desta pesquisa, pelo fato de se buscar resposta prática em uma variante do cristianismo que é o pentecostalismo, depara-se como viviam socialmente os judeus no início da era cristã.

No ano 63 a.C., o general Pompeu impõe o domínio romano sobre Israel. “Trata-se do temível e implacável poder romano, que se implanta de maneira forte, servindo-se de aliados poderosos, no interior do país e da força de suas legiões, prontas para agir ao menor sinal de rebelião” (VASCONCELLOS; SILVA, 2003, p. 233).

Herodes reinou com muita violência contra o povo de Israel, no período de 37 a.C a 04 a.C. Com sua morte, o poder foi dividido entre seus filhos: a Galiléia ficou sob o poder de Herodes Antipas e a Judéia e Samaria com Arquelau (Mt 2, 22).

Roma precisou implantar a presença de procuradores, dentre eles Pôncio Pilatos, em Samaria, Judéia e posteriormente Galiléia, em função da resistência do povo contra Arquelau, a partir de 6 d.C. Herodes Antipas morreu em 39 d.C. e todo o

Israel foi governado por Herodes Agripa, até 44 d.C. Com a morte de Herodes Agripa, foi implantada novamente, em Israel, a presença de procuradores, até que surgiu a guerra em 66 (VASCONCELLOS; SILVA, 2003, p. 224).

O governo romano afligia muito o povo de Israel, não só com a presença do exército, mas com a cobrança de impostos, agravando a situação das famílias, principalmente as camponesas. A concentração de terra aumentou. As terras melhores pertenciam a estrangeiros principalmente romanos e as produções eram mais destinadas à exportação. Isso trouxe perda, miséria e pobreza. A esse domínio sobre o povo de Israel, foi dado pelos romanos o nome de Pax romana; que consistia mais em guerras, massacres e escravidão. Sob o domínio romano o povo de Israel estava sendo humilhado, explorado, empobrecido. Eram tratados com violência, seus valores e tradições eram desrespeitados e destruídos (VASCONCELLOS; SILVA 2003, p.227).

Era muito modesta a situação econômica dos judeus. Os ricos eram apenas um pequeno grupo de Jerusalém e os latifundiários da Galiléia. Certos latifundiários não eram judeus; moravam fora, e deixavam administradores na terra. A população judaica em geral tirava seu sustento das plantações, artesanatos e pequenos comércios. A agricultura existia nas terras férteis do norte e em menor escala, próximo a Jerusalém.

Os jornaleiros deviam contentar-se com baixos salários (cf Mt 2, 1-16), pois era o que lhes restava por não possuírem terra própria. A terra da Judéia servia para pecuária, e o lago de Genezaré para pescaria. No vale do Jordão eram produzidos vinho e figo. A população rural vivia de forma modesta devido à baixa renda. As outras profissões como tecelão, pisoeiro, alfaiate, ferreiro, escrivão, oleiro e outros, também não eram bem contempladas em seus salários. Havia desemprego, pobreza e mendicância, em grande escala (LOHSE, 2000, p. 136-37).

No início do primeiro século da era cristã, os judeus apesar de estarem sob o domínio romano, mantinham sua fé em um único Deus, que era o poderoso Senhor do universo e que também era o rei dos judeus, ao qual eles deviam obedecer observando a sua vontade. Por isso, a prática cotidiana da Tora era doutrina fundamental do judaísmo. Apesar de não possuírem um sistema teológico-especulativo, aplicavam a Lei nas questões cotidianas da vida, inclusive no julgamento em relação às doenças.

Na sua maioria, os judeus viviam modestamente, em casas pequenas de um quarto. Passavam essa observação da Tora aos filhos, os quais deviam também honrar o pai e a mãe. O casamento era abençoado por Deus. A mulher era submissa e subordinada ao marido e não podia atuar na vida pública. No templo, devia limitar-se à área reservada que era o pátio das mulheres. Não podia ter parte ativa no culto (LOHSE, 2000, p. 135-38).

O império romano, por quem os judeus eram dominados nos dias de Jesus não se preocupava com a saúde do povo. Os doentes ficavam em seus leitos em lugares públicos. Dentre as principais doenças da época estavam: a cegueira; a lepra e toda doença de pele que era tratada como tal; a paralisia; os quebrados, torcidos e encurvados; enfermidades mentais; a surdez; a gaguice; a afonia; a hemorragia e a hidropisia (SCHIAVO; SILVA, 2000, p. 40)

A medicina, a magia e a religião estavam de tal maneira tão envolvidas que às vezes se confundiam. A influência religiosa era grande, e a medicina exercida por sacerdotes. As doenças psicológicas e mentais eram atribuídas ao demônio.

O motivo que levava os judeus a atribuírem as doenças mentais e psicológicas aos demônios vinha das tradições antigas com raízes na Babilônia e no Egito. Na Mesopotâmia, as doenças eram produtos de demônios, monstros e seres maus. Os judeus absorveram esta forma de crer “atribuindo a doença ao demônio e a cura a Deus” (SCHIAVO;SILVA, 2000, p. 42). Devido ao desconhecimento da época, as doenças psssicossomáticas não podiam ser entendidas a não ser como possessão de demônios ou resultado do pecado; o que acontece na história da mulher encurvada de Lc 13, 10-17. A impureza no seu sentido geral levava à exclusão e com certeza contribuía para complicar mais o quadro, não só do doente como dos seus familiares. A associação da doença com o pecado levava a pessoa a ser julgada pelos demais; concluía-se, que estava pagando por algum mal. Para o judaísmo oficial, “pobreza; doença; deficiência física e mental eram consideradas conseqüências do pecado, portanto castigo de Deus” (SCHIAVO; SILVA, 2000. p. 46), e podiam significar possessão de maus espíritos.

Surgiu na Galiléia, e posteriormente na Judéia, por volta do ano 30 d.C., um movimento religioso liderado por Jesus de Nazaré, que pregava um novo caminho que levava a Deus, trazendo salvação aos judeus e gentios. Seus ensinos eram antagônicos aos dos fariseus. Seu tema principal era o “reino de Deus”. Questionava mais o mundo religioso judeu do que os romanos (PIXLEY, 2002, p. 128). O movimento de Jesus deslegitimava o domínio religioso que estava acima da lei de Deus, vendo o templo como instrumento de opressão para o povo. O movimento exigia dos seus seguidores uma verdadeira ruptura com os valores dos laços familiares, tradições religiosas e sociais. Em contrapartida, os seguidores eram esclarecidos, valorizados e tinham certeza de vida eterna; também eram curados das suas enfermidades (PIXLEY, 2002, p. 128-29).

CAPÍTULO III

MODALIDADES PRINCIPAIS DE MANIFESTAÇÃO DAS DOENÇAS

A discussão levantada neste capítulo está voltada para as diferentes formas modalidades de manifestação das doenças no ser humano. Serão abordados a seguir, de forma sucinta, essas modalidades reunidas em apenas três grupos.

3.1 Doenças Orgânicas

Muitas pessoas e cristãos da atualidade, fiéis aos escritos de Gênesis, continuam crendo piamente que a criação de Deus era boa na origem e que o homem no início, na condição paradisíaca, desconhecia “toda enfermidade, toda dor, toda corrupção, e que, conseqüentemente, a própria morte lhe era estranha” (LARCHET, 1998, p. 62).

Na disposição ambiciosa de tornar-se como Deus (Gn 3,5), o ser humano perdeu a condição de imunidade às doenças, abrindo precedente a elas e a toda sorte de males e corrupções. Os males que afetam os seres humanos hoje, inerentes da sua natureza, herdados do primeiro homem, teriam passado “de geração a geração, essencialmente por via biológica” (LARCHET, 1998, p. 63).

Observa-se então ser este um possível mito , o fato de a doença ser considera como castigo pelo pecado; principalmente pelos judeus no Antigo e Novo Testamento, e também por muitos cristãos até os dias de hoje.

A doença está sempre presente na vida do seu humano e continuam surgindo novas doenças. A busca pela saúde, hoje, é quase uma obsessão. Essa busca incessante ocorre em todas as sociedades e culturas.

A doença é uma ameaça direta e concreta à vida, o primeiro passo rumo a possibilidade da morte, a presença da morte no seio da vida. Movimenta o imaginário, direciona energias e recursos, gera mecanismos de controle, exclusão, marginalização, descaso ou até demonização (LAGO, 2003, p. 989).

São muitos os fatores que poderiam dar origem às doenças no corpo “a presença de um vírus, de uma infecção, funcionamento anormal de um órgão; o trauma psicológico; a crise moral ou espiritual” (CATALAN, 1999, p. 141). Poderia acrescentar-se ainda as questões socioeconômicas. A Pessoa não se preocupa só com o sintoma orgânico, mas “com a família, o trabalho, a continuidade numa comunidade de relações e a angústia quanto à capacidade de permanecer em suas ocupações pessoais e criativas ou retornar a elas” (PHILIBERT, 1998, p. 9-11).

Em função dos sintomas, a doença no corpo é a mais perceptível e muito desagradável. As doenças de origem emocional e social, nem sempre são tão percebidas. O leigo só consegue tomar consciência que está doente quando os sintomas aparecem na sede do seu ser, o corpo.

Por isso, podemos dizer que o nosso corpo é um órgão político-social: Nele se espelha nossa realidade. Com ele experimentamos o mundo. Ele é o lugar onde ficam registradas as marcas de tudo que acontece, as marcas de nossa história. Todas as expressões de opressão, bem como todas as lutas e conquistas de libertação estão registradas em nossos corpos. Poderíamos dizer, nesse sentido, que nosso corpo é nossa memória. Assim nossos corpos – doentes e sadios – são ao mesmo tempo instrumentos de denúncia e anúncio. Denunciamos o mal que experimentamos, que nos sufoca, que nos tira o fôlego de vida e nos prende (RICHTER REIMER, 2002, p. 1237).

O homem doente não é ele só, um indivíduo isolado, ele é membro de uma família que conseqüentemente também está doente, “Ele é como o sinal vivo do mal que atinge esta família, da qual faz parte integrante, enquanto se identifica com ela e enquanto se reconhece nela” (ROSNY, 1998, p. 22). Essa família faz parte de um grupo social, uma sociedade que também está doente.

Ainda hoje, no campo da religião, um percentual relevante no Brasil e na América Latina, principalmente os pentecostais e neopentecostais, relacionam a doença com o pecado ou opressão do demônio. Possivelmente estão percebendo só a manifestação orgânica como os judeus, fazendo vista grossa ou mesmo ignorando que a doença é o resultado da estrutura política, econômica, social e psicológica que se processa no biológico.

As doenças de origem emocional e de cunho social que possivelmente causam maiores danos no ser humano, nem sempre são tão perceptíveis e diagnosticadas as suas origens, mas, acabam também chegando à sede do ser, o corpo, que é o receptor final.

Muitas doenças não podem ser dissociadas da família e do meio. É importante lembrar que o ser humano é um ser social. Ele está inserido na família, que é o seu primeiro grupo social, e esta, em grupo social maior, a sociedade. Se ele está doente, também sua família está doente. Se a família está doente é fruto de uma sociedade que de alguma forma também está doente (ROSNY, 1998, p. 20). È possível reafirmar essa linha de pensamento com o que se segue: “A doença integra a ordem biológica com a ordem sociocultural ao produzir alterações tanto no corpo do sujeito como nas suas funções sociais” (QUINTANA, 1999, p.26, apud LEMOS 2000, p. 485).

A doença, além de toda a sintomatologia aparente, “pode prejudicar a estabilidade física da vida, deteriorando assim sua qualidade e diminuindo a integridade da saúde” (PHILIBERT, 1998, p. 9). Com a diminuição da saúde, o ser humano é afetado como um todo.

A doença é, portanto, o resultado da estrutura política, econômica, social e psicológica que se processa no biológico. Ela abrange enorme contexto que precisa também ser curado.

3.2 Doenças Espirituais

Possivelmente na Bíblia, na cultura hebraica, no Antigo Testamento, não havia concepção de espírito mau ou demônio. Não há relato sobre isso nos primeiros capítulos de Gênesis, quando é descrita a criação do universo. O homem e a mulher foram criados sem relato de que havia um ser oposto a Deus (SCHIAVO; SILVA 2000, p. 53).

Sobre a questão de Satanás como representante ou responsável pelo mundo do mal, seguem-se alguns esclarecimentos que ajudam a clarear melhor a situação: o monoteísmo judaico era radical em relação a outras divindades e não havia no Antigo Testamento uma palavra que pudesse entender-se por Satanás.

A idéia de demônio como responsável pela origem do mal, desenvolveu-se progressivamente e com o passar do tempo, tornou-se cada vez mais significativa. Satanás a princípio era visto como parte de Deus, do seu reinado. Depois foi visto como espírito bom (anjo) e espírito mau (demônio), até que passou a ser considerado o símbolo do mal, contraditório a Deus.

A imagem de Satanás é o resultado de mistura natural, onde está incluído: magia, religiosidade popular com ritos mágicos, simbolismos e psicologia. O termo “Satanás” procede da raiz stn que significa literalmente “alguém que tira alguma coisa no caminho de alguém”.

Em resumo esse termo recebeu novos sentidos, os quais, ele não possuía na sua origem. Quando ele surgiu não era mau e muito menos oposto a Deus. (SCHIAVO; SILVA, 2000. p. 53).

Demônios não eram figuras tão conhecidas. No período helênico eles eram considerados mediadores do bem e do mal.

Os demônios (dáimon ou daimónion) eram seres cuja esfera de ação se situava entre os deuses e os homens, com o poder de serem mediadores do bem (gênio) e do mal (doenças). Para Israel dada a sua fé no Deus único, os demônios não tinham nada de divino e sua ação só podia causar o mal (VENDRAME, 2001, p. 114).

A palavra: “demônio”, não fazia parte da antiga cultura judaica e só “a partir do exílio babilônico no contato com as religiões orientais e com a invasora cultura helênica, que o termo passou a ser utilizado com freqüência na religião popular de Israel” (VENDRAME, 2001, p. 114).

No Novo Testamento, já aparece de uma forma bem explícita, esse conflito entre Satanás e Deus como representantes respectivamente do mal e do bem. O representante do mal se torna conhecido com nomes como: Demônio, Diabo, Belzebu e Espírito Imundo. Os espíritos malignos ou impuros eram os responsáveis por toda sorte de males, doenças e indução ao pecado (SCHIAVO; SILVA, 2000, p.69).

Na comunidade judaica, doença e ação do demônio são inseparáveis. Faz parte da cultura no tempo de Jesus, a crença em demônios e possessões diabólicas.

Dentre as crenças assimiladas das civilizações vizinhas por Israel estão a angeologia e a demonologia. Para o judaísmo que é uma religião monoteísta, essas forças tanto benéficas quanto inimigas são inferiores a Deus (BAUTISTA, 1996, p. 126).

Investigando o relato sobre a mulher encurvada (Lc 13, 10-17), pode-se levantar alguns questionamentos como: sua doença era apenas física, de ordem espiritual, ou física-espiritual? Pode-se entender que era uma doença física que para a cultura da época era taxada como espírito de enfermidade, demônio.

Não há relato de que ela fosse uma pessoa demente, durante estes dezoito anos. Pelo contrário, ela estava na sinagoga para ouvir a leitura das Escrituras. Isto sinaliza que suas faculdades mentais gozavam de plena lucidez, caso contrário, ela não iria ou não seria levada à sinagoga.

O fato de estar presente na sinagoga, já era um indicio de que não estava sentindo dor.

O que resta é averiguar até que ponto ela teria apenas uma doença física crônica, e até que ponto também esse quadro não poderia ser psicossomático, em função principalmente da postura física e dos traumas e marcas emocionais como resultado de uma cultura opressora.

As doenças desde o Antigo e Novo Testamento, não eram bem vistas e em muitos casos, as pessoas eram discriminadas e até marginalizadas. Richter Reimer (2003 p. 1243) confirma: “Entender doenças como sendo uma possessão de demônios era comum na época [...]. Na cultura popular ou religiosa, demônios e espíritos imundos ou malignos eram causadores de doenças mentais e espirituais”.

Tanto no Antigo como no Novo Testamento aparecem inúmeras doenças físicas, sendo que muitas podem ser de origem psicossomática, como também distúrbios comportamentais dos mais simples até os suspeitos de transtornos mentais.

3.3 Doenças Psicossociais na Atualidade

As doenças, na realidade, são conseqüências de todo um processo social e podem ser psicológicas propriamente ditas e psicossomáticas; estas de origem emocional ou agravadas pelo estado emocional da pessoa.

As psicossomáticas são manifestadas em uma parte específica do corpo. São resultados de momentos psicológicos vividos pela pessoa no passado, possivelmente negativos e que deixam marcas emocionais, comprometendo assim a saúde dessas partes do corpo e que são refletidas através da psicossomatização (LELOUP, p. 18-26).

A infra-estrutura social quase nunca corresponde às necessidades de construção básica da sociedade e do ser humano. A partir desses fatores, entende-se que as dificuldades e impossibilidades sociais geram toda sorte de comportamentos sociais, os quais por si geram traumas e conflitos profundos de ordem psicológica e, como conseqüência, uma série de doenças orgânicas e psicossomáticas, que interferem no cotidiano da pessoa (ROSNY, 1998, p.9). O corpo como instância final do processo é que recebe toda a carga da sociedade doente.

Alguns levantamentos desde o povo de Israel, no passado nos trazem informações sobre a saúde emocional, como era vista e encarada, tanto em situações de completo equilíbrio onde a pessoa se manifestou saudável emocionalmente como em questões patológicas como Petrelli (2003 p.115) explica: “A psique adoece, tanto na região da lógica e da razão, quanto afetiva espiritual, quando se dissocia dos paradigmas da mente e do modus como estes foram apresentados à nosografia psiquiátrica e psicopatológica ”.

A psicologia herdou parte do modelo psicanalítico de Freud, no sentido de ver e avaliar as reações, sentimentos, comportamentos e patologias de ordem emocional e psicossomática, sem admitir em tudo isso influência das crenças religiosas e as contribuições positivas ou negativas que elas pudessem trazer para a cultura.

O funcionamento de uma sociedade contém ações e reações do ser humano, na sua individualidade, onde estão presentes as convicções religiosas.

Com a visão psicocientífica de Carl Gustav Jung , a religião começou a ser vista e considerada, até certo ponto, de outra forma no meio psicológico. Para Jung ela faz parte da cultura, do social. Conseqüentemente leva as pessoas a emitirem comportamentos que a psicologia não pode negar.

Esperava-se que o comportamento religioso aos poucos fosse se extinguindo. Isso, porém, não aconteceu. Pelo contrário, aumentou com o sincretismo religioso. Diante da sua necessidade biopsicossocial, a pessoa busca alternativas naturais, humanas, nas ciências que nem sempre podem oferecer resposta, outros não possuem condições financeiras para isto. Podendo ou não, o sagrado é a alternativa acessível a todos.

Na atualidade, apesar das vacinas e inúmeros outros meios de prevenção, o ser humano encontra-se diante de enfermidades que poderiam ser chamadas pestes do século XXI. Elas não são transmissíveis organicamente, porém têm suas múltiplas origens, a partir da cultura capitalista, da não valorização do sistema ecológico, do ser humano, e todo o seu contexto psicossocial.

A pessoa não é tratada de forma igualitária, é discriminada principalmente por causa da classe social, raça ou gênero a que pertence.

O peso cultural e social, compromissos financeiros com impostos, que hoje no Brasil consomem mais de um terço do que se ganha; problemas familiares: conjugais, relacionamentos, falta da consciência dos papéis no lar, violência familiar,

desemprego, falta de escolaridade, alimentação e higiene inadequada e outros, são fatores que contribuem e extrapolam para que a problemática aumente e com ela uma gama de comportamentos desajustados, que por sua vez geram maiores danos, chegando a tão conhecida violência urbana. São estes e outros problemas que geram as doenças psicossomáticas, redundando em sintomas dos mais variados no organismo e na vida, quando não levam a pessoa à violência e ao suicídio.

Dentro da cultura capitalista, principalmente nos países pobres, geralmente a pessoa não tem consciência dos seus verdadeiros direitos e por isso mantém um comportamento de conformismo, de submissão, devido à falta de informação. O meio social contribui para deixá-la assim, alienada e às vezes, aumentando sua ignorância.

A pessoa doente é o produto da desinformação. Muitas crianças morreram e morrem pelo fato de seus pais não terem consciência da importância da vacina ou por não saberem alimentá-las ou pelo desconhecimento da importância dos princípios básicos de higiene e outros.

A partir desses fatores, pressupõe-se que o sistema psicológico, as doenças psicológicas e somáticas advindas da má estruturação social sejam pouco conhecidas.

As dificuldades e impossibilidades sociais geram toda sorte de comportamentos sociais doentios e indesejáveis, os quais por si geram traumas e conflitos profundos de ordem psicológica e como conseqüência uma série de doenças psicossomáticas e orgânicas que interferem no cotidiano da pessoa (ROSNY, 1998, p.9).

Por isso torna-se bastante necessário investigar as curas, mudanças e transformações que abrangem todo o contexto de vida da pessoa religiosa.

Percebe-se que os evangélicos, principalmente os pentecostais, na sua maioria tendem a denominar os quadros pssicossomáticos e os transtornos comportamentais de muitas formas como: prisão espiritual, pecado, maldição, incredulidade, influência de demônio ou possessão demoníaca e outros. Por outro lado, as ciências psicológicas, até certo ponto, mantiveram-se afastadas das questões religiosas a começar de Freud, que teve formação judaica, porém, tinha dificuldade em admitir questões religiosas como verdadeiras. “Para Freud, portanto a crença religiosa permite que os crentes gerenciem seu desalento negando suas necessidades insatisfeitas e elevando a representação interna do pai ao posto de Deus”. (RIZZUTO, 2001, p. 161).

Ele foi o espelho para muitos psicólogos que fizeram questão de considerarem-se ateus ou radicais em relação à religião. Com o decorrer do tempo, tem surgido psicólogos judeus e principalmente cristãos, que ampliaram sua visão e estão tentando promover “O encontro entre a fé e a psicologia” (SUDBRACK, 2001, p. 9).

Surge então a necessidade de os fenômenos religiosos serem pesquisados psicologicamente. Para Sudbrack (2001, p. 58) “A psicologia como ciência trabalha com a técnica, mas nem tudo que excede ou precede a técnica é fantasia”. E afirma ainda: “A igreja e a teologia serão enriquecidas, em sua apresentação da fé, pela sociologia e pela a psicologia”.

Os cristãos carismáticos católicos ou evangélicos pentecostais, procuram dentro da espiritualidade fazer com que todos os fatos em relação às doenças psíquicas e somáticas sejam espiritualizados.

O que é espiritualidade? Vejamos uma resposta: “Espiritualidade é aquilo que produz no ser humano uma mudança interior, [...] se não produzir em você uma transformação não é espiritualidade” (DALAI-LAMA apud BOFF (2001, p.16).

Apesar de muitos autores terem apostado na secularização da religião isso não aconteceu. “A profecia da morte da religião falhou e, duas décadas depois, o problema é exatamente o contrário, acontece justamente uma explosão de religiosidades novas por toda parte” (CAMPOS, 1997, p.32).

Os evangélicos, principalmente os pentecostais e neopentecostais, no Brasil e América Latina têm crescido de forma impressionante, com várias ramificações. O sincretismo neopentecostal é comentado.

O crescimento, tanto em número de fiéis quanto de templos; a montagem de um potente aparato de empresas de serviços religiosos, com televisão, rádio e imprensa, produção fonográfica; a constituição de uma bancada de parlamentares com força política nas Câmaras de Deputados do país e outros acontecimentos têm impactado não só as religiões institucionalizadas, mas também grandes conglomerados empresariais e os poderes públicos (BONFATTI, 2000, p. 9).

A religiosidade de um modo geral sempre fez parte da vida do ser humano, porém nas últimas décadas ela tem sido praticada de forma mais acentuada. Com isso a fé tem estado mais em ação. Muitos fatos, porém, são dignos de investigação científica.

Até que ponto os acontecimentos no meio religioso, são apenas religiosos e espirituais? Até que ponto o amparo amoroso da religião aos fiéis e as promessas de mudanças socioeconômicas, não estariam contribuindo para a cura dos quadros psicossomáticos? Segundo Catalan (1999, p.42) não seria “a volta do religioso? ...Que tipo de religioso?, pois convém dar ao assunto os matizes que ele requer”.

Olhando através do prisma social, notamos que saúde é ausência de doença e que saúde abrange um contexto maior, vai além do corpo.

O corpo que é a sede de todo o ser da pessoa acaba sendo vitimado ou sendo o receptor final de toda ausência de saúde, ou seja, das doenças: de ordem social, política, cultural, psicológica e orgânica com toda a sua sintomatologia .

Nos países subdesenvolvidos onde há maior percentual de doenças, elas ocorrem em função da política social desagregadora. A sociedade não é vista como um todo igualitário.

A pessoa é socioeconomicamente valorizada pelo que possui. Não é vista em todo o seu contexto, como um ser biopsicossocial. A opressão política financeira incide mais sobre os pobres que são a maioria. Eles respondem pelo caminhar da nação, com sua força de trabalho; e não são assistidos nas suas necessidades básicas (informação, educação, alimentação e trabalho); fato que os leva a contrair toda sorte de doenças sociais (comportamentos), físicas e psicológicas.

Como o corpo é quem apresenta de forma mais visível e concreta, as síndromes finais das doenças, ele se torna o alvo de maior atenção para que seja restabelecido e volte a apresentar saúde.

Nos centros mais desenvolvidos, os trabalhos de prevenção à saúde do corpo estão bem adiantados. No entanto, como afirma Richter Reimer (2002,p.1234), “Refletir sobre saúde e cura convida a uma reflexão mais ampla sobre as nossas condições sociais, especialmente as condições sociais das pessoas doentes”.

A pessoa é um ser social e como tal precisa e deve ser vista e reconhecida em todo o seu contexto. Isso porque, grande parte das doenças tem sua origem em função do mal ou não funcionamento da estrutura social, onde o ser humano não é valorizado.

Saúde e doença manifestam-se em nosso corpo. Este corpo tem suas características próprias, tem sua individualidade, mas seu objetivo e sua realização não consistem em ser individualizado e isolado. Cada corpo se plenifica na relação com os outros corpos (RICHTER REIMER, 2002, p. 1237).

As doenças na sua maioria são conseqüências da estrutura social vigente em cada comunidade, povo ou nação. A doença é o reflexo do sistema político e social de cada povo; da forma que esta sociedade é encarada pelos seus governantes; e da prioridade que é dada ou não ao ser humano participante desta sociedade.

Um percentual alto de doenças tem sua origem no social. É bom enfatizar que uma doença não é só orgânica. Uma sociedade doente gera não só doenças orgânicas, mas sociais e psicológicas, principalmente quando deixa as pessoas à margem do sistema econômico-político.

Uma sociedade doente é produtora de pessoas doentes e mantém o poder econômico na mão de poucos. Nela há injustiças salariais, que levam à discriminação social, à diminuição do poder aquisitivo e automaticamente da qualidade de vida das famílias.

A sociedade doente gera uma série de problemas sociais como: difícil acesso à saúde pública ou falta quase total desta; miséria econômica e social, onde reina a falta de moradia, de alimento, higiene e também nudez, impossibilitando, assim, à população de crescer; educação medíocre que não condiz com a realidade, contribuindo para que o indivíduo fique à margem; falta de um planejamento social que venha atender melhor as diversas camadas sociais da atualidade e vindoura, que tenha como objetivo final, a igualitariedade; doenças psicológicas, com comportamentos variados de rebelião, violência e ainda as que redundam na conversão para sintomas orgânicos, as psicossomáticas.

Isto se torna um círculo vicioso, porque tende a deixar o individuo em estado orgânico, social e psicológico, pior ainda. “A doença integra a ordem biológica com a ordem sociocultural ao produzir alterações tanto no corpo do sujeito, como nas funções sociais” (LEMOS, 2002, p. 485).

Nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, onde o sistema capitalista domina, o índice de doença é maior. A estrutura social não valoriza o indivíduo como pessoa participante de uma sociedade. Conseqüentemente, o índice de cura é menor.

Investir na cura das doenças do corpo é necessário, mas é um trabalho paliativo. O investimento em hospitais, presídios e programas assistenciais é necessário, porém, resolve apenas parcialmente. É uma forma alienante de conduzir a coisa, sem resolvê-la.

No entanto é o que mais se faz e se vê, enquanto o ser humano continua sendo explorado e doente.

A cura só acontecerá quando os governantes investirem na cura social de forma abrangente. Apesar de difícil, é a melhor alternativa. A cura social, política e econômica, com certeza refletirá na psicológica e no corpo, trazendo dignidade e vida saudável a pessoa

[...] é com isso que anunciamos a necessidade de mudança. É preciso transformar a saúde privada em saúde pública. é necessário anunciar tempos de solidariedade local e global. (...) querer saúde é uma afirmação básica para pessoas de todos os tempos e lugares (RICHTER REIMER, 2002, p. 1237).

CAPÍTULOS IV

ELEMENTOS PSICOLÓGICOS QUE CONTRIBUEM PARA O SURGIMENTO DE DOENÇAS

Neste capítulo procura observar a apresentação dos principais elementos psicológicos que contribuem para o surgimento de doenças.

Como já vimos, são inúmeros os fatores que contribuem para o surgimento de

doenças orgânicas, dentre eles estão os psicológicos, sendo um dos seus resultados, as doenças denominadas psicossomática.

A psicossomática estuda as doenças orgânicas consideradas de origem emocional, como também aquelas que são agravadas em função do estado emocional da pessoa. “A psicossomática pode ser considerada a ciência que se propõe estudar e ajudar o ser humano tanto em seus aspectos psicológicos quanto nos corpóreos“ (BALDONI; TROMBINI, 2004, p.14).

As doenças orgânicas, em percentual bastante elevado podem ser de origem psicossomáticas. Entendendo os processos psicológicos: como, quando e porque a doença se manifesta, praticamente, facilitará o entendimento do processo psicossomático instalado, e será mais eficaz a busca da cura.

Dentre os elementos psicológicos que contribuem para a mobilização de doenças destacaremos alguns, que estão presentes no dia a dia do ser humano: sentimento de culpa; estresse e sintoma de conversão .

4.1 Sentimento de Culpa

A culpa é o resultado da violação dos valores que foram introjetados, através de regras, normas e padrões de comportamentos instituídos, que levam o indivíduo a avaliar o nível de suas responsabilidades. São emoções que direta ou indiretamente expõem a pessoa à opinião dos outros (BRASIO; VITALI, 2003, p. 21-22).

Há duas tipologias principais da culpa. Primeiro, a predisposicional que consiste em situações específicas e bem localizadas. Ela é adaptativa, ou seja, o indivíduo tem condição de elaborá-la, sem que fiquem marcas emocionais.

Segundo, a culpa crônica que pode ter raízes mais remotas ou apresentar-se em situações neutras. Processos complexos e relacionados entre si explicam a culpa crônica.

A culpa crônica em alguns aspectos é semelhante à experiência da vergonha, não promove atitudes positivas para com os outros, e é potencialmente desagregadora, pois fere a imagem de si mesmo, implica uma perda de autoestima e expõe o indivíduo ao risco de perturbações psicopatológicas (BLASIO; VITALI, 2003, p.101).

A tendência à percepção do lado negativo dos fatos induz à mensagens prejudiciais, conduzindo ao excesso de determinada emoção, provocando distorção na leitura dos dados da realidade. Desta forma, a pessoa pode assumir conotações positivas ou não, que podem variar de acordo com o contexto.

Há pessoas que embora sensíveis à culpa podem ter uma vida bem adaptada. O que determina a patologia da culpa crônica não é o estilo emocional predominante e peculiar, mas a associação que é atribuída ao estilo, o nível de intensidade e cronicidade da emoção e o consenso sociocultural da maneira de ver e sentir as coisas (BASIO; VITALI, 2003. p. 102-03).

Diante da impotência de poder conviver com a culpa, gradualmente a pessoa mobiliza mecanismos emocionais internos, que a defendem do sofrimento emocional, deixando-a mais insensível consigo mesma e com os outros (BLASIO; VITTALI, 2003, p. 106).

O sentimento de culpa e autopunição contribui para que, de forma inconsciente, a pessoa venha a “aceitar” o seu sofrimento, para até certo ponto aliviar-se da culpa.

4.2 Estresse

O estresse com seus vários motivos aparentes de origem, apresenta-se como: dificuldade de adaptação com o meio; de adaptação a pós-acidentes naturais; viver sob pressão e muitas outras dificuldades. Pode ser o motivo da origem de várias doenças psicossomáticas leves ou que causam seqüelas para sempre se não forem diagnosticadas e tratadas.

Ao defrontar com uma exigência do ambiente ou uma novidade, o sistema nervoso orienta-se em alertar os sentidos. Com esse fator, na tentativa de registrar ocorrências externas, o organismo silencia e fica mais lento.

Esse reflexo de orientação leva o cérebro, a “desentender-se” para processar os estímulos exteriores, a princípio desprovidos de emoção. O processo que dá significado aos estímulos externos chamamos de cognição.

Ela é uma apreciação inconsciente efetuada pelo cérebro, onde é avaliado o estímulo ameaçador ou não, chegando a uma conclusão automática e inconsciente. Portanto ela não é processo racional.

É inconsciente, sustentada pelo sistema Límbico (VALDÉS, 2002, p.8-9). Desta forma “quando o organismo atende as exigências do meio, mantém-se um estado de ativação contínua que acaba desestabilizando o equilíbrio interno” (VALDÉS, 2002, p. 63).

O indivíduo adapta-se ao meio através das cognições. Para se entender a psicologia do estresse é preciso entender também as variáveis psicológicas, biológicas e do ambiente, o que determinará se o indivíduo interage ou não com o ambiente.

Se essa interação é positiva, entra em ação o sistema simpático-adrenal que energiza o organismo para a ação, sem alterá-lo emocionalmente. Se a interação é negativa, se instala a cognição de dúvida, de desproteção ou ameaça; que comunica o sistema simpático-adrenal e o sistema neuroendócrino é ativado por corticosteróides e o organismo se coloca em defesa, ocorrendo o estresse (VALDÉS, 2002, p. 21). “Em termos biológicos, o estresse é um estado de ativação simpático-adrenal e neuroendócrino, acompanhado de inibição imunológica e de conduta, e de estados emocionais negativos (medo, desproteção, ansiedade, depressão)” (VALDÉS 2002, p.21).

O Estresse na vida prática ocorre quase sempre, quando o indivíduo vive em estado de pressão emocional. O esforço que faz para adaptar-se o leva ao estresse.

Possivelmente as pessoas que vivem sob pressão, no seu eterno esforço para corresponder às exigências psicossociais; certamente estarão mais ansiosas e tensas e conseqüentemente mais próximas de um quadro de estresse.

4.3 Sintoma de Conversão

Outro fator psicológico que é o veículo do surgimento das doenças psicossomáticas é o sintoma de conversão.

Denomina-se sintoma de conversão toda disfunção sensorial ou motora que aparece como resultado do fracasso de adaptação e que está vinculada à situação estressante de maneira simbólica e instrumental (VALDÉS, (2002, p.71).

O sintoma surge trazendo consigo significados, “traduzindo” ou convertendo para o corpo a natureza do conflito que o gera.

Ele é parte do esforço que o organismo faz para defender-se da ameaça emocional. Portanto, os sintomas de conversão fazem parte do contexto dos mecanismos psicológicos de defesa; pelos seus significados e pela sua natureza instrumental e pelo fato de tentarem modificar a interação do indivíduo com o meio.

Instrumental é toda conduta que opera como agente de mudança no contexto. Deve se considerar “O que obriga o indivíduo a fazer, o que o impede de fazer, o que obriga os demais a fazer e o que impede que os demais façam” (VALDÉS, 2002, p. 71).

O sintoma de conversão pode ser identificado no seu marco de origem, que revela seu significado e avalia até que ponto altera as relações interpessoais do indivíduo ou as condições do seu meio (VALDÉS, 2002, p. 71).

É bom ressaltar que os sintomas de conversão são de natureza inconsciente, embora possam parecer simulações e apareçam com maior freqüência, nas personalidades histriônicas e em pessoas com fraqueza emocional intensa.

Os sintomas de conversão e os dissociativos (nos quais o indivíduo se “desliga” da situação e põe em movimento condutas automáticas) são um verdadeiro mistério do ponto de vista psicológico e é necessário supô-los aparentados com mecanismos de defesa evolutivamente antigos, já que aparecem em grupos humanos de cultura primitiva. As respostas de imobilidade cataléptica frente ao perigo e as condutas miméticas com o agressor seriam exemplos característicos dessa classe particular de fenômenos (VALDÉS, 2002, p. 72).

Com este capítulo pode se obter uma idéia resumida dos principais elementos psicológicos que contribuem para o surgimento da doença. Também ficou bem claro que o fator psicossocial na atualidade, é o mais agravante contribuinte para o surgimento de doenças. Surge então a necessidade da busca de alternativas para curas. Como é impossível buscar várias alternativas, o próximo capítulo tentará elucidar alguns pontos sobre religião e psicologia e sua eficácia na cura.

CAPÍTULO V

RELIGIÃO E PSICOLOGIA COM SEUS POTENCIAIS DE CURA

5.1 Religião

Em 1958 H. Clark reuniu cerca de 48 definições de religião. Percebeu-se então a dificuldade de se concordar para chegar a um conceito. Este fato levou muitos autores a descrever o que entendiam por religião. Seguem-se algumas dessas definições.

Willian James apresenta a religião de forma sentimentalista definindo-a a partir dos sentimentos que alimentam a relação do ser humano com o sagrado. “São os sentimentos, atos e experiências do indivíduo humano, em sua solidão, enquanto se situa em uma relação com seja o que for por ele considerado divino” (JAMES apud VALLE, 1998, p. 258).

Durkheim fala da religião a partir de um prisma sociológico, onde ela é abordada como crença coletiva, que une as pessoas em uma comunidade moral, já apresentando a religião de forma organizacional como igreja. “Uma religião é um sistema unificado de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, quer dizer, coisas apartadas e proibidas – crenças e práticas que unem a todos os seus adeptos a uma só comunidade moral, chamada igreja” (DURKHEIM apud VALLE, 1998, p. 259).

Geertz define a religião a partir dos símbolos, onde os significados religiosos são armazenados através dos símbolos, dramatizados em rituais e relatados em mitos. Para ele fazem parte dos símbolos religiosos os valores positivos, os valores do mal e o conflito entre eles.

É um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens, enquanto comunidades organizadas por meio da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e revestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições parecem singularmente realistas (GERTZ apud VALLE, 1998, p.259).

G. Galloway aborda a religião de forma globalizante acrescentando o conceito e a prática da fé como instrumento essencial para a prática da adoração.

A fé humana tem um poder que está mais para lá do próprio ser humano; fé por meio da qual ele busca satisfazer suas necessidades emocionais e alcançar a estabilidade de vida; expressa-se em atos de adoração e serviço. O aspecto cognitivo da consciência religiosa está representado pela fé, e essa é estimulada pela emoção e propõe o objetivo que satisfará as necessidades da vida interior. [...] O aspecto prático se mostra nos atos de adoração que pertencem à natureza religiosa (GALLOWAY apud VALLE, 1998, p. 257).

Tomaz de Aquino define religião como o meio do ser humano cultuar a Deus. “A religião é a virtude pela qual os homens rendem a Deus o devido culto e reverência” (AQUINO apud VALLE, 1998, p. 259).

A religião em todos os tempos tem exercido papel de suma importância. Ela sempre acolheu os fiéis nas suas necessidades, tanto espirituais como físicas oferecendo-lhes oportunidade de livramento, de salvação. Sabe-se, porém, que pelo fato do ser humano ser condicionado a precisar de “salvação” ele é motivado a buscá-la nas religiões, caso contrário elas perderiam seu valor.

No mundo antigo as religiões levavam as pessoas a crerem que a doença era confundida com os monstros originários, os espíritos maus, a possessão demoníaca e com o pecado, os quais poderiam levar a pessoa ao sofrimento como também à morte.

Dessa situação surgiu a necessidade de procurar os deuses para a cura das doenças e afugentar os espíritos maus, para que o bem estar fosse retornado. Nessa época era quase impossível separar as ciências médicas do conhecimento sobrenatural e oculto.

Contudo, só o deus bom poderia sobrepujar o demônio maligno através de oração e textos de encantamento (TERRIN, 1998, p. 156-58).

Muitos estudiosos, inclusive psicólogos, embasaram em Rudolf Otto, suas definições de religião, onde: O termo “sagrado” é a interpretação e a avaliação da experiência religiosa, que não pode ser submetido à racionalização, ser conceituado, e não pode ser exprimido em palavras. Este elemento está presente em todas as religiões, como a parte fundamental e sem ele, a religião perderia o seu valor. O termo “numinoso ” é o resultado da necessidade de se encontrar um nome para esse elemento, conquistando de forma isolada, para fixar o seu caráter, permitindo suas fases: inferiores ou de desenvolvimento, tendo em vista que ele é uma categoria especial quando avaliado e interpretado, e manifesta-se de acordo com a situação interior da pessoa, momento que é concebido como numinoso.

É pela experiência com o numinoso, que pode surgir o sentimento de criatura. Este fato leva à análise psicológica da experiência religiosa (OTTO, 1985, p. 11-15). Os estudos de Otto são muito importantes como fato inicial, onde enfoca o elemento irracional.

Mircea Eliade (1992) em “O sagrado e o profano” afirma que o sagrado se manifesta através de uma hierofania35 e por esta razão o homem toma conhecimento, devido à diferença entre o sagrado e o profano. O sagrado manifesta-se de formas diferenciadas: como árvores, pedras e outros. Ele tem significado que vai além da pedra e da árvore.

Quando o sagrado se manifesta, um objeto qualquer se transforma em outra coisa, apesar de continuar sendo ele mesmo. O sagrado se manifesta em uma pedra e esta se revela sagrada, transmite algo sobrenatural para a pessoa que está vivendo a hierofania.

Os modos de ser do sagrado e profano dependem das diferentes posições que o homem conquistou no cosmos; e por conseqüência, interessam não só aos filósofos, mas também a todo investigador desejoso de conhecer as dimensões possíveis da existência humana.

Eliade vê o sagrado não só como relação entre os elementos não-racional e racional, mas em toda a sua totalidade, afirmando que o sagrado se opõe ao profano (ELIADE, 1992, p. 23-32).

Jung define religião a partir do vocabulário latino religere :

uma acurada e conscienciosa observação daquilo que Rudolf Otto, acertadamente chamou de “numinoso”, isto é, uma existência ou um efeito dinâmico não causados por um só ato arbitrário. [...] O numinoso pode ser a propriedade de um objeto visível, ou o influxo de uma presença invisível, que produzem uma modificação especial na consciência. Tal é, pelo menos, a regra universal (JUNG, 1987, p. 9).

A religião para Jung, não é apenas uma confissão de fé, e afirma: “toda confissão religiosa, por um lado, se funda originalmente na experiência do numinoso, e, por outro, na pistis, na fidelidade, na fé e na confiança em relação a uma determinada experiência de caráter numinoso e na mudança de consciência que daí resulta” (JUNG,1999, p. 10).

Relata que ao deparar com um fenômeno religioso que apresenta relação importante com o psicológico, ele o trata dentro de uma perspectiva empírica limitando-se a observar os fenômenos, não utilizando abordagem metafísica ou filosófica (JUNG,1999, p. 7).

Para ele, a religião de alguma forma existiu desde os tempos antigos como uma necessidade do ser humano de expressar na prática, aquilo que possivelmente sua mente busca: o transcendente, o sagrado.

CONTINUA.......

JFLEITE
Enviado por JFLEITE em 18/10/2015
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